O Estado de S. Paulo
O fortalecimento da OMC reduziria, no futuro,
o risco de surgimento de novos Trumps no comércio internacional
Bem, 1.º de agosto está aí. Falastrão, o presidente norteamericano, Donald Trump, em vários episódios, não conseguiu levar adiante suas ameaças grosseiras e destemperadas – precisou recuar. Mas há temor de que, no caso da tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de agosto, ele queira transformar o Brasil em caso exemplar de sua política externa e comercial. Embora um grupo de fanáticos de direita tente disseminar a falsa ideia de que Trump está salvando o Brasil, é difícil imaginar que brasileiros se beneficiem de uma decisão externa que, pelo método e pela truculência, para além de seu impacto econômico, desrespeita a soberania do País. Pesquisa recente mostrou que mais de sete entre dez pessoas acham que o melhor seria governo e oposição se unirem na defesa dos interesses nacionais. É igualmente difícil imaginar que isso possa ocorrer.
O governo brasileiro busca a negociação. O
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços,
Geraldo Alckmin, informou que houve “conversas reservadas” com o secretário
norte-americano do Comércio, Howard Lutnick, envolvendo temas como ampliação
das relações comerciais e dos investimentos, acordo tributário e interesse dos
Estados Unidos em minerais críticos e estratégicos do Brasil. Mas a decisão
final depende de Trump.
Caso a taxação seja mantida, o Brasil pode
recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), sucessora do Tratado Geral de
Tarifas e Comércio (Gatt), uma das instituições criadas após o fim da Segunda
Guerra Mundial para propiciar o crescimento mundial baseado na paz e nas
relações harmônicas entre os países. Não é, porém, da natureza de Trump
respeitar instituições internacionais que contestem decisões da Casa Branca.
Desde seu primeiro mandato (2017-2021), Trump
tenta retirar poderes dessas instituições. No caso da OMC, desde 2019 o governo
norte-americano vem bloqueando a indicação de novos juízes do Órgão de
Apelação, que, por essa razão, não pode tomar decisões. São essas decisões que
asseguram eficácia às ações da OMC no sentido de preservar a estabilidade do
comércio mundial, evitando guerras comerciais, tarifaços como os do governo
Trump ou medidas protecionistas.
Os 164 países membros da OMC continuam,
porém, a reunir-se em Genebra, na Suíça, para debater o comércio mundial. Na
reunião do Conselho Geral da OMC na semana passada, o representante brasileiro
fez severas críticas a decisões como as que o governo Trump vem tomando (mas
sem citar o nome do chefe da Casa Branca).
“Para além das violações generalizadas das
regras do comércio internacional – e ainda mais preocupante –, estamos agora
testemunhando uma mudança extremamente perigosa: o uso de tarifas como
instrumentos de tentativa de interferência nos assuntos internos de terceiros
países”, disse o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty,
embaixador Philip FoxDrummond Gough.
É uma referência mais do que clara à
insolentemente ameaçadora mensagem que Trump postou em sua rede social como se
fosse uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nela, Trump exige que
o Brasil encerre “imediatamente” a caça às bruxas representada por aquilo que o
chefe da Casa Branca entende como perseguição a seu amigo Jair Bolsonaro, caso
o País queira se livrar da tarifa de 50% para colocar seus produtos no mercado
norte-americano. Há, além de bravatas, intenções não explicitadas por Trump, como
os interesses de empresas de capital norte-americano que operam no País, em
especial nos campos da tecnologia, finanças e da mineração. Talvez este seja o
principal objetivo de sua brutalidade.
Na OMC, o representante do Itamaraty advertiu
para “um ataque sem precedentes ao sistema multilateral de comércio e à
credibilidade da OMC”. Sempre omitindo o nome do principal agente desse ataque,
o embaixador Philip Gough observou que “tarifas arbitrárias, anunciadas e
implementadas de forma caótica, estão desorganizando as cadeias globais de
valor e ameaçam lançar a economia mundial em uma espiral de preços elevados e
estagnação”. São medidas que constituem “violação flagrante dos princípios
centrais que sustentam a OMC e que são essenciais para o funcionamento do
comércio mundial”.
Gough lembrou das ações que resultaram na
paralisia do Órgão de Apelação, ou seja, do sistema de solução de controvérsias
da OMC. São, disse, ações deliberadas que “ameaçam permitir que o comércio
global volte a ser regido pela lógica da força, criando desequilíbrios
particularmente prejudiciais aos países em desenvolvimento”.
Contra as ações de Trump aí descritas, Gough
defende o retorno a “um sistema multilateral de comércio baseado em regras”,
pois “negociações baseadas na lógica do poder são um atalho perigoso rumo à
instabilidade e à guerra”.
O fortalecimento da OMC, na linha defendida pelo secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, reduziria, no futuro, o risco de surgimento de novos Trumps no comércio internacional e contribuiria para a preservação da tranquilidade mundial.
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