O Globo
Silêncio do presidente foi sua arma em
conflito que tinha EUA de um dos lados e Alemanha nazista do outro
Valeria a pena mandar um pesquisador aos
arquivos do Itamaraty para consultar a conduta de Getulio Vargas durante os
primeiros anos da Segunda Guerra Mundial. Ele tinha um enorme abacaxi no colo.
Depois da entrada dos Estados Unidos na
guerra, em 1941, o Brasil corria o risco de uma invasão para assegurar o
controle de pistas de pouso no Saliente Nordestino. Voando de Natal, os aviões
americanos poderiam chegar à África.
Os personagens dessa época nada tinham em
comum com os da crise de hoje. O presidente americano Franklin Roosevelt era um
simpático profissional, enquanto Donald Trump faz da antipatia um estilo de
vida. Vargas cultivava seus silêncios, já Lula fala o que lhe vem à cabeça.
Com a entrada do Brasil na guerra e a criação da Força Expedicionária Brasileira, Getulio fez do limão (o risco da invasão) uma limonada. O silêncio foi sua arma.
Em 1938, um ano antes do início da guerra, os
Estados Unidos já olhavam para a importância estratégica do Saliente
Nordestino.
Getulio era uma esfinge, mas os generais
Eurico Dutra e Góes Monteiro eram germanófilos assumidos. Um era ministro da
Guerra e o outro, chefe do Estado-Maior do Exército e condestável militar do
Estado Novo.
Os EUA mapearam até a casa do bispo
Em janeiro de 1939 o chefe do Estado-Maior
americano, general George Marshall, pediu o primeiro estudo de ocupação do
Saliente. Em agosto, um mês antes do início da guerra na Europa, o Exército
americano desenhou o Plano Rainbow (Arco-Íris). De prático, resultou o envio de
um cônsul para Natal, com o objetivo de colher informações. Meses depois a
cidade estava mapeada, localizando até mesmo a casa do bispo.
Em maio 1940, Vargas escreveu:
“As notícias da guerra são de uma verdadeira
derrocada para os Aliados. O povo, por instinto, teme a vitória alemã; os
germanófilos exaltam-se. Mas o que ressalta evidente é a imprevidência das
chamadas democracias liberais”.
Meses depois da tomada de Paris, o embaixador
alemão no Rio achava que os militares brasileiros não aceitariam bases
americanas, caso os Estados Unidos entrassem na guerra. Tudo bem, mas, na mesma
semana, os americanos estavam de olho em Natal e registravam:
“O aeroporto não é guardado por tropas ou
polícia... aviões de transporte vindos da África ou Açores podem surpreender
tropas terrestres e ocupar Natal e outras cidades da corcunda do Brasil”.
Vargas se equilibrava, prometia a base,
negociando armas e, se possível, uma siderúrgica. Os americanos construíram
pistas de pouso com dinheiro de um fundo secreto e o logotipo da companhia
PanAmerican.
O embaixador alemão continuava convencido de
que não haveria acordo. Afinal, os generais Dutra e Góes Monteiro remanchavam e
queixavam-se a Vargas. Ele escrevia: “O ministro da Guerra falou-me dos planos
que os americanos alimentaram, de ocupação do nosso território” (...) “Góes
convencido de que os americanos querem ocupar o nosso território do Nordeste, a
pretexto de nos defender contra ataques alemães”.
Em setembro de 1941, Dutra era claro:
“A vinda agora de elementos americanos para o
Brasil acarretaria a consequência de anular nossa soberania na região”.
Em 1993 o repórter Lauro Jardim revelou que
em novembro de 1941 os Estados Unidos tinham um plano para invadir o Brasil,
ocupando Natal, Recife, Belém, Salvador, São Luís, Fortaleza e a Ilha de
Fernando de Noronha.
Em dezembro os japoneses atacaram Pearl
Harbor. Os EUA entraram na guerra e foram buscar o Saliente Nordestino. O então
tenente-coronel Kenner Hertford contaria:
“Para encurtar a história, os brasileiros
aceitaram cem fuzileiros em Belém, outros cem em Natal e mais cem em Recife e
Fortaleza. (...) Concordaram em que nosso Exército assumisse o controle das
torres dos aeroportos. Inicialmente, não podiam usar uniformes.”
A pista de Parnamirim, perto de Natal, foi
uma das mais movimentadas da época.
Haddad caiu numa armadilha
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
anunciou, no dia 4 passado, que teria uma conversa virtual com o secretário do
Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent. Com o gosto do governo brasileiro
pelos holofotes, adiantou até sua agenda:
“O Brasil pode participar mais do comércio
bilateral e, sobretudo, de investimentos estratégicos. Temos minerais críticos
e terras raras, os EUA não são ricos nesses minerais. Podemos fazer acordos de
cooperação para produzir baterias mais eficientes”.
Qualquer aluno do Instituto Rio Branco
poderia aconselhá-lo a não anunciar concessões antes de conversar.
A reunião virtual com Bessent estava marcada
para quarta-feira e Haddad tinha recebido o link para o encontro. Na
segunda-feira, o secretário do Tesouro desmarcou a entrevista sem maiores
explicações e sem marcar nova data. Haddad atribuiu a desfeita à atividade da
milícia bolsonarista acampada em Washington. É possível que seja assim, mas o
estilo mercurial de Trump prevalece sobre os milicianos brasileiros. Se Haddad
tivesse esperado o dia da conversa em silêncio, teria escapado do
constrangimento.
Tarcísio ficou mal na foto
O governador Tarcísio de Freitas vestiu o
boné trumpista, mas ficou mal no relatório que o governo americano divulgou
sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Os assassinatos da sua polícia na Baixada
Santista em 2023 ganharam o primeiro parágrafo do relatório do Departamento de
Estado. Foi mencionada a execução de Fábio Oliveira Ferreira, depois de
rendido. Os PMs que atiraram nele foram absolvidos pela Justiça.
A ação policial na Baixada Santista durou 40
dias e resultou na morte de 28 “suspeitos”. Diante dos protestos, Tarcísio
defendeu sua polícia:
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade
com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da
Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.
Meses depois arrependeu-se do arroubo.
O que ninguém seria capaz de prever é que o
assassinato de Fábio viesse a ilustrar um relatório do Departamento de Estado
de Donald Trump.
Sobrou também para a polícia do governador de
Roraima, Antônio Denarium, outro aliado do bolsonarismo. Sua polícia é mencionada
por associar-se a milicianos na proteção de garimpos ilegais.
Empresários, auditores & propinas
A boa notícia é que, se o auditor Artur Gomes
da Silva Neto, chefe da diretoria de fiscalização da Fazenda de São Paulo,
contar o que sabe, poderá expor uma das maiores redes de propinas envolvendo
empresários e fiscais da Viúva.
O doutor teria amealhado em nome da mãe um
ervanário de R$ 2 bilhões.
A má notícia é que ele foi preso na
terça-feira e no dia seguinte apareceu a informação de que estaria propenso a
fechar um acordo de colaboração com o Ministério Público.
Divulgar a possibilidade da delação antes de ela ter começado serve apenas para ajudar quem joga com as pretas, e são muitos os que estão desse lado do tabuleiro.
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