O Globo
Sanções de Trump tendem a escalar com o
julgamento de Bolsonaro. Ele acusa o Brasil de ser uma ditadura enquanto o país
julga quem atentou contra a democracia
A tensão entre Estados Unidos e Brasil vai
aumentar nas próximas semanas. O início do julgamento de Jair Bolsonaro está
marcado para 2 de setembro, e o presidente Donald Trump continua defendendo o
ex-presidente brasileiro. Na quinta-feira, ele disse que o Brasil é um parceiro
comercial horrível e que está fazendo a execução política de Bolsonaro. Trump,
criativo inventor de realidades paralelas, dirá que o processo andou para
provocá-lo e pode editar novos atos hostis contra o Brasil.
A licença do deputado Eduardo Bolsonaro terminou e ele diz que não volta. É natural que perca o mandato. Vai usar o fato para alimentar a ficção de que há uma ditadura no Brasil. Na sexta-feira, o deputado publicou foto com o secretário do Tesouro, Scott Bessent. Disse que o encontro ocorreu no mesmo dia em que seria realizada a reunião de Bessent com o ministro Fernando Haddad, cancelada de última hora. Continua trabalhando por medidas contra a economia brasileira.
Nada é como tem sido dito pelo presidente
americano nem pela extrema direita brasileira. O Brasil é um dos poucos países
com os quais os Estados Unidos têm superávit. Bolsonaro não está sendo
executado. Está sendo julgado. Ditadura haveria se ele tivesse realizado seu
sonho. Basta ler qualquer parte do processo para entender o que se planejava.
Nas alegações finais, os advogados do ex-presidente afirmam que “não houve
decreto assinado”. Decreto houve. Só não houve assinatura porque, como o
próprio réu disse em seu depoimento no Supremo, “não havia clima”.
Segundo a defesa, Bolsonaro não tem relação
com o 8 de janeiro, porque quando saiu do Brasil “os acampamentos estavam
desmobilizados”. Acrescentou: “antes de deixar o país, o ex-presidente havia
garantido a transição do governo de forma não só tranquila, mas também eficaz”.
Os fatos derrubam a tese. Se tivesse havido uma transição tranquila, eficaz,
conduzida por Bolsonaro e com acampamentos já desmobilizados, não teria havido
o 8 de janeiro.
A defesa do candidato a vice-presidente, o
ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, nega que ele tenha
feito a reunião em sua casa a fim de discutir o plano para matar presidente,
vice-presidente e o ministro Alexandre de Moraes. “O tal documento sequer pode
ser chamado de “plano” pois não define nenhuma espécie de objetivo concreto e
sequer define uma ação específica.”
O advogado do general Paulo Sérgio Nogueira
diz que ele só convocou a reunião dos três comandantes das Forças Armadas, no
seu gabinete, por “temer que grupos radicais levassem o presidente a assinar
uma ‘doideira’ e que alguma liderança militar ‘levantasse o braço’ e rompesse,
o que poderia acarretar uma fissura nas Forças Armadas”.
Não é que não houve tentativa de golpe. É que
cada um diz que não participou, ou que o documento não era objetivo, ou não foi
assinado. Havia o risco de uma “doideira”, mas era de outros grupos, e se
alguém “levantasse um braço” haveria uma ruptura, provocando uma “fissura” nas
Forças Armadas. As alegações finais das defesas ajudam a acusação. Fica claro
que houve uma conspiração, os réus sabiam, e que quase aconteceu um golpe no
Brasil. É isso que está sendo julgado.
O que pode a defesa diante dessa abundância
de provas a não ser alegar que o excesso de documentos impediu a ampla defesa?
O argumento é curioso. Houve sim uma coleta grande de documentos. Com os
próprios réus. Eles é que armazenavam documentos, e-mails, pensamentos
digitalizados, áudios. Durante os depoimentos, os réus entregaram mais
elementos de prova. Na segunda-feira mesmo, a defesa de Marcelo Câmara,
assessor do ex-presidente, disse que o próprio Bolsonaro determinou que Moraes
fosse monitorado. Bolsonaro não negou. Explicou que estava apenas interessado
na agenda do então presidente do TSE.
A história das relações entre Brasil e
Estados Unidos anda em círculos. Em 1964, eles tiveram sucesso ao apoiar o
golpe que implantou a ditadura militar. Durante a presidência Jimmy Carter, o
governo americano pressionou o Brasil a respeitar os direitos humanos. Era uma
democracia pressionando uma ditadura que torturava. Agora é o governo americano
que está disfuncional. Trump ameaça universidades, museus, instituições de
pesquisa, demite funcionário responsável por estatísticas que o desagradam. E
acusa o Brasil de ser uma ditadura. O que o Brasil fará dentro de alguns dias é
julgar quem atentou contra a democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário