Profusão de facções reforça urgência de PEC da Segurança
O Globo
Brasil se tornou refém de pelo menos 64
grupos do crime organizado espalhados pelo país
Não há como falar de violência sem
falar nas facções do crime organizado. Nascidas dentro de presídios, elas hoje
estão por toda parte. Donas de potentes arsenais, controlam rotas do tráfico,
contrabandeiam armas, inflamam penitenciárias, dominam comunidades sob a mira
de fuzis, simulam “tribunais” para executar oponentes, demarcam territórios com
barricadas e achacam moradores. Em locais onde até a polícia resiste a entrar,
impera a lei do crime.
A dimensão da tragédia é medida pela quantidade alarmante de grupos criminosos no país. Pelo menos 64 facções se espalham pelas 27 unidades da Federação, mostrou levantamento do GLOBO. As duas maiores — a paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e a fluminense Comando Vermelho (CV) — estão presentes em quase todos os estados (a primeira em 25, a segunda em 26). Pelo menos 12 atuam em mais de um. E, às nacionais, se juntam ainda estrangeiras, como a venezuelana Tren de Aragua, em Roraima.
Os efeitos nocivos do crime organizado não se
restringem às áreas conflagradas. O PCC mantém esquemas de postos de gasolina,
igrejas, negócios com imóveis, fintechs, agências de automóveis, empresas de
ônibus, casas de apostas, negócios ligados ao futebol e ONGs. Tem presença em
28 países e faturamento anual estimado em US$ 1 bilhão. Em novembro, o
empresário Vinícius Gritzbach, ex-colaborador e delator da facção, foi
executado em Guarulhos, no aeroporto mais movimentado do país. Na semana
passada, em meio a uma disputa em Vila Velha (ES), um integrante do Primeiro
Comando de Vitória (PCV), aliado do CV, disparou tiros a esmo contra inocentes,
matando uma adolescente de 15 anos, uma mulher de 31 e ferindo duas crianças e
um adulto.
Embora os estados tenham legitimidade
constitucional para combater a violência, está claro que, sozinhos, não
vencerão organizações sofisticadas que atuam em todo o país e até no exterior.
A despeito de políticas públicas bem-sucedidas, é patente a dificuldade de
enfrentar a miríade de grupos criminosos e suas sangrentas disputas por
território. Não por acaso, indicadores de violência costumam subir durante o
acirramento da guerra entre quadrilhas e cair em períodos de armistício.
A multiplicação e o espraiamento das facções
pelo Brasil demandam resposta conjunta de todas as esferas de poder. Por isso é
fundamental acelerar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da
Segurança, enviada pelo Executivo ao Congresso em abril. Seu maior mérito é
incluir o governo federal no enfrentamento do crime organizado. Ela não tira
poder dos estados, como alegam alguns críticos. Ao contrário, propõe somar
esforços, integrando ações e bases de dados.
Além da PEC da Segurança, deverá ser enviada
ao Congresso uma Lei Antimáfia, em elaboração no Ministério da Justiça e
Segurança Pública. A ideia é aumentar a pena para líderes de grandes facções e
facilitar apreensão e bloqueio de dinheiro e patrimônio desses grupos. São
propostas meritórias.
A nova legislação pode não ser a solução para
problema tão complexo, mas certamente constituirá um avanço na guerra que o país
está perdendo. Governos devem deixar picuinhas políticas de lado e se unir em
prol dos cidadãos. Deputados e senadores precisam se dar conta da gravidade da
situação. O Brasil não pode continuar refém das facções criminosas.
Trump expõe planeta todo a risco ao cortar
pesquisa com vacina de RNA
O Globo
Secretário de Saúde suspendeu US$ 500 milhões
de verbas. Ameaça mais iminente é o vírus da gripe aviária
Quando Donald Trump convidou
Robert Kennedy Jr. para ser secretário de Saúde, a comunidade científica soou o
alarme, afinal se trata de conhecido militante antivacina e adepto de
pseudociência. Não deu outra. De todas as medidas estapafúrdias que RFK Jr. já
tomou no cargo, a de consequência mais imediata será o corte de US$ 500 milhões
de verbas públicas destinadas ao desenvolvimento de vacinas criadas com base na
tecnologia de RNA mensageiro (RNAm). É o caso das produzidas pelos laboratórios
Pfizer/BioNTech e Moderna, que tornaram possível debelar a pandemia de Covid-19
em todo o planeta.
O paradoxo não poderia ser mais eloquente. Em
seu primeiro mandato, Trump liberou bilhões de dólares para que ambos os
laboratórios desenvolvessem suas vacinas em tempo recorde, usando essa
tecnologia pioneira que ainda não havia sido testada na prática. A decisão
salvou dezenas de milhões de vidas no mundo todo. Não existe argumento mais
persuasivo para investir mais dinheiro, e não menos.
Para desespero da humanidade, nada disso
convence as mentes obtusas. Sem nenhum tipo de evidência, o movimento
antivacina alega que o RNAm — usado para atingir alvos nos vírus com precisão —
pode causar mutações e prolongar pandemias. RFK Jr. acabara de aceitar a
realidade ao apoiar uma campanha de vacinação essencial para conter um surto de
sarampo no Texas. Mas o bom senso durou pouco.
A retirada do apoio do governo americano às
pesquisas ocorre num momento em que o vírus da gripe aviária (H5N1) está mais
perto de romper a barreira que ainda impede o contágio entre humanos. Um dos
projetos da Moderna atingidos pelo corte é justamente produzir uma vacina contra
a doença. Não é certo que o vírus causará uma pandemia, mas sempre existe o
risco. A suspensão das verbas é, nas palavras de Rebecca Katz, ex-assessora de
segurança sanitária do Departamento de Estado, “um ferimento autoinfligido num
órgão vital”. Ou, noutras palavras, um ato suicida.
Em março de 2024, o H5N1 foi detectado pela
primeira vez em rebanho bovino nos Estados Unidos. Já se espalhou por 17 dos 50
estados americanos, sobretudo nas fazendas de gado leiteiro na Califórnia, com
767 rebanhos infectados. Pesquisa recente em 14 fazendas de duas regiões do
estado encontrou o vírus da gripe aviária em suspensão no ar de estábulos onde
as vacas eram ordenhadas. Por enquanto, transmitido apenas por animais, o vírus
já matou 11 pessoas no mundo desde o início do ano. A transmissão entre humanos
multiplicaria o perigo.
A produção de vacinas de RNAm requer, segundo a pesquisadora Devi Sridhar, da Escola de Saúde Pública Global da Universidade de Edimburgo, na Escócia, “alto grau de conhecimento técnico e canais de suprimento altamente especializados”. Tais condições poderão existir noutros países, mas não na velocidade necessária para compensar a suspensão dos investimentos americanos. Não se deve subestimar o impacto negativo da aliança entre Donald Trump e RFK Jr.
Há muito Brasil renuncia às vantagens do
comércio global
Folha de S. Paulo
Tradição protecionista arcaica bloqueia
acesso a tecnologia moderna e impede avanço da produtividade
O país impõe tarifas de importação proibitivas, como as de até 11,5% sobre máquinas e equipamentos, entre as mais altas do mundo
Hoje vítima de uma agressão
comercial por motivos políticos, o Brasil historicamente sabota seu
próprio desenvolvimento com barreiras à compra de mercadorias estrangeiras que
sufocam a produtividade e empobrecem sua população. Respondendo por apenas 1%
do comércio global e fora das cadeias produtivas internacionais, o país colhe
estagnação e atraso.
Nunca é tarde para mudar, e as condições
internacionais oferecem novas chances de integração produtiva, a despeito das
tarifas impostas à maioria dos países pelos Estados
Unidos.
A situação atual é grave, como
evidencia reportagem
da Folha. Desde os anos 1980, estamos presos em uma armadilha
de baixo crescimento econômico, em que o Produto Interno Bruto avança em média
apenas 2,5% ao ano.
A raiz do problema é a produtividade
estagnada: entre 1981 e 2023, o indicador mostrou alta de apenas 0,5% ao ano,
em média. A indústria amarga quedas (de 0,3% ao ano), enquanto os serviços, que
representam 70% das horas trabalhadas, patinam.
Apenas a agropecuária mostra vigor no
período, com 6% de crescimento anual, e competitividade a ponto de conquistar
posição de destaque no fornecimento de alimentos para o mundo.
Na comparação com os EUA, o quadro é
vergonhoso: a produtividade brasileira, que já foi equivalente a 46% da
americana nos anos 1980, hoje marca só 25,6%. Esse abismo reflete a
incapacidade de adotar tecnologias modernas, bloqueadas por um protecionismo
comercial arcaico.
O Brasil impõe tarifas de importação
proibitivas, como as de até 11,5% sobre máquinas e equipamentos, entre as mais
altas do mundo. A média de 12% para produtos industriais é o dobro da mexicana
e quase o triplo da praticada na União Europeia.
Barreiras não tarifárias, ademais, como
normas técnicas muitas vezes redundantes e burocracia alfandegária, afetam 86%
das importações, encarecendo produtos em até 2,4 vezes.
É um fato curioso que as maiores
multinacionais estejam presentes no país, mas servindo quase exclusivamente ao
mercado interno. O país se vê isolado mesmo dispondo de base considerável de
recursos humanos e técnicos.
O que há, nesse contexto, são apenas
remendos, como isenções setoriais. Até mesmo a Zona Franca de Manaus,
supostamente voltada a exportações, não passa de entreposto para fluxos
internos, uma grave distorção infelizmente intocável politicamente.
Práticas macroeconômicas desastrosas, como a
gastança do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), absorvem recursos, limitam
o crescimento da poupança doméstica e elevam o custo de capital, dificultando
investimentos.
Num mundo que busca um reequilíbrio diante do
protecionismo americano, abrem-se novas oportunidades. Para aproveitá-las é
preciso reduzir tarifas, reformar a política econômica para geração de poupança
e diversificar o acesso a mercados.
Eleição boliviana à sombra de Morales
Folha de S. Paulo
Ex-presidente prega voto nulo; favoritos na
disputa presidencial, à direita, têm desempenho modesto
Em país fustigado por desequilíbrios econômicos, furiosos protestos capitaneados por Morales contra o governo adicionaram prejuízos
Em meio a crises econômica e política que se
retroalimentam, qualquer aposta para o primeiro turno da eleição presidencial
na Bolívia neste
domingo (17) é arriscada. Nesse cenário de incertezas, o elemento
mais desestabilizador é o ex-presidente Evo Morales.
As pesquisas eleitorais, ao apontar a
liderança de dois candidatos à direita, o empresário Samuel Doria Medina e o
ex-presidente Jorge Quiroga, evidenciam a exaustão das candidaturas de
esquerda, sobretudo do MAS (Movimento ao Socialismo, bastião original de
Morales).
Nenhum dos dois favoritos, porém, angaria
intenções de votos suficientes para uma decisão em primeiro turno. A rigor,
conforme pesquisa Ipsos-Ciesmori, eles estão em empate técnico: Doria com 21,2%
e Quiroga com 19,6%.
Votos nulos e brancos e indecisos somam 33,1%
e, em boa medida, refletem movimentos de Morales, ainda popular nas parcelas
indígenas e na baixa renda urbana do país. Desde o veto do Tribunal
Constitucional a sua candidatura a um quarto mandato, ele insufla o voto
nulo e trucida as alternativas da esquerda —inclusive Andrónico
Rodríguez, do MAS.
O populismo bolivariano e o estatismo
de Evo Morales chegaram,
por suas próprias mãos, a um esgotamento. Sua renúncia à Presidência do país em
2019, quando já prenunciava sua candidatura à reeleição no ano seguinte, pode
até ser lida por seus asseclas como um golpe.
Ela expôs, de fato, o entendimento de setores
políticos, militares e da sociedade civil boliviana sobre a necessidade de
salvaguardar a alternância no poder —o que não ocorreu totalmente em 2020, com
a vitória do MAS. A ascensão ao Palácio Quemado de Luis Arce não
apaziguou Morales.
Antes o motivou a embrenhar-se em uma disputa
fratricida com o ex-ministro da Economia, claramente não disposto a figurar
como seu títere.
Em um país fustigado por desequilíbrios
macroeconômicos, redução das exportações de gás natural e escalada
inflacionária, os furiosos protestos capitaneados por Morales contra o governo
do MAS e sua corrosiva pretensão de retomar o poder adicionaram prejuízos à
cidadania.
Os bolivianos votarão atormentados pela
escalada de preços que atingiu a taxa anualizada de 24,9% em julho, a mais
elevada desde 2008, e a escassez de combustíveis e de trigo.
Não bastasse, escolherão seu novo presidente em um vazio de propostas para equacionar a crise econômica e com poucas chances de superar o destrutivo personalismo político de Morales.
Freios ao poder sem limites
O Estado de S. Paulo
As Supremas Cortes, como guardiãs da
Constituição, são o anteparo mais eficaz contra a instrumentalização da
democracia pelos que querem impor a tirania da maioria
Como o mundo, atônito, observa, o presidente
dos EUA, Donald Trump, tem cometido as maiores barbaridades supostamente em
defesa dos valores da democracia liberal. Legitimado pela maioria do voto
popular e do Colégio Eleitoral, além do fato de ter o controle de ambas as
Casas Legislativas, Trump parece se sentir autorizado a fazer o que lhe dá na
veneta, como se o triunfo eleitoral fosse uma espécie de salvo-conduto para a
imposição arbitrária – e irresponsável – de suas vontades. Tal atitude viola o
princípio democrático fundamental segundo o qual há limites claros para o
exercício do poder, mesmo quando emanado de escolhas majoritárias.
Em escala menor de danos, mas não menos
preocupante, Jair Bolsonaro agiu da mesma forma no Brasil. Durante seu trevoso
mandato, o ex-presidente esgarçou as fronteiras da legalidade, da
institucionalidade e da decência, naturalizando arroubos autoritários como
tática para acostumar a opinião pública, digamos assim, ao seu projeto de
poder. Os efeitos disso são duradouros. Há poucos dias, como se viu, uma súcia
de parlamentares ligados ao bolsonarismo sequestrou as Mesas Diretoras da
Câmara e do Senado como se isso fosse a coisa mais normal do mundo, e cobrou
como resgate o avanço de projetos destinados à impunidade não só de Bolsonaro e
seus asseclas, como também de deputados e senadores que se sentem ameaçados
pela lei – sobretudo pela malversação de bilhões de reais em emendas ao
Orçamento.
Todos esses atores políticos se dizem
defensores de valores democráticos universais – liberdade de expressão,
direitos humanos, eleições regulares, participação popular –, mas, na prática,
só instrumentalizam a democracia para dar vazão a seus desígnios autoritários,
sem prejuízo de outros interesses inconfessáveis. Essa contradição, aliás, é o
cerne de uma perversão contemporânea, de resto já amplamente descrita pela
literatura política: as liberdades democráticas transformadas em um meio de sua
própria erosão. Ao reivindicar legitimidade das urnas para atacar os pilares do
Estado Democrático de Direito, líderes como Donald Trump, Jair Bolsonaro,
Vladimir Putin e Viktor Orbán, entre outros, revelam-se, na verdade, inimigos
da mesma democracia liberal que juram estar resguardando com suas estocadas.
Há, no entanto, obstáculos institucionais contra
esses democratas de fancaria que precisam ser preservados. O principal deles é
a Constituição, que garante que nem mesmo a vontade da maioria nas urnas pode
transgredir os limites, direitos e garantias individuais nela consagrados. No
Brasil, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) a missão de ser o guardião desse
pacto civilizatório. E, nesse sentido, é de justiça reconhecer que a Corte tem
resistido bravamente a enormes pressões, internas e externas, principalmente do
governo dos EUA – a maior potência militar e econômica da História –, para
aliviar a barra de Jair Bolsonaro e seus corréus no julgamento por tentativa de
golpe de Estado. Não seria aceitável, mas seria compreensível, se os ministros
sucumbissem a tamanho bullying. A vida pessoal deles tem sido afetada por
decisões arbitrárias da Casa Branca com claro propósito de subjugar o STF.
É legítimo e saudável criticar decisões
pontuais de ministros ou mesmo do colegiado do STF. Isso é próprio de uma
democracia vibrante. Outra coisa, intolerável, é deslegitimar a Corte pelo que
ela é com o objetivo de enfraquecer ou eliminar a instituição guardiã da mais
poderosa barreira contra o autoritarismo. Ataques desse jaez não podem ser
enquadrados como mera divergência política – são atentados contra o Estado
Democrático de Direito.
Há poucos dias, o próximo presidente do STF,
ministro Edson Fachin, resumiu bem estes tempos estranhos ao afirmar que há
“tentativas de erosão democrática” nas Américas. Fachin também foi preciso ao
anunciar que sua gestão privilegiará a contenção, a colegialidade e a
pluralidade. Oxalá assim seja. É exatamente disso que advém a força
institucional das Cortes constitucionais mundo afora. Agindo dentro desses
parâmetros, elas são hoje mais fundamentais do que nunca para garantir a integridade
do texto que é o único anteparo civilizado contra aqueles que, disfarçados de
democratas, pretendem governar sem freios.
O efeito deletério do Bolsa Família
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que mudanças no programa nos
últimos anos, sobretudo o aumento do benefício, têm gerado impacto negativo
sobre o mercado de trabalho e estimulado a informalidade
Com mais de 20 anos de existência num país
onde as políticas públicas têm história errante, o Bolsa Família é um robusto
programa de transferência de renda, uma marca já integrada ao imaginário
nacional e uma força de irresistível apelo eleitoral – atributos que costumam
converter críticas em crime de lesa-pátria. Mas, felizmente, não têm faltado
estudos sérios destinados muito mais a aperfeiçoar o programa do que questionar
sua existência. O mais recente deles, realizado por pesquisadores do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), toca numa
novidade: os efeitos do Bolsa Família sobre o mercado de trabalho mudaram. Para
pior. Segundo o estudo, para cada duas famílias que recebem o auxílio, uma sai
da força de trabalho.
Até aqui não foram poucos os críticos que,
por intuição ou preconceito, diziam que o Bolsa Família estimularia a preguiça
e a desocupação. Com a longevidade de um programa pensado como rota de
transição para que cidadãos desassistidos pelo Estado pudessem se estabelecer
economicamente, e a partir daí prosperar por conta própria, tornou-se comum a
ideia de que, no fundo, o Bolsa Família desincentiva o trabalho. Trata-se de
uma versão mal contada da história. Até 2019, vários estudos mostraram que, no
geral, o programa não afetava negativamente a oferta de trabalho. Enxergou-se,
inclusive, um efeito positivo entre as mulheres.
Os dados apresentados agora pelo Ibre mostram
um impacto diferente do que se avaliava antes. O fenômeno é resultado do
aumento significativo do valor do benefício (que mais que triplicou de 2019 a
2023, passando de cerca de R$ 190 para R$ 670) e do alcance do programa (que
saltou de 14 milhões para 21 milhões de famílias beneficiárias). Essa dupla
tendência contribuiu, segundo os pesquisadores, para reduzir a ocupação e a
participação de alguns grupos no mercado – sobretudo os homens do Norte e do
Nordeste –, ao mesmo tempo que levou ao aumento generalizado da informalidade:
brasileiros de todas as regiões tendem a evitar o emprego formal quando têm
acesso aos benefícios. Em outras palavras, foge-se da formalidade a fim de
preservar o auxílio do Estado.
Quando criado, em 2003, o Bolsa Família tinha
outra cara: um custo mais baixo, um alcance bem mais reduzido e um benefício
mais modesto. Começou com R$ 4,3 bilhões de orçamento (ou pouco mais de R$ 14
bilhões em valores atualizados). Em 2017, eram R$ 35 bilhões. Para 2025, seu
orçamento beirou eloquentes R$ 170 bilhões – sem esquecer os muitos outros
programas sociais, como Pé-de-Meia, Minha Casa Minha Vida, tarifas sociais do
saneamento e da energia elétrica, cisternas, Auxílio Gás, Benefício de
Prestação Continuada (BPC), entre outros. Este último, aliás, também gera
distorções. Benefício concedido a idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência,
o BPC, segundo especialistas, estimula a informalidade, já que é possível
receber um salário mínimo nessa idade sem nenhuma contribuição à seguridade
social.
Tamanhos gigantismo e generosidade, contudo,
não deixaram de legado ao País o fim da extrema pobreza e a redução da pobreza.
De acordo com a economista Laura Müller Machado, do Insper, aplicando os
critérios de elegibilidade e valor de benefícios do Bolsa Família atual na
renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2023, o orçamento
necessário para erradicar a pobreza teria de ser de R$ 76 bilhões anuais.
Conclusão: gastamos com Bolsa Família mais que o dobro do valor necessário caso
tivéssemos focalização perfeita e maior eficiência do gasto. E focalização
perfeita, lembra ela, requer conhecimento da renda correta dos beneficiários,
algo desincentivado pelo próprio Bolsa Família.
Pôr luz sobre os dados da informalidade pode
ajudar no aperfeiçoamento do programa – sem dogmas e preconceitos de lado a
lado. Hoje o País só tem conhecimento do aumento da renda quando ela ocorre
pelo mercado de trabalho formal, pela Previdência e pelo BPC, por exemplo. E,
depois, a lei é aplicada só aos formais, e não aos informais. Trata-se de um
evidente incentivo à informalidade. E assim celebramos a saída de pessoas do
Bolsa Família quando vão para o mercado formal de trabalho (cerca de 1 milhão
de famílias, segundo o governo anunciou em julho), enquanto outros milhões
escondem-se na informalidade para seguirem recebendo benefícios.
Miséria legislativa na saúde
O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que mais de um terço das
propostas no Congresso para o setor é redundante ou ilegal
Uma pesquisa do Instituto de Estudos para
Políticas de Saúde (Ieps) revelou que mais de um terço das propostas
legislativas sobre políticas públicas para a saúde que tramitaram no Congresso
Nacional no ano passado contrariavam ou apenas duplicavam ações já existentes
do Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive aquelas muito bem-sucedidas.
Trata-se de uma forte evidência, apurada pelo Radar Político de Saúde – A Saúde no Congresso Nacional em 2024,
de que os deputados e os senadores perderam tempo com iniciativas pouco ou nada
eficientes para a saúde pública do País.
O estudo encontrou, por exemplo, um projeto
que propunha instituir o Programa Saúde na Escola, que já está presente em 99%
dos municípios. Uma outra iniciativa discutia a ampliação de internações involuntárias
e a autorização de internações imediatas de adolescentes sem decisão judicial,
embora o Brasil priorize o atendimento ambulatorial e o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) vede essas medidas.
Foram localizadas em tramitação nas Comissões
de Assuntos Sociais, do Senado, e de Saúde e de Previdência, Assistência
Social, Infância, Adolescência e Família, da Câmara, 1.314 propostas com
relação direta com a saúde, sendo 683 projetos e 631 requerimentos. Dos
projetos, 14% podem ser classificados, de acordo com o relatório do Ieps, como
simbólicos por propor a criação de uma data comemorativa ou de uma campanha
informativa. Ademais, foram debatidas propostas que pretendem impor obrigações
ao SUS, como a incorporação de medicamentos que hoje ficam a cargo de órgão
técnico, explicitando a falta de conhecimento sobre a gestão e o funcionamento
do sistema público.
Apenas 10% das propostas tinham como foco, de
fato, medidas para aprimorar a estrutura do SUS, o que inclui avanços em
prestação de serviços, força de trabalho, sistemas de informação em saúde,
financiamento, entre outros. É muito pouco.
Isso denota que a maioria dos parlamentares
que encaminharam as propostas o fez sem o devido cuidado de verificar a
pertinência e a necessidade dos projetos. Não lhes pareceu necessário consultar
especialistas nem conhecer de perto a realidade das áreas nas quais pretendiam
atuar. Ao que tudo indica, grande parte deles foi movida somente por interesses
eleitorais, pois a saúde é frequentemente um tema que encabeça as principais
preocupações dos eleitores. A esses políticos, não importa se as propostas são
absurdas, redundantes ou simplesmente ilegais. O que interessa é que constem na
propaganda eleitoral como iniciativas que comprovam a dedicação dos parlamentares
em favor da melhoria da saúde pública.
O Radar Político de Saúde – A Saúde no Congresso Nacional em 2024, com rigoroso monitoramento e atento controle social, acendeu o alerta para a precariedade e a pobreza dos trabalhos legislativos em saúde pública. O Congresso pode mudar esse diagnóstico e passar, enfim, a gastar tempo e dinheiro público com o que realmente importa. No caso, a saúde dos brasileiros.
A palavra final do Supremo
Correio Braziliense
A partir do próximo 2 de setembro, os cinco
ministros da 1ª Turma anunciarão o veredicto para o chamado "núcleo
central" da trama golpista engendrada entre 2022 e 2023
A partir do próximo 2 de setembro, o Supremo
Tribunal Federal vai se pronunciar sobre um episódio relevante da nossa
história recente. Após dias de sessões, os cinco ministros da 1ª Turma
anunciarão o veredicto para o chamado "núcleo central" da trama
golpista engendrada entre 2022 e 2023 e que culminou no repugnante ato de 8 de
janeiro contra os Poderes da República. Como se sabe, entre os réus consta o
ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado pela Procuradoria-Geral da República
como principal beneficiário do plano de assaltar o Estado Democrático de
Direito no Brasil.
Mais do que nunca, o Supremo Tribunal Federal
precisa conduzir esse processo de modo irrepreensível. Na medida em que a
politização do julgamento será inevitável, com fortes movimentos no Congresso
Nacional, nas ruas e até no exterior, os integrantes da Corte deverão se pautar
pela sobriedade. É fundamental manter a absoluta fidelidade às regras processuais,
com exame de provas e elaboração de voto — seja por condenação, seja por
absolvição — para cada uma das acusações contra os réus.
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal
tem sido alvo de fortes questionamentos e até de atentados, em razão das ações
de seus integrantes. Na maior parte dos casos, a Corte constitucional agiu
estritamente no cumprimento dos limites estabelecidos pela Lei Maior. Não fosse
a ação firme do Poder Judiciário, o Brasil correria sério risco de mergulhar em
uma ruptura institucional, de consequências imprevisíveis, provocada por um
grupo político que não aceita o resultado das urnas.
Esse grupo nefasto tem feito mais. Em clara
atitude antipatriótica, aliou-se à extrema-direita norte-americana para
insuflar medidas contra o Brasil. O resultado está aí: tarifaço comercial
contra as exportações, revogação de vistos a cidadãos brasileiros, sanções a
autoridades do Judiciário, ataque à soberania nacional. Alvo de narrativas que
não correspondem à realidade, o Brasil está sendo punido por aqueles que não
respeitam o ordenamento democrático estabelecido neste país.
Independentemente das ações adotadas por uma nação estrangeira contra o Brasil, o Supremo Tribunal Federal precisa se manter firme na missão constitucional de defender nossa democracia. E isso significa aplicar, de forma exemplar, as sanções penais devidas a quem conspirou para desviar o país da normalidade institucional. Se fraquejar ante a pressão externa ou se deixar levar pelo sentimento de vingança, o STF corre o risco de se ver em meio a um turbilhão político, que não fará bem ao Brasil. Governos e políticos passam, mas a palavra final da Justiça é permanente.
Bons números da educação em 9 municípios
O Povo (CE)
No Ceará, nove municípios tinham todas as
crianças alfabetizadas no ano de 2024. O Estado atingiu 85,3% de crianças
alfabetizadas ao fim do 2º ano do ensino fundamental e foi o único do Brasil
que superou a meta nacional que superou a meta nacional de alfabetização na
idade certa. Os municípios cearenses que atingiram o resultado máximo do índice
(ou seja, 100%) foram: Catunda, Coreaú, Forquilha, Graça, Novo Oriente, Pacujá,
Piquet Carneiro, Pires Ferreira e Poranga.
Os dados fazem parte do novo Indicador Criança
Alfabetizada (ICA), do Ministério da Educação (MEC). A pesquisa, lançada em
2024, é produzida por meio de uma avaliação censitária (com todos os alunos),
segundo explica o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep). A entidade considera como alfabetizada a criança que é capaz
de: ler palavras, frases e textos curtos, localizar informações explícitas em
pequenos textos e inferir informações em textos com linguagem verbal e não
verbal.
É certo que esse resultado positivo, para
essas nove cidades cearenses, não chega com iniciativas apenas de curto prazo.
Um conjunto de ações levou à evolução desses resultados, colocando a educação
do município em destaque e consolidando o Ceará como referência nacional de uma
educação de qualidade.
Entre os municípios brasileiros com mais de
100 mil habitantes, quatro cidades cearenses se destacam no levantamento
nacional. Sobral, a 233 km de Fortaleza, aparece com 98,58% dos alunos
alfabetizados em 2024. O índice é o maior do Brasil, dentro do nicho específico
analisado, e supera a média determinada para a região, de 80%. Depois de
Sobral, há na sequência: Crato (CE), com 95,37%, Rio Verde (GO), com 89,88%,
Itapipoca (CE), com 88,96%, Itaúna (MG), com 88,76%, Passos (MG), com 86,17%, Maracanaú
(CE), com 84,92%, Três Lagoas (MS), com 82,99%, Conselheiro Lafaiete (MG), com
82,19%, e Barbacena (MG), com 81,97%.
Também há os municípios que não conseguiram
atingir a meta estipulada. Juazeiro do Norte, por exemplo, teve o pior índice
do Estado, atingindo 59,48%. A meta determinada era 63,78%. Além de mais
estratégias que devem ser pensadas para melhorar os resultados, é preciso
lembrar que, claro, a rede educacional de Juazeiro do Norte (uma das cidades
mais populosas do Ceará) é bem maior do que um município com menos habitantes.
Isso não deve justificar o resultado aquém do esperado, já que são índices
proporcionais, mas é sabido que a rede do município exige mais recursos a fim
de garantir a aprendizagem em nível satisfatório.
Assim, sabe-se que, em educação, sempre
haverá desafios que demandam um esforço em várias frentes. O Ceará, que
apresenta, em geral, destaque positivo no tema, é lembrado como referência
nacional. O empenho e a dedicação para que os bons índices permaneçam altos
precisa continuar assim como os municípios que apresentam dados ruins precisam
de mais apoio e acompanhamento. E isso significa mais recursos financeiros,
mais capacitação para professores, remuneração justa para os educadores e,
sobretudo, uma vigilância constante na aprendizagem dos estudantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário