Correio Braziliense
Nada complica mais as negociações sobre as
tarifas de 50% do que fator político-ideológico dessa crise: o apoio declarado
de Trump a Bolsonaro
A contagem regressiva para o tarifaço de 50%
imposto por Donald Trump sobre produtos brasileiros que entram nos Estados
Unidos mergulhou empresários, diplomatas e investidores em clima de incerteza e
estresse sobre o futuro das relações comerciais e diplomáticas entre os dois
países. A poucos dias da entrada em vigor da medida, marcada para 1º de agosto,
as pontes de diálogo permanecem frágeis e periféricas.
O Itamaraty mantém o chanceler Mauro Vieira em Nova York, pronto para seguir a Washington caso haja abertura de negociações, enquanto o vice-presidente Geraldo Alckmin prepara-se para viajar para buscar uma interlocução de alto nível com a Casa Branca. Nada indica, até o momento, que Trump esteja disposto a recuar.
O problema é que o tarifaço não é apenas de
uma retaliação comercial, como acontece com o México e o Canadá, os dois países
vizinhos e parceiros históricos dos EUA, embora tenha mais de 200 anos de
intercâmbio comercial com o Brasil. A escalada tarifária também tem conteúdo
geopolítico explícito e se insere na estratégia dos neoconservadores do
movimento MAGA, a linha de frente do trumpismo, que enxergam o mundo em
transição para uma nova guerra fria entre os Estados Unidos e a China, hoje o
nosso principal parceiro comercial.
Na verdade, qualquer país que demonstre
aproximação com o Brics representa uma ameaça para a Casa Branca. Por isso, o
Brasil é considerado “desalinhado”. A possibilidade de utilização internacional
do Pix como alternativa de pagamentos entre países do Sul Global, uma
alternativa tecnicamente viável, é vista como ameaça existencial ao dólar.
Visa, Mastercard e outros gigantes financeiros norte-americanos enxergam o
avanço do Pix como desafiador, por ser o principal e mais popular meio de
pagamento existente no Brasil, o que prejudica seus negócios no Brasil.
Outro ponto de fricção é a posição do governo
brasileiro quanto à soberania sobre seus recursos minerais estratégicos. Ao
determinar um mapeamento completo do subsolo brasileiro e condicionar a
exploração de minérios críticos — como lítio e nióbio — ao controle estatal,
como anunciou ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contraria
interesses representados pelo Departamento de Estado.
Ao reestruturar suas cadeias globais de
suprimento, os EUA disputam acesso a essas matérias-primas. Brasil é uma peça
central no xadrez geopolítico da transição energética e das novas tecnologias,
em especial por causa das suas fontes de energia limpa e grandes reservas de
minerais estratégicos.
Isolamento progressivo
Entretanto, nada complica mais as negociações
sobre as tarifas do que fator político-ideológico dessa crise: o apoio
declarado de Trump a Jair Bolsonaro. O bolsonarismo representa uma ponta de
lança doméstica do que pode ser, no limite, uma mudança de regime à moda
antiga. A retórica anticomunista, o culto à bandeira dos EUA e a idolatria por
Israel não são apenas folclore, são marcas ideológicas de alianças políticas
que transcendem fronteiras. Os métodos da Casa Branca lembram a preparação dos
golpes de Estado que destituíram os presidentes João Goulart, em 1964, no
Brasil, e Salvador Allende, em 1973, no Chile.
Antes mesmo de entrar em vigor, os impactos
econômicos do tarifaço já estão sendo sentidos. A Embraer estima que cada avião
vendido aos EUA com a tarifa de 50% pode gerar um prejuízo de R$ 50 milhões. A
SkyWest, que encomendou 74 aeronaves, estuda adiar entregas. O setor teme
demissões, cancelamento de pedidos e retração de investimentos, nos moldes do
que ocorreu durante a pandemia.
O agronegócio, com suas exportações
bilionárias para os EUA, também sente a ameaça. A colheita de laranjas, por
exemplo, deve ser suspensa, porque o prejuízo é menor se as frutas apodrecerem
no pé.
Para complicar, o Brasil perdeu um aliado
crucial: a União Europeia, que fechou acordo comercial com os EUA no domingo, o
que fragiliza a posição brasileira e empurra para segundo plano as negociações
do Mercosul, mesmo levando-se em conta o descontentamento da Alemanha e da
França com o acordo.
A nova aliança entre Washington e Bruxelas,
depois dos acordos com a Índia e o Japão, afasta qualquer possibilidade de uma
articulação multilateral por dentro do G7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido,
França, Itália e Canadá) para barrar o tarifaço.
Lula, em discurso no Rio de Janeiro, apelou ao diálogo, mas a Casa Branca
permanece em silêncio. O Brasil precisa se preparar para caminhar com as
próprias pernas.
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