O Globo
A arrecadação hoje recai com mais força sobre trabalhadores com carteira assinada, cujo imposto é retido na fonte
Se você acha que paga imposto demais, tem 99%
de chance de estar certo. No Brasil, o 1% mais rico da população paga menos imposto,
proporcionalmente. Isso se chama regressividade e não é bom para a economia
— além de ser sujeira com quase todo mundo.
No topo da distribuição de renda, o Brasil é
o segundo país mais desigual do mundo. Em 2019, só perdíamos para o Catar. De
lá para cá, nossa desigualdade no topo só aumentou. Baixo-astral total.
Até o fim do ano será votada no Congresso a isenção do Imposto de Renda para parte da classe média. Com ela, a proposta cria um Imposto Mínimo para os “super-ricos” — 140 mil pessoas, ou 0,1% da população adulta brasileira. Infelizmente, a discussão ganhou um quê de vingança, com a narrativa de ricos contra pobres. O lado bom é que esse imposto pode ficar melhor.
Apesar de ser apenas um aperitivo do que
deveria ser uma reforma da renda, o texto original do governo reduz a regressividade.
Isso deveria interessar a todos, pois ajuda no crescimento econômico.
Infelizmente, o relator do projeto na Câmara,
deputado Arthur
Lira (PP-AL), enfraqueceu o Imposto Mínimo ao introduzir brechas. Se
os plenários da Câmara e do Senado criarem mais isenções para os mais ricos,
arriscamos sair com um rombo nas contas públicas — justamente quando precisamos
do contrário, de um ajuste fiscal.
O governo já havia errado ao deixar como
isentos rendimentos como poupança, LCI, LCA e fundos imobiliários. Lira foi
além e excluiu essas rendas da base de cálculo do Imposto Mínimo. E excluiu
também toda renda de atividade rural. Aqui, 40% são contribuintes que ganham
mais de R$ 1 milhão por ano — gente que deveria pagar o Imposto Mínimo. Isso
contribui para a regressividade. E fará com que a União arrecade, por ano, R$ 3
bilhões a menos do que o originalmente proposto, segundo estudo de Sergio
Gobetti.
As fontes de rendimento acima, tão comuns no
grupo do 0,01% mais rico, não serão consideradas para a aplicação da alíquota
mínima — e virarão uma coqueluche: gente que deveria pagar imposto aproveitará
essas brechas mais e mais. Isso é espúrio e ruim para a economia.
Hoje, o Brasil convive com um sistema
tributário altamente fragmentado e desigual. A arrecadação recai com mais força
sobre trabalhadores com carteira assinada, cujo imposto é retido na fonte.
Os muito, muito ricos estruturam sua renda
via lucros e dividendos, fundos exclusivos ou ativos offshore, reduzindo
drasticamente sua carga tributária. Com um imposto mínimo, todo contribuinte
teria de somar todos esses rendimentos e pagar a diferença caso sua alíquota
efetiva seja inferior à mínima exigida. Por isso é importante não deixar
brecha.
Dados do Ministério da Fazenda mostram que,
entre os contribuintes que ganham mais de R$ 1 milhão por ano, mais de 60%
pagam menos de 10% de alíquota efetiva; entre os que recebem mais de R$ 4,8
milhões anuais, a alíquota média é de apenas 6,3%. Convenhamos, 10% é o mínimo
que se pede, quando o trabalhador com carteira assinada (39% da força de
trabalho em 2024) paga 27,5%.
A aprovação do PL 1.087/2025 pelo Congresso,
sem as brechas de Lira, poderá inaugurar um novo ciclo de reformas mais
profundas e estruturantes, que precisam incluir a revisão e redução dos
impostos pagos pelas empresas brasileiras, para garantir mais competitividade.
Tributar melhor a renda, sobretudo no topo, é
uma alavanca para o crescimento. Uma eventual ampla reforma da renda e
patrimônio pode ajudar a baixar os dois impostos de consumo recentemente
aprovados, na reforma tributária — a maior vitória brasileira desde o Plano
Real. Podemos, sim, realocar inteligentemente a carga tributária: menos imposto
sobre consumo e mais sobre a renda. É assim nos países que dão certo.
Nosso crescimento econômico depende de um
sistema tributário coerente, sem regressividade, cada vez mais simples e indutor
de eficiência. Isso fortalece o pacto social e dá dinamismo à economia
brasileira. Sem vingança, e também sem brechas.
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