terça-feira, 8 de junho de 2021

Marco Aurélio Nogueira* - Os militares na hora da verdade

- O Estado de S. Paulo, 7/6/21

Com a crise Pazuello, deu-se mais uma volta no parafuso. Estreitaram-se os espaços e os atores precisam se reposicionar.

A impressão generalizada é de rendição e cooptação. O Exército cedeu boa parte de sua autonomia funcional, de sua altivez e de seu respeito à Constituição. Entregou-se a um projeto de poder encampado por um movimento autoritário que jamais escondeu sua vocação para um golpe contra as instituições.

Por que fez isso?

Uma hipótese salienta a intenção de não agravar a crise e não dar ao presidente a opção de demitir, mais uma vez, os comandos das Forças Armadas. O Exército preserva seus dispositivos internos de disciplina e hierarquia, não estão a abrir mão deles e não querem dar pretextos para que o Planalto os responsabilize pelos ruídos entre governo e militares. É a hipótese sugerida pelo ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, para quem os militares não trairão suas tradições e seus compromissos constitucionais. Cedem e recuam taticamente, manobrando para não aumentar a fogueira que arde. Por enquanto, estão tentando resistir ao “modelo venezuelano de Chávez” perseguido por Bolsonaro, que deseja “reduzir o comando dos militares para transferi-lo para a política. Ou seja, para ele”. Estão correndo o risco de “ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a disciplina”.

Outra hipótese é que os militares já definiram um lado, aderiram ao projeto autoritário de Bolsonaro, passando de armas e bagagens para a sustentação do governo, indiferentes ao risco que isso traz para a democracia. É a hipótese formulada por Fernando Gabeira em O Globo de hoje: “o Exército brasileiro amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro, saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto autoritário”. Para Gabeira, a capitulação do Exército no caso Pazuello é somente a ponta de um iceberg, que já emergiu e que impõe a organização de uma resistência democrática. “Estrategicamente, será preciso compreender como é vulnerável uma oposição dividida”. Míriam Leitão segue a mesma direção: “O erro fatal do comandante do Exército foi achar que ao ceder ele estancaria a crise. Na verdade, elevou seu patamar. Até porque, antes de decidir, ele ouviu o Alto Comando. O erro foi socializado com 15 outros generais. Passou a ser falha da instituição, ainda que alguns oficiais tenham discordado. O general Paulo Sérgio levou o Exército à rendição ao projeto político de um governo e, dessa forma, traiu o papel da Força como instituição do Estado”.

Merval Pereira - Verde e amarelo

- O Globo

Em mais um movimento que comprova como estamos regredindo como nação, mal conduzida em anos recentes e de maneira calamitosa desde o início do governo Bolsonaro, agora é o futebol que mobiliza o governo federal de maneira completamente equivocada. Nem mesmo o sucesso da seleção fará com que Bolsonaro saia vitorioso desse imbróglio, em que ainda por cima se viu envolvido com os escândalos da CBF. Qual almas gêmeas no que toca ao machismo regressivo, Rogério Caboclo, o presidente afastado da CBF por assédio moral e sexual contra uma funcionária, encontrou-se com o presidente Bolsonaro, um misógino, para arranjarem mais um problema para o país, a realização da Copa América em plena pandemia.

A disputa pela Copa América é uma demonstração de como o governo Bolsonaro é prejudicial ao país até nas coisas supérfluas. Nesse caso, porque retoma um hábito do governo militar, de interferência na seleção brasileira, de tê-la como símbolo político. A decisão de forçar a realização da Copa América no Brasil e a tentativa de mudar o técnico, tirando Tite, atacado nas redes sociais como comunista e petista, para colocar Renato Gaúcho, considerado bolsonarista, são erros graves, além de patéticos.

Carlos Andreazza - A superação dos generais

- O Globo

O Exército não puniu Pazuello. Qual a surpresa? O governo é militar. Surpreendente seria se punisse o que lhe dá dentes para intimidar inimigos. O governo é militar, e é Bolsonaro, indistinta e personalissimamente, o que ladra. Surpreendente seria punir-se com a banguelice.

O governo é militar e é daquele que ergueu bem-sucedida empresa familiar nas bordas do Estado. O governo é militar e é de patriotas como general Braga Netto, ministro da Defesa, cujo salário — sob regra editada pelo mito — aumentou 58% e para mui além do teto remuneratório constitucional. O governo é militar e é do capitão, o velho líder corporativista fã de Hugo Chávez. Não cortará na própria carne — e isso não se aplica somente a privilégios de contracheque.

O governo é militar. E o Exército está pazuellizado: submetido à dissolução de sua essência impessoal, degradada a natureza de instituição de Estado, a serviço incondicional do governante de turno e independentemente do que limita a Constituição. Um manda, o outro obedece — qualquer que seja a ordem, depauperado também, confundido com falta de vergonha, o senso de hierarquia. O governo é militar, e o Exército vai bem alimentado.

Eliane Cantanhêde – Carnaval e anarquia

- O Estado de S. Paulo

Sensação de vitória de Bolsonaro no caso Pazuello é só sensação. Alerta disparou

Foram dois movimentos paralelos, mas têm tudo a ver e acendem a luz amarela em gabinetes e consciências neste país: a decisão do comandante do Exército, que jogou no lixo os princípios basilares das Forças Armadas para agradar ao presidente Jair Bolsonaro, e o ataque também covarde da polícia pernambucana a manifestantes pacíficos, para testar limites da nossa democracia. 

Tudo está dominado e é indefensável que oficiais e policiais se calem em nome da disciplina e da hierarquia. O capitão insubordinado e suas tropas podem implodir esses princípios à vontade, porque os que teriam de garanti-los alegam que “têm de respeitar a hierarquia”. 

Ele se lixa para os protocolos das três Forças, como já fazia há mais de 30 anos, na ativa, mas os que prezam a farda e estão indignados, estupefatos, adotam a mesma postura que criticam do comandante Paulo Sérgio: condenam, mas aos sussurros, no conforto dos seus lares. 

Luiz Carlos Azedo - Supremo versus PGR

- Correio Braziliense

Ao quebrar parcialmente o sigilo das investigações sobre os atos antidemocráticos do ano passado, Moraes pôs uma saia justa na Procuradoria-Geral da República

A quebra do sigilo do inquérito sobre os atos antidemocráticos praticados por aliados do presidente Jair Bolsonaro é um novo patamar na escalada das tensões entre os Poderes da República. Decidida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, foi uma resposta ao pedido de arquivamento do inquérito, feito na sexta-feira, pelo vice-procurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros. Segundo a PGR, as investigações da Polícia Federal (PF) não conseguiram apontar a participação de deputados e senadores nos supostos crimes investigados. Moraes, porém, resolveu quebrar o sigilo do inquérito, exceto dos anexos. Agora, cabe ao ministro do Supremo decidir sobre o arquivamento ou não.

São investigados os deputados Alê Silva (PSL-MG), Aline Sleutjes (PSL-PR), Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Caroline de Toni (PSL-SC), General Girão (PSL- RN), Guga Peixoto (PSL-SP), Junio Amaral (PSL-MG) e o já falecido senador Arolde de Oliveira (PSD-RJ). Os deputados Daniel Silveira (PSL-RJ) e Otoni de Paula (PSC-RJ), que já estão denunciados ao Supremo com base nesse inquérito, não são beneficiados pelo pedido. Segundo Medeiros, houve “inadequado direcionamento da investigação”. A PF tomou depoimentos, verificou contas inautênticas em redes sociais, solicitou informações a operadoras de telefonia, mas não fez a análise dessas informações, alegou o vice-procurador-geral.

Embora o inquérito tenha sido aberto a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, nada foi investigado durante os cinco meses em que o caso esteve sob responsabilidade do MPF, apesar de um pedido da delegada federal Denisse Ribeiro, titular do inquérito. São investigados a organização e o financiamento de manifestações de extrema-direita, durante o ano passado, quando partidários de Bolsonaro foram às ruas para pedir intervenção militar, o fechamento do Supremo e do Congresso,e a volta do Ato Institucional no. 5. Principal ato de força do antigo regime militar, o AI-5, de 13 de dezembro de 1968, institucionalizou o autoritarismo no Brasil e serviu de base para prisões, sequestros, assassinatos e “desaparecimentos” de oposicionistas.

Entrevista | Cristovam: oposição deve ao país uma nova carta aos brasileiros

Ex-governador do Distrito Federal diz que se Bolsonaro se reeleger ano que vem será difícil tirá-lo do poder nas eleições de 2026

Ricardo Noblat - Metrópoles

O professor Marcos Nobre, da Universidade Estadual de Campinas, alerta que “Bolsonaro é um candidato fortíssimo e as instituições estão em colapso”. Diz mais: se Bolsonaro for reeleito, ele vai fechar o país, seguindo os modelos autoritários da Polônia, Hungria e Filipinas. Se perder, mobilizará parte das Forças Armadas, das polícias estaduais e das milícias para um golpe.

O professor Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal, defende que PT e PSDB apresentem um candidato de união nacional, em defesa da democracia e que se elegeria sem possibilidade de reeleição. Diz ele em entrevista a este blog:

 “Sem o apoio do PT dificilmente alguém da oposição chega no segundo turno e dificilmente o PT elege alguém, mesmo Lula, sem os votos dos outros partidos. Sem o apoio de Ciro, Doria, Tasso, Amoedo, etc… Este é o labirinto em que estamos”.

O professor Marcos Nobre diz que o apoio a Bolsonaro deve crescer com a ampliação da vacinação e a melhora da economia. Bolsonaro pode vencer?

CristovamNão sei se ele vai crescer. Mas, se ficar onde está, chega ao segundo turno. E pode se eleger se a rejeição do seu oponente for maior do que a dele. Temo que a disputa no primeiro turno entre os candidatos da oposição aumente a rejeição daquele que passar para o segundo turno. Como sempre acontece. Ainda mais em tempo de radicalismos.

Ricardo Noblat - O Caso Pazuello, segredo para ser guardado por um século

- Blog do Noblat / Metrópoles

Exército nega acesso ao conteúdo do processo administrativo aberto para apurar transgressão disciplinar do ex-ministro da Saúde

Além do presidente Jair Bolsonaro, do que mais tem medo o Exército para que considere segredo a ser guardado por 100 anos o conteúdo do processo administrativo que deveria ter punido, mas que não puniu o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que pedalou uma moto, subiu em um carro de som e discursou em uma manifestação político-partidária?

O jornal O GLOBO, com base na Lei de Acesso à Informações, pediu acesso ao processo. O Exército, com base em dispositivo da mesma lei, respondeu que o processo contém informações pessoais e deveria ser mantido em segredo. Por quanto tempo? Dez, vinte, trinta anos, o que já seria um exagero? Não. Por um século. Quantos bebês viverão tanto para conhecer o que se passou?

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Noronha, que perdoou Pazuello por desrespeitar o Regulamento Disciplinar da Arma, foi o mesmo que decidiu a favor da manutenção do segredo secular. Contrariou o entendimento da Controladoria Geral da União de que procedimento administrativo só deve ficar sob segredo enquanto não tiver sido concluído. Não é o caso.

Eleições 2022: PSDB define nesta terça regras para escolher candidato

Modelo das prévias afeta diretamente os planos dos governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul

Grasielle Castro / Metrópoles

São Paulo – A Executiva do PSDB decide nesta terça-feira (8/6) quais regras serão adotadas para a votação das prévias que vai decidir o candidato da legenda à eleição presidencial de 2022. A definição do peso de cada voto atinge diretamente os planos dos governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul — principais nomes da disputa.

A discussão vai girar em torno da recomendação apresentada pela comissão das prévias, que propôs no último dia 1º a divisão dos votantes em quatro grupos, com peso unitário de 25% do total de votos.

A medida em análise desagrada ao governador João Doria, que intensificou a articulação nos últimos dias para reverter a derrota. O governador paulista defende que cada voto de cada filiado tenha o mesmo peso.

Vale ressaltar que São Paulo é o estado com maior percentual de filiados — 22% do total de 1,37 milhão, de acordo com dados do Tribunal Superior de Eleitoral de abril deste ano.

Além do PSDB paulista, o PSDB Mulher, Tucanafro e a Diversidade também vão defender essa metodologia, com voto universal e igualitário.

A proposta que está na mesa divide os votantes entre os seguintes grupos:

Andrea Jubé - Saída à la Ernesto

- Valor Econômico

Presidente cogita mais mudanças caso Salles deixe a pasta

Aumentou nos últimos dias a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro pela substituição do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Integrantes da ala militar do governo intensificaram a cobrança para que Salles, ao menos, peça uma licença temporária do cargo enquanto avançam as investigações da Polícia Federal de que ele se tornou alvo em dois inquéritos.

O fogo amigo no governo contra o ministro alastrou-se depois que se tornaram públicas ações da Polícia Federal, principalmente no inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal. Na sexta-feira, Moraes abriu prazo para que a Procuradoria-Geral da República se manifeste sobre pedido de prisão do ministro, ou afastamento cautelar do cargo, diante da recusa de entregar o aparelho celular para os investigadores, o que poderia configurar tentativa de obstrução da Justiça.

Ontem, 19 dias após a busca e apreensão de que foi alvo, o ministro finalmente entregou o aparelho à PF e se ofereceu para colaborar com as investigações. Um gesto para tentar controlar o incêndio que avança sobre sua biografia política.

Cristina Serra - Bolsonaro e o gabinete da morte

- Folha de S. Paulo

O 'gabinete da morte' reuniu o que há de pior na medicina

Desde o começo da pandemia, Bolsonaro fez o que pôde para que os brasileiros acreditassem na cilada da cloroquina e continuassem saindo às ruas, como gado a caminho do matadouro. A aposta foi na imunidade de rebanho. Nada de parar a economia ou planejar a compra de vacinas. Novas provas desse crime surgiram nos últimos dias em vídeos de conteúdo estarrecedor.

Para que o intento criminoso fosse bem-sucedido, seria preciso arregimentar um bando de vigaristas que desse credibilidade à fraude do "tratamento precoce". É exatamente isso que o vídeo publicado pelo site Metrópoles comprova, ao mostrar uma reunião do tal "gabinete paralelo", que, mais apropriadamente, deveria se chamar "gabinete da morte".

Na reunião, o virologista Paolo Zanotto fez ressalvas às vacinas, recomendando que Bolsonaro tivesse "cuidado enorme" com elas. Foi dele também a sugestão para que os membros do grupo não fossem expostos à "popularidade". Deveriam agir à "sombra". Nessa ocasião, ofertas de vacinas da Pfizer jaziam sem resposta em computadores da Esplanada.

João Pinheiro da Fonseca - Entre o delírio e o golpe

- Folha de S. Paulo

Bolsonarismo é um sonho febril das redes que tomou de assalto a realidade

Entre os pertences de Allan dos Santos, o blogueiro pró-Bolsonaro que está sendo investigado por possíveis manifestações golpistas e recebimento de verbas públicas, encontrou-se uma singela notinha escrita à mão. Diz ela: “Objetivo: materializar a ira popular contra os governadores/prefeitos; fim intermediário: saiam às ruas; fim último: derrubar os governadores/prefeitos”.

O próprio presidente não escondeu intenções ainda mais violentas na famigerada reunião ministerial de 22 abril.

Entre tantos disparates, expressou seu desejo de que a população se armasse para resistir às medidas de isolamento social vindas de prefeitos e governadores.

Ninguém tem a menor dúvida de que, se perder nas urnas, Bolsonaro negará o resultado e tentará causar tumulto. É o que ele e seus asseclas já vêm tentando fazer. Ontem mesmo a deputada Bia Kicis afirmou que a eleição de 2022 só será confiável se tiver voto impresso em 100% das urnas. É tecnicamente impossível viabilizar essa mudança eleitoral em tempo hábil para as próximas eleições. Logo…

Entrevista | Eduardo Leite: ‘PSDB deve sintonizar os sentimentos das ruas’

Lauriberto Pompeu / O Estado de S. Paulo

Governador do RS diz que quer ajudar o partido e que não sairá da sigla se for derrotado nas prévias para 2022

BRASÍLIA – Candidato às prévias que vão definir o nome do PSDB para a disputa presidencial, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem sido cortejado por várias siglas, mas diz que não vai sair do partido, mesmo se não for o vencedor da disputa interna. “Quero ajudar o PSDB a voltar a sintonizar os sentimentos das ruas”, afirmou ele, numa referência ao clima de oposição que ronda o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Além de Leite e João Doria, devem participar da disputa o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. “Eu estou muito firme e decidido a participar, mas não sou obcecado por um projeto pessoal”, disse o governador gaúcho, que costuma fazer elogios públicos a Tasso. 

Os quatro pré-candidatos do PSDB vão mesmo disputar prévias ou é possível um entendimento?

Eu estou muito firme e decidido a participar, mas não sou obcecado em torno de um projeto pessoal. Eu não estou nessa por um projeto pessoal. Fui provocado por um grupo de deputados que entendiam que eu deveria representar essa discussão e eu estou trabalhando nessa linha. Eu tenho toda disposição de conversar, dialogar. Só que neste momento, não parece haver isso. 

Míriam Leitão - As hesitações na crise hídrica

- O Globo

O Brasil avançou na energia em relação há 20 anos, quando houve o apagão de 2001. Mesmo assim, o risco de uma crise hídrica e de falta de abastecimento de energia está sobre o país neste momento. O fator complicador mais grave é a incapacidade do atual governo de gerir crises ou se antecipar a problemas. Hoje, a matriz é mais diversificada e caiu em vinte pontos percentuais a dependência da fonte hidrelétrica. A eólica, que não existia, representa 10%. A solar já é 2%.

Houve também, desde então, a construção de mais linhas de transmissão, o que não melhorou foi a capacidade de pensar o que fazer diante do estresse hídrico que tende a ficar cada vez mais frequente. O sistema ainda é garantido por um conjunto de térmicas a combustível fóssil, que são mais caras e mais sujas e estão na contramão da tendência de baixo carbono.

Em relação à crise atual, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse, na entrevista ao GLOBO, que “tudo indica que temos o controle da situação”. A frase tem uma negação embutida. Se “tudo indica” é porque há dúvidas. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) soltou uma nota alertando para o risco de o país enfrentar uma crise inédita de falta de água nos reservatórios. No dia seguinte, soltou outra nota para esclarecer a primeira, em que diz o oposto. Ficou estranho.

Felipe Salto* - Inflação é problema, não solução

- O Estado de S. Paulo

Governo comemora como se o desempenho da economia resultasse de suas políticas

Nem tudo o que reluz é ouro. Em 2021, a dívida pública como porcentual do PIB deve diminuir, mesmo sem mudanças estruturais nas contas do governo. A inflação mais alta explica boa parte da expectativa. Não resolve o desarranjo fiscal, mas ilude.

O indicador utilizado para avaliar o risco nas contas do País é a dívida sobre o produto interno bruto (PIB). No numerador, o estoque de títulos e outras obrigações do Estado. No denominador, o fluxo de renda gerado em determinado período. O que mais importa não é o cálculo em um instante do tempo, senão o movimento. O filme, não só a fotografia.

Se a dívida e o PIB crescem no mesmo ritmo, a situação é tida como controlada: os compradores de títulos públicos avaliam que o endividamento é sustentável e o risco de o Estado tornar-se insolvente é baixo. Assim, exigem juros menores para financiar novos déficits, ano a ano, e o País executa suas políticas públicas sem sobressaltos.

Na semana passada, o resultado do PIB do primeiro trimestre de 2021 causou alvoroço. Houve quem o correlacionasse a acertos da política econômica. Na verdade, o efeito estatístico preponderou, dada a recessão de 2020. Crescer depois de cair é mais fácil. O fato novo é a alta dos preços das commodities, que impulsionou os investimentos ligados ao setor agropecuário. Algo alheio ao governo. O afrouxamento da restrição à circulação de pessoas ajudou, mas à custa de mais mortes, como mostrou Affonso Celso Pastore na coluna de domingo.

A subida dos preços das commodities dará fôlego à economia. Filme repetido. Em 2009 o PIB caiu 0,3%, refletindo a crise econômica e financeira internacional. No ano seguinte, alta de 7,5%. Os termos de troca – razão entre os preços dos produtos exportados e importados – subiram 16% entre 2009 e 2010.

Pedro Cafardo - Do bom gasto público à volta do ‘velho normal’

- Valor Econômico

Experiência bem-sucedida de 2020 não foi suficiente para amolecer ortodoxia brasileira

A pandemia perde força lá fora. Aqui, o país está assustado com a possível chegada de uma terceira onda da covid-19. Quem tem fé reza, e quem não tem torce para que ela não venha, sem poder esperar por empenho efetivo da autoridade federal, que cometeu inúmeros equívocos no enfrentamento da doença. Estimativas indicam que esses erros e omissões tenham sido responsáveis por 70 mil das mais de 470 mil mortes.

A esta altura, rezando ou torcendo, aqueles que lidam com economia já têm material para avaliações conclusivas sobre o impacto real da pandemia na economia e o efeito das medidas emergenciais adotadas em 2020.

Diferentemente de outros economistas heterodoxos, que consideram a ação estatal fraca e inconsistente, o professor Luiz Fernando de Paula, da UFRJ, sustenta que as iniciativas tomadas em 2020, após pressões da sociedade, tiveram forte efeito contracíclico na economia. Houve redução de pobreza e desigualdade, ainda que as autoridades tenham agido sem estratégia coordenada.

No paper “A crise do coronavírus e as políticas contracíclicas no Brasil”, que circula nos meios acadêmicos, Fernando de Paula reúne dados para sustentar essa afirmação. A reação inicial do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi lamentável, mantendo coerência com sua formação na velha Escola de Chicago e argumentando que as reformas seriam a melhor resposta à crise sanitária. Tomou medidas iniciais claramente insuficientes. Depois, acuado pelo Congresso, aceitou o auxílio emergencial e tomou outras medidas que totalizaram injeção de R$ 415 bilhões na economia. A maior parte, R$ 230 bilhões, foi aplicada no auxílio a pessoas vulneráveis (55%), seguido do auxílio a Estados e municípios (19%), à saúde pública (11%) e à manutenção do emprego e renda (8%).

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Militares cedem outra vez aos arbítrios do presidente

Valor Econômico

Cabe aos militares demarcarem o terreno para atos de seu comandante

No Brasil, o comandante chefe das Forças Armadas, o presidente da República, incentiva a indisciplina e a quebra de regulamentos nos quartéis. O Alto Comando do Exército, que deveria zelar pela ordem, se exime de fazê-lo, acatando a ordem de que o infrator nada fez de errado, talvez sob pretexto de que algo ainda pior poderia ocorrer se cumprisse as regras - uma substituição do comandante do Exército. O pivô da crise, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, fez aparição gaiata em manifestação de motociclistas sem máscaras promovida pelo presidente Jair Bolsonaro, onde não poderia estar. A única coisa certa nestes desacertos é que houve intenção de criar um fato consumado cujos desdobramentos são temerários.

Não é a simbologia de um capitão botinado do Exército por indisciplina agora intimidando generais que interessa, mas os propósitos. “O presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas. Isso tem de ficar bem claro”, disse o ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, um dos principais auxiliares de Bolsonaro, como se isso significasse arbítrio e não cumprimento de regras. Bolsonaro não queria que houvesse punição a Pazuello - nem sequer uma inofensiva advertência oral - e seu desejo foi satisfeito. Sua vontade foi lei e, como suas inclinações são antidemocráticas, esse é o caminho pelo qual o presidente poderá conduzir as Forças Armadas.

A rota de colisão do presidente com as instituições, percorrida desde o primeiro dia da posse, tem como destino a permanência no poder. “A todo momento estamos vendo-o anunciar o golpe aos quatro campos da nação”, diz o historiador Fernando Teixeira, ex-professor na Escola Superior de Guerra e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Valor, ontem). “O mais grave é que ele está anunciando o golpe e a metodologia do golpe. A cada momento ele faz um ensaio geral”, afirma, referindo-se aos reiterados avisos do presidente de que não aceitará uma derrota nas urnas diante do (hoje) principal rival, à frente nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva.

O início de quebra de hierarquia militar foi um dos catalisadores do golpe militar de 1964, mas as provocações de Bolsonaro parecem ir em outra direção, não a de fomentar rebeliões de cabos e sargentos contra generais, mas a de obter o consentimento ou a resignação, o que dá no mesmo, dos comandos militares para que a ordem seja moldada aos desígnios do presidente.

Poesia | Manuel Bandeira - Cotovia

 

Música| Lucy Alves - Sabiá

 

segunda-feira, 7 de junho de 2021

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

 

Em meu livro Crise e reinvenção da política no Brasil, alertei que, contrariando as previsões de seu fortalecimento após o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, a democracia estava em risco. Alertei também que nos tempos de hoje as democracias não morrem mais apenas por meios de golpes militares ou pela demagogia aberta, inclusive com apoios populares, mas por dentro, pouco a pouco, quando os que mandam porque obtiveram o consentimento popular enveredam pelo caminho do ataque ás instituições e os valores que garantem a liberdade.

*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. “Um intelectual na política” p. 246. Companhia das Letras, 2021

Fernando Gabeira - Do verde ao amarelo

- O Globo

A decisão do Exército de não punir o general Eduardo Pazuello é dessas notícias que anunciam uma época.

Já tinha escrito que saberíamos por ela se há luz no fim do túnel ou se nos espera uma longa escuridão. Infelizmente, o Exército brasileiro amarelou diante da pressão de Bolsonaro. No futuro, saberemos se amarelou por covardia ou se aderiu conscientemente a um projeto autoritário.

Isso já não importa tanto. Ele já tomou o seu lado. O que importa agora é uma leitura correta do fato e uma preparação adequada para as consequências.

Sempre me exponho à acusação de exagero, mas, com tantos golpes na trajetória, minha tendência é avisar: quanto mais preparados estivermos, melhores condições teremos de resistir.

A primeira consequência tem de ser o estreitamento de laços entre todas as forças democráticas. Como assim, se elas se preparam para disputar uma eleição com candidatos diferentes?

É preciso ser ingênuo para supor que o processo eleitoral não contenha uma armadilha. Bolsonaro já afirmou que não aceitará resultados de urnas eletrônicas. Ele é defensor de rebelião armada, chegou a falar dessa possibilidade contra as restrições sanitárias na pandemia.

Entrevista | Tasso Jereissati: 'A responsabilização, com certeza, vai chegar ao presidente'

Ao GLOBO, senador do PSDB e titular da comissão avalia que erros do governo tiveram Bolsonaro como ‘ordenador’, e que demora por vacinas foi 'deliberada'

Julia Lindner / O Globo

BRASÍLIA - O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), membro titular da CPI da Covid, considera que o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado ao final dos trabalhos do colegiado como o “grande chefe” de uma política desastrosa no enfrentamento à pandemia. Para o senador, todas as linhas de investigação levam ao presidente da República, entre elas o atraso na compra de vacinas.

Ele considera que Bolsonaro tenta desestabilizar o país e que a situação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello com o Exército torna o retorno do general à comissão ainda mais delicado.

Já existem indícios na CPI da Covid contra o presidente Jair Bolsonaro?

Na verdade, há vários indícios em várias linhas de investigação, e todas têm uma coisa em comum, que é o Bolsonaro. O problema leva ao Bolsonaro. Se você for falar de vacina, onde parou o processo de compra, a lentidão, você vai no Pazuello, vai no outro, e acaba no Bolsonaro. Se você fala em críticas e obstáculos ao afastamento social e ao uso de máscara... Bolsonaro. Pode criticar o ministro da Saúde, mas acaba no Bolsonaro. Sobre a cloroquina, por que essa prescrição de um remédio sem comprovação científica, quem fez, quem não fez, segue a linha e acaba no Bolsonaro. E agora estamos vivendo esse problema de aglomeração, com uma ameaça, se já não uma realidade, de terceira onda. E o Ministério da Saúde praticamente imobilizado, não se pronuncia sobre essa aglomeração, se promove uma Copa América. E o que tem por trás disso? Bolsonaro. Então, todos os indícios levam ao grande chefe disso tudo, o grande chefe dessas falhas todas é sem dúvida nenhuma o Bolsonaro, cercado por maus conselheiros.

Então já é possível falar em algum tipo de responsabilização em relação ao presidente?

A responsabilização, com certeza, vai chegar ao presidente Bolsonaro. Evidentemente. Porque todas as declarações (dadas à CPI) que coincidem, em todos os aspectos, levam ao grande mentor, não como um grande mentor intelectual, mas o grande ordenador. E aconselhado por uma equipe paralela ao governo oficial, que o levou a esse negacionismo e a essa política desastrosa.

O que o senhor acha do perfil do presidente, que mesmo com a CPI funcionando, com novas evidências surgindo, mantém a direção e continua fazendo provocações aos membros da comissão?

A postura dele é provocadora. Parece-me que ele já passou do limite de fazer algum tipo de enfrentamento racional às coisas que estão sendo obtidas na CPI e passou a uma provocação não só à CPI, mas ao país inteiro. O máximo da provocação foi quando o ex-ministro Pazuello esteve na CPI e jurou perante a Deus e a Constituição Brasileira, como um militar, um general, de quem se espera uma palavra altiva e corajosa, que era a favor do afastamento e rigoroso em relação a uso de máscara. E dois dias depois ele estava fazendo em cima de um palanque, ao lado do presidente, uma manifestação justamente pelo contrário. Eu acho que o presidente hoje está claramente buscando desestabilizar o país.

Ricardo José de Azevedo Marinho* - Pandemias, democracias & repúblicas


- Esquerda Democrática 

Em memória do meu filho Ricardo Góes Magalhães Marinho (1988-2017), vítima de outra pandemia

Cólera, a despeito de algumas discussões entre nós historiadores, é geralmente aceita como uma doença inteiramente nova no século XIX, pelo menos para a Europa e a América. Tendo sida identificada em Bengala desde a Antiguidade e observada nas campanhas de Alexandre, o Grande, e depois por outros viajantes para a Índia, só veio para a Europa como resultado da abertura de novas rotas comerciais através do Afeganistão e da Pérsia após a conquista britânica do norte da Índia, saindo assim de Bengala em 1817.

Em meados da década de 1820, foi interrompido o suposto cordão sanitário militar estabelecido pelos russos, mas o comércio seguiu crescendo na região e, em 1827, a cólera estava movendo-se ao longo do Volga e chegando a São Petersburgo; daí para Alemanha em 1831 e Grã-Bretanha e França em 1832.

Assim que chegou à Europa, a cólera rapidamente se alicerçou em outro aspecto decisivo da sua expansão no século XIX. A industrialização ajudou a mover a cólera rapidamente de um lugar para outro, primeiro ao longo dos rios e canais que eram as principais artérias de transporte nas décadas de 1820 e 1830, e, em seguida, ainda mais rapidamente ao longo das linhas ferroviárias que começaram a ser construídas em toda a Europa a partir da década de 1840. Um processo que seria brilhantemente sintetizado num famoso texto de 1848 que expressou o sentimento de que “tudo que era sólido desmanchava no ar”.

A coincidência dessas grandes epidemias de cólera com períodos de guerra, agitação e revolução é muito óbvia para ser ignorada e foi observada em uma variedade de maneiras pelos contemporâneos. Em 1848-1849, ela seguiu as forças da ordem, incluindo mais uma vez as tropas russas, que ajudaram a derrotar a Primavera dos Povos. A coincidência não passou despercebida aos contemporâneos, que compararam a grande limpeza da Europa após a epidemia com o retrocesso da maré revolucionária pelas forças da reação, lideradas pela Prússia e pela Áustria.

Mirtes Cordeiro* - Pobreza, fome e carestia

- Falei & Disse

A diferença é compreendida quando a família se senta à mesa, nos horários das refeições, quando tem mesa posta.

Ao ter que comprar um quilo de feijão por R$ 14,00 ou uma bandeja de ovos por R$ 22,00, o preço atual cobrado nos supermercados, minha mãe diria que a “carestia está muito alta” e que a comida dos pobres está custando os olhos da cara.

Custar os olhos da cara, um dito popular, é referência à cegueira dos poetas da Grécia antiga, que tinham seus olhos danificados pelos reis gregos, por inveja. Ou seja, custar os alimentos os olhos da cara é tornar inacessível a alimentação básica do brasileiro, assim como os poetas gregos da antiguidade, que não tinham como enxergar sem os seus olhos.

Já não é possível esconder a carestia, uma palavra quase esquecida desde a adoção do Plano Real, em 1994. Já se vão 27anos.

É quase impossível se viver hoje com um salário mínimo em qualquer região do país. Em todos os lugares os preços tomaram um rumo totalmente sem controle e até mesmo sem lógica. O óleo de soja subiu 104%; o feijão, 81,4%; o arroz, 75,3%; e a batata inglesa, 67,3%. Já o gás de cozinha subiu quase 22% no acumulado do ano, enquanto a gasolina teve alta de 34,8% só nos primeiros meses de 2021. (Periferia em Movimento)

Os preços dos produtos que integram a cesta básica do brasileiro ficaram mais caros. Segundo a última pesquisa feita pelo IBGE, o preço das carnes em geral subiu 35% no país, nos 12 meses até abril.

Em 2020, a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 4,5%, enquanto o preço dos alimentos acumulou alta de 15,5%.

Qual cidadão, leigo nos assuntos da economia, entende como se processam os cálculos sobre a relação entre os indicadores publicados e os preços praticados na vida real do brasileiro?

Marcus André Melo - O futuro do Brasil

- Folha de S. Paulo

O Brasil no espelho da The Economist

O Brasil gosta de se ver no espelho internacional; se no passado eram as narrativas dos viajantes que atraiam a atenção, agora é a mídia. As semelhanças entre o novo dossiê da The Economist e o editorial do New York Times publicado quando o Brasil promulgou sua nova Constituição são espantosas. O editorial apontava para o desafio de “como pôr a Constituição em operação em um país com corrupção desenfreada, inflação sem controle e vastas desigualdades sociais”.

Substitua inflação por desequilíbrio fiscal (que é causa do primeiro) e mantenha corrupção e desigualdade, e a conclusão é que há mais de três décadas lidamos com os mesmos problemas.

A crise atual é, para a revista, produto de três falhas: a ausência e/ou protelação de reformas e “curto-prazismo” (e “aqui a culpa é fundamentalmente do PT, partido no poder de 2002 a 2016”); a brutal reversão da luta anticorrupção; e a frustração coletiva frente a um sistema ancorado em patronagem e que garante à “classe política” recursos e imunidade em relação a seus desmandos.

O desafio agora, segundo a revista, é livrar-se de um presidente autoritário e da frustração coletiva que levou à sua ascensão, enfrentando o baixo crescimento crônico do país e a desigualdade, o que exigirá reformas dramáticas. Ela alerta que a saída pode ser para o passado, e não o futuro, citando declarações de Lula como: “os procuradores dos EUA colaboraram com a Lava Jato porque tinham interesse em nossa Petrobras” e “nossos erros não foram éticos, mas econômicos”.

Celso Rocha de Barros - Commodities pagarão custo Bolsonaro?

- Folha de S. Paulo

Lula não teve apenas sorte; fez o dever de casa no país pobre e desigual

A economia brasileira cresceu um pouco mais do que o esperado no primeiro trimestre (1,2%), em boa parte porque os produtos que o Brasil exporta subiram de preço. Isso aconteceu porque Estados Unidos e China se recuperam bem da pandemia e voltaram a comprar.

A última vez em que as commodities (minérios, produtos agrícolas, etc.) subiram bastante de preço foi durante o governo Lula. A coisa durou vários anos, o governo aproveitou a bonança para distribuir renda sem sacrificar os ricos ou o equilíbrio fiscal, 30 milhões de brasileiros saíram da miséria, pobres e negros chegaram à universidade, foi bacana.

Ao que tudo indica, dessa vez durará bem menos. Há quem ache que um novo superciclo das commodities pode acontecer, mas a aposta mais segura é que a alta atual acabará quando a recuperação mundial tiver terminado em mais ou menos dois anos.

Aí você vai dizer: mas se está acontecendo a mesma coisa que aconteceu no governo Lula, por que eu não estou com tanto dinheiro no bolso quanto estava, digamos, em 2007?

Catarina Rochanonte - Dra. Luana: a força do bom senso

- Folha de S. Paulo

O depoimento da médica na CPI causou impacto por ter sido lufada de bom senso no caos sanitário potencializado pelo fanatismo e pela baixa política

Descartes inicia o seu famoso “Discurso do Método” com uma ironia ao afirmar que o bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo já que todos estão convencidos de que o têm de sobra. Bom senso, explica Descartes, é o poder de bem julgar e de distinguir o verdadeiro do falso. A diversidade de opiniões não decorre de uns serem mais bem dotados do que outros, mas do fato de conduzirem os pensamentos por vias diversas e não considerarem as mesmas coisas.

O que aconteceria, então, se, em um contexto de pandemia, o líder de uma nação e seus seguidores não se limitassem a mal conduzir seus próprios pensamentos acerca do problema, mas tentassem impor políticas públicas baseadas em seus equívocos e tivessem a força das redes sociais para fazer o erro parecer verdade? O resultado seria cerca de meio milhão de mortos.

Vivenciamos no Brasil um caos sanitário potencializado pelo fanatismo e pela baixa política. O depoimento da dra. Luana Araújo na CPI da Covid causou impacto por ter sido uma lufada de bom senso em meio a tudo isso. E o bom senso dela mostrou-se, inclusive, nos princípios epistemológicos antidogmáticos que balizaram seu apelo científico: a ciência trabalha com “verdades relativas de ponta”, não com verdades absolutas.

Ricardo Noblat - Governadores esperam ser dispensados de depor à CPI da Covid-19

- Blog do Noblat / Metrópoles

Convocados, eles alegam que não são obrigados a depor, mas que, se apenas convidados, irão. O caso está nas mãos da ministra Rosa Weber

Na próxima quinta-feira (10/6), a respeitar-se o calendário de depoimentos divulgado pela CPI da Covid-19 no último fim de semana, Wilson Lima, governador do Amazonas, será o primeiro governador a ser ouvido sobre a suspeita de desvio de verbas federais destinadas ao combate à doença. A não ser que…

A não ser que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, acate o pedido de governadores de 18 Estados, e do Distrito Federal, barrando assim a convocação de nove deles sugerida por senadores bolsonaristas e aprovada pelo plenário da CPI. Há precedente para isso, e Rosa o levará em conta.

Diz o pedido: “O pacto federativo impõe limites aos poderes das CPIs instauradas no âmbito do Congresso Nacional. Via de regra, as autoridades e gestores estaduais e municipais somente podem ser investigadas por CPIs promovidas pelo legislativo correspondente”.

E prossegue: “Os poderes são independentes e harmônicos entre si, não havendo qualquer tipo de subordinação. Tal lógica também se estende aos membros do Poder Judiciário, que não podem ser convocados para depor em CPI sobre a sua atividade judicante”.

Foi com base em tais argumentos que, em 2012, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, autorizou o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), a não comparecer à CPI que na Câmara dos Deputados investigava as atividades do banqueiro do jogo de bicho Carlinhos Cachoeira.

Denis Lerrer Rosenfield* - A ema, o policial e o intendente

- O Estado de S. Paulo

Eles simbolizam o governo Bolsonaro: a política anticientífica, o arbítrio e a anarquia

A ema, o policial e o intendente são três símbolos que talvez melhor caracterizem o governo Bolsonaro: a política anticientífica, o arbítrio e a anarquia.

A ema foi sábia. Ao ver o presidente com a caixinha de cloroquina, dele fugiu, mostrando ter melhor discernimento do que boa parte dos brasileiros, que aderem a poções mágicas. Deve ter ela pensado: será que perdeu o juízo? Perguntou-se, mesmo, pelo tipo de humano que ele representa ao negar a ciência, pregar a morte e impor a desordem sanitária. No reino dito animal, isso não seria possível, quanto mais não seja, porque sempre procuram instintivamente a própria sobrevivência. Ora, se os humanos foram agraciados com a razão, eles obtiveram o uso da liberdade de escolha para, em princípio, melhor organizarem suas relações, progredindo no conhecimento. Vacinas seriam um dos melhores exemplos disso.

Contudo uma porção dos humanos, continuava ela a pensar, prefere empregar a liberdade de escolha para o mal e o ódio ao próximo. Em vez da escolha pela vida, optam pela morte. A ema, em seu bom senso, preferiu afastar-se, correndo, para ter maior segurança. Será que os humanos brasileiros não deveriam fazer a mesma coisa? Em todo caso, impeachment e eleições foram instrumentos criados constitucionalmente por eles para darem conta de tais anormalidades.

O policial que ameaçou prender um cidadão por se negar a tirar de seu carro um adesivo antibolsonarista expôs o arbítrio da extrema direita em ação. Um indivíduo fardado se acredita dotado da missão de aplicar por ele mesmo a Lei de Segurança Nacional, como se fosse a encarnação de um tribunal, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Quando isso chega a acontecer, é porque todos os limites estão sendo ultrapassados, o que significa dizer que doravante reinarão a desordem e políticas liberticidas. Qualquer pessoa passará a ficar temerosa de expor suas opiniões, expressar seus pensamentos e criticar o presidente e suas políticas. É o medo pairando sobre todos. Eis por que a ideologia bolsonarista tem como norte de suas ações o domínio das Polícias Militares, Civis e Federal. Elas passariam a ser uma força auxiliar do grupo encastelado no poder, aplicando seus próprios objetivos, na mais completa violação da lei e da Constituição.