Financial Times / Valor Econômico
Intolerância e falta de convicção são defeitos de caráter que trazem maus presságios para partidos de centro e centro-esquerda
As leis da hidráulica foram quebradas. O índice de aprovação de Donald Trump caiu para o menor patamar de seu segundo mandato, mas o do Partido Democrata caiu ainda mais. Os democratas deveriam estar em alta. Apenas um terço dos americanos os aprova. Praticamente o mesmo pode ser dito dos partidos de centro e centro-esquerda pelo Ocidente. A exceção é o Canadá. Isso porque o Partido Liberal, de Mark Carney, é o mais firme defensor da soberania canadense — a oposição estava apegada demais a Trump. O Canadá, entretanto, é uma exceção à regra. O progressismo ocidental ainda está em debandada.
Nos lugares em que os partidos democráticos
progressistas estão no poder, as leis normais da hidráulica ainda funcionam. Um
ano após assumir o cargo, o Partido Trabalhista, de Keir Starmer, tem sorte quando
chega consegue chegar a 25% nas
pesquisas. Por sua vez, o populista Partido Reforma, de Nigel Farage, com apenas sete
anos de existência, já atrai quase um terço dos eleitores. Na Alemanha, menos
de três meses após assumir o governo, os dois principais partidos estão cabeça
a cabeça com o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em
alemão). Isso apesar (ou talvez por causa) do fato de que a inteligência alemã
recentemente classificou o AfD como extremista de direita.
Na França, da mesma forma, o partido de
extrema direita Reunião Nacional, de Marine Le Pen, lidera com ampla margem as
pesquisas, apesar de Le Pen estar impedida de concorrer na próxima eleição
presidencial.
O maior índice de aprovação entre as grandes
economias europeias é o de Giorgia
Meloni, da extrema direita italiana. Mesmo Trump, afundando em
um marasmo criado por ele mesmo, ainda mantém a cabeça fora d'água. Sua recente
aprovação de 37% na
pesquisa Gallup é bem maior que a do Partido Democrata. Quando
a esquerda está no poder, os populistas prosperam. Quando a direita está no
poder, a esquerda raramente o faz. Quem quiser mais evidências,
basta ver os casos de Benjamin
Netanyahu, em Israel, e de Narendra Modi, na Índia.
O fato de as mazelas do progressismo
ocidental terem múltiplas causas torna mais difícil corrigi-lo. A complexidade
estimula brigas internas. Taylor Swift já vai estar aposentada há anos, e os
democratas ainda vão estar discutindo se Joe Biden estava velho demais para
concorrer ou se foi egoísta demais por não ter cedido antes. Talvez também
ainda estarão a debater se a esquerda é muito ou pouco “woke” [o movimento pelo
“despertar” da consciência racial e social]. Será que a esquerda no poder é
capaz de fazer mais para melhorar a economia para a classe trabalhadora? A
imigração enriquece a sociedade ou espreme ainda mais os trabalhadores? Deveria
haver um imposto sobre grandes fortunas? Israel comete crimes de guerra?
Perguntas do tipo, invariavelmente, causarão divisões.
Além das divisões
internas, o progressismo contemporâneo tem dois defeitos de caráter que trazem
maus presságios quanto a seu eventual ressurgimento. O primeiro é a falta
de convicção. Está muito bem apontar os perigos representados por Trump,
Farage, Le Pen e outros. Seria negligente deixar de fazê-lo. No entanto,
limitar-se a fazer a argumentação negativa não basta. Ninguém nunca ganhou um
concurso de beleza dizendo “talvez eu não seja bonita, mas você já reparou como
quem está do meu lado é feia?”. Lemas como “Mais fortes juntos” ou “Quando
lutamos, vencemos” não conseguem disfarçar a incerteza que existe por trás
deles. Como Bill Clinton disse uma vez: o forte e errado sempre vence o fraco e
certo. Fazer reuniões de grupos focais não resolverá isso.
O segundo defeito do progressismo ocidental é
a intolerância.
Durante a pandemia, os progressistas
americanos estiveram em seu pior momento. O fato de que os conservadores
antivacina eram ainda mais insanos não deveria servir de consolo. A impressão
era que, certo dia, o doutor Anthony Fauci dizia que máscaras não eram
essenciais e que, no outro, Rochelle Walensky, então chefe do Centro de
Prevenção e Controle de Doenças (CDC, em inglês), dizia para crianças de dois
anos usarem máscara o tempo todo. Qualquer pessoa cogitando a teoria de que o
vírus pudesse ter saído de um laboratório em Wuhan era descartada como
sinofóbica ou pior. Em dezembro de 2020, quando as vacinas se tornaram
disponíveis, o Sindicato dos Professores de Chicago tuitou: “A pressão para
reabrir as escolas está enraizada no sexismo, racismo e misoginia.”
Na época, todos pareciam concordar que a
normalmente progressista Suécia estava sendo tola ao seguir o caminho da
imunidade de rebanho. O fato de que a Suécia acabou exibindo um dos menores
índices de mortalidade da Europa não recebeu o mesmo destaque. A covid-19 não é
história antiga. Qualquer pesquisa que tente
entender por que tantos jovens passaram a olhar para a direita e ignore a
experiência da pandemia está perdendo tempo. O caminho da
recuperação começa olhando-se no espelho. O livro fundamental “In Covid’s Wake:
How Our Politics Failed Us” [algo como “Na esteira da covid-19: como nossa
política nos deixou na mão”, em inglês], de dois acadêmicos de Princeton,
deveria ser leitura obrigatória em todo o espectro ideológico. O fato de que a
maioria dos grandes jornais sequer o tenha resenhado é preocupante.
Foram-se as regras de distanciamento social,
também se vai a liberdade de expressão entre os progressistas.
Os progressistas
diziam “siga a ciência”, confundindo ciência com fé. A ciência é um processo de
tentativa e erro que só funciona com abertura à dissidência. O mesmo vale para
o debate político nos campi universitários, dentro dos jornais, nos centros de
estudos e na sociedade em geral. Para muitos jovens eleitores, em
particular os homens, o establishment progressista atual parece mais com um
establishment conservador. Elites com alta formação criam ortodoxias sobre o
que devemos dizer e fazer. A semelhança com o alto vitorianismo não é apenas
aparente. Os vitorianos regulavam os modos de agir e a etiqueta. Também tinham
pavor das massas.
Religiões em expansão buscam convertidos.
Religiões em declínio caçam hereges. Na forma e no conteúdo, o progressismo
ocidental está perigosamente próximo da segunda categoria.
A boa notícia é que o progressismo já se reergueu antes, mesmo após perder a fé em si próprio. A má notícia é que foi preciso uma Segunda Guerra Mundial genocida para que sua necessidade fosse redescoberta. Nutrir a esperança de que a humanidade aprenda com seus erros não serve como estratégia. Ainda se espera ouvir a argumentação positiva pela democracia progressista no mundo de hoje.
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