- O Globo
O Brasil avançou na energia em relação há 20 anos, quando houve o apagão de 2001. Mesmo assim, o risco de uma crise hídrica e de falta de abastecimento de energia está sobre o país neste momento. O fator complicador mais grave é a incapacidade do atual governo de gerir crises ou se antecipar a problemas. Hoje, a matriz é mais diversificada e caiu em vinte pontos percentuais a dependência da fonte hidrelétrica. A eólica, que não existia, representa 10%. A solar já é 2%.
Houve também, desde então, a construção de
mais linhas de transmissão, o que não melhorou foi a capacidade de pensar o que
fazer diante do estresse hídrico que tende a ficar cada vez mais frequente. O
sistema ainda é garantido por um conjunto de térmicas a combustível fóssil, que
são mais caras e mais sujas e estão na contramão da tendência de baixo carbono.
Em relação à crise atual, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse, na entrevista ao GLOBO, que “tudo indica que temos o controle da situação”. A frase tem uma negação embutida. Se “tudo indica” é porque há dúvidas. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) soltou uma nota alertando para o risco de o país enfrentar uma crise inédita de falta de água nos reservatórios. No dia seguinte, soltou outra nota para esclarecer a primeira, em que diz o oposto. Ficou estranho.
Na nota técnica enviada à Agência Nacional
de Águas, o ONS previa que oito usinas hidrelétricas instaladas no Sudeste, e
que somam 10 mil megawatts, devem ficar com seus reservatórios perto do colapso
até 30 de novembro. Usinas como Furnas, Nova Ponte, Itumbiara, Emborcação, São
Simão ficariam sem água antes do fim do período seco.
“Considerando-se as previsões de afluência
obtidas com a chuva de 2020, prevê-se a perda do controle hidráulico de
reservatórios do Rio Paraná no segundo semestre de 2001”, dizia a primeira
nota. “O único cenário em que há risco é o cenário de referência, utilizado
para demonstrar que ações precisavam ser tomadas com o intuito de evitar a
ocorrência. Sendo assim diversas medidas foram aprovadas pelo Comitê de
Monitoramento Elétrico, e já estão em curso, o que faz com que esse cenário não
se concretize”, diz o ONS na segunda nota. Uma fonte do setor de energia avalia
que na primeira nota o órgão demonstrou pânico, na segunda, uma calma
excessiva:
— Muita gente achou que houve um dedo
político no comunicado à imprensa que tentou corrigir a nota técnica. Saiu de
um excessivo pessimismo para um comunicado de que estava tudo bem. Fiquei mais
preocupado com a segunda nota, porque claramente era um erro de comunicação e,
em momentos assim, não se pode errar na comunicação.
Houve também por parte da Aneel uma
confusão na administração das bandeiras tarifárias. Se em dezembro ela foi
vermelha, de janeiro a abril, voltou para o nível amarelo, indicando melhora na
situação. Só em maio voltou a ficar vermelha nível 1, e em junho subiu para
nível 2, o mais crítico. A mudança que vigorou nos primeiros quatro meses do
ano não fazia sentido, já que a situação era de escassez de chuva.
O que o país aprendeu com os erros e acertos na administração do apagão, em
2001, é que as decisões precisam ser firmes, a comunicação, clara, e a gestão
tem que se antecipar aos problemas. A visão realista é melhor do que o
excessivo pessimismo ou a tentativa de dar uma visão otimista por razões
políticas.
Entre os conselhos que se ouve no mercado é
que é preciso monitorar a produção de renováveis. É possível que a atual
temporada de ventos do Nordeste seja bem favorável. É preciso trabalhar para
garantir suprimento de gás para as térmicas, menos poluentes do que as opções
como óleo diesel ou carvão. “Não pode faltar gás”, diz um especialista. O
problema é que a Petrobras já anunciou que fará a manutenção de 30 dias em um
dos principais gasodutos do pré-sal e informou que essa parada foi combinada
com o ONS em março. É preciso também, explica-se, administrar os vários usos
das águas, principalmente na Bacia do Rio Paraná, onde a primeira vítima já é a
hidrovia Tietê-Paraná.
— O governo também precisa trabalhar com a
importação de energia de países vizinhos, Argentina e Uruguai. Não é um bom
momento para brigar com o governo Fernández — explicou um especialista.
O assunto é complexo e será fundamental ter
uma gestão integrada, inteligente e uma comunicação transparente. Isso impedirá
que a escassez hídrica leve a uma crise muito maior.
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