domingo, 17 de agosto de 2025

Calado, Vargas ganhou a guerra, por Elio Gaspari

O Globo

Silêncio do presidente foi sua arma em conflito que tinha EUA de um dos lados e Alemanha nazista do outro

Valeria a pena mandar um pesquisador aos arquivos do Itamaraty para consultar a conduta de Getulio Vargas durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Ele tinha um enorme abacaxi no colo.

Depois da entrada dos Estados Unidos na guerra, em 1941, o Brasil corria o risco de uma invasão para assegurar o controle de pistas de pouso no Saliente Nordestino. Voando de Natal, os aviões americanos poderiam chegar à África.

Os personagens dessa época nada tinham em comum com os da crise de hoje. O presidente americano Franklin Roosevelt era um simpático profissional, enquanto Donald Trump faz da antipatia um estilo de vida. Vargas cultivava seus silêncios, já Lula fala o que lhe vem à cabeça.

Com a entrada do Brasil na guerra e a criação da Força Expedicionária Brasileira, Getulio fez do limão (o risco da invasão) uma limonada. O silêncio foi sua arma.

Em 1938, um ano antes do início da guerra, os Estados Unidos já olhavam para a importância estratégica do Saliente Nordestino.

Getulio era uma esfinge, mas os generais Eurico Dutra e Góes Monteiro eram germanófilos assumidos. Um era ministro da Guerra e o outro, chefe do Estado-Maior do Exército e condestável militar do Estado Novo.

Os EUA mapearam até a casa do bispo

Em janeiro de 1939 o chefe do Estado-Maior americano, general George Marshall, pediu o primeiro estudo de ocupação do Saliente. Em agosto, um mês antes do início da guerra na Europa, o Exército americano desenhou o Plano Rainbow (Arco-Íris). De prático, resultou o envio de um cônsul para Natal, com o objetivo de colher informações. Meses depois a cidade estava mapeada, localizando até mesmo a casa do bispo.

Em maio 1940, Vargas escreveu:

“As notícias da guerra são de uma verdadeira derrocada para os Aliados. O povo, por instinto, teme a vitória alemã; os germanófilos exaltam-se. Mas o que ressalta evidente é a imprevidência das chamadas democracias liberais”.

Meses depois da tomada de Paris, o embaixador alemão no Rio achava que os militares brasileiros não aceitariam bases americanas, caso os Estados Unidos entrassem na guerra. Tudo bem, mas, na mesma semana, os americanos estavam de olho em Natal e registravam:

“O aeroporto não é guardado por tropas ou polícia... aviões de transporte vindos da África ou Açores podem surpreender tropas terrestres e ocupar Natal e outras cidades da corcunda do Brasil”.

Vargas se equilibrava, prometia a base, negociando armas e, se possível, uma siderúrgica. Os americanos construíram pistas de pouso com dinheiro de um fundo secreto e o logotipo da companhia PanAmerican.

O embaixador alemão continuava convencido de que não haveria acordo. Afinal, os generais Dutra e Góes Monteiro remanchavam e queixavam-se a Vargas. Ele escrevia: “O ministro da Guerra falou-me dos planos que os americanos alimentaram, de ocupação do nosso território” (...) “Góes convencido de que os americanos querem ocupar o nosso território do Nordeste, a pretexto de nos defender contra ataques alemães”.

Em setembro de 1941, Dutra era claro:

“A vinda agora de elementos americanos para o Brasil acarretaria a consequência de anular nossa soberania na região”.

Em 1993 o repórter Lauro Jardim revelou que em novembro de 1941 os Estados Unidos tinham um plano para invadir o Brasil, ocupando Natal, Recife, Belém, Salvador, São Luís, Fortaleza e a Ilha de Fernando de Noronha.

Em dezembro os japoneses atacaram Pearl Harbor. Os EUA entraram na guerra e foram buscar o Saliente Nordestino. O então tenente-coronel Kenner Hertford contaria:

“Para encurtar a história, os brasileiros aceitaram cem fuzileiros em Belém, outros cem em Natal e mais cem em Recife e Fortaleza. (...) Concordaram em que nosso Exército assumisse o controle das torres dos aeroportos. Inicialmente, não podiam usar uniformes.”

A pista de Parnamirim, perto de Natal, foi uma das mais movimentadas da época.

Haddad caiu numa armadilha

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, no dia 4 passado, que teria uma conversa virtual com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent. Com o gosto do governo brasileiro pelos holofotes, adiantou até sua agenda:

“O Brasil pode participar mais do comércio bilateral e, sobretudo, de investimentos estratégicos. Temos minerais críticos e terras raras, os EUA não são ricos nesses minerais. Podemos fazer acordos de cooperação para produzir baterias mais eficientes”.

Qualquer aluno do Instituto Rio Branco poderia aconselhá-lo a não anunciar concessões antes de conversar.

A reunião virtual com Bessent estava marcada para quarta-feira e Haddad tinha recebido o link para o encontro. Na segunda-feira, o secretário do Tesouro desmarcou a entrevista sem maiores explicações e sem marcar nova data. Haddad atribuiu a desfeita à atividade da milícia bolsonarista acampada em Washington. É possível que seja assim, mas o estilo mercurial de Trump prevalece sobre os milicianos brasileiros. Se Haddad tivesse esperado o dia da conversa em silêncio, teria escapado do constrangimento.

Tarcísio ficou mal na foto

O governador Tarcísio de Freitas vestiu o boné trumpista, mas ficou mal no relatório que o governo americano divulgou sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.

Os assassinatos da sua polícia na Baixada Santista em 2023 ganharam o primeiro parágrafo do relatório do Departamento de Estado. Foi mencionada a execução de Fábio Oliveira Ferreira, depois de rendido. Os PMs que atiraram nele foram absolvidos pela Justiça.

A ação policial na Baixada Santista durou 40 dias e resultou na morte de 28 “suspeitos”. Diante dos protestos, Tarcísio defendeu sua polícia:

“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.

Meses depois arrependeu-se do arroubo.

O que ninguém seria capaz de prever é que o assassinato de Fábio viesse a ilustrar um relatório do Departamento de Estado de Donald Trump.

Sobrou também para a polícia do governador de Roraima, Antônio Denarium, outro aliado do bolsonarismo. Sua polícia é mencionada por associar-se a milicianos na proteção de garimpos ilegais.

Empresários, auditores & propinas

A boa notícia é que, se o auditor Artur Gomes da Silva Neto, chefe da diretoria de fiscalização da Fazenda de São Paulo, contar o que sabe, poderá expor uma das maiores redes de propinas envolvendo empresários e fiscais da Viúva.

O doutor teria amealhado em nome da mãe um ervanário de R$ 2 bilhões.

A má notícia é que ele foi preso na terça-feira e no dia seguinte apareceu a informação de que estaria propenso a fechar um acordo de colaboração com o Ministério Público.

Divulgar a possibilidade da delação antes de ela ter começado serve apenas para ajudar quem joga com as pretas, e são muitos os que estão desse lado do tabuleiro.

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