- Valor Econômico
Presidente cogita mais mudanças caso Salles
deixe a pasta
Aumentou nos últimos dias a pressão sobre o
presidente Jair Bolsonaro pela substituição do ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles. Integrantes da ala militar do governo intensificaram a cobrança
para que Salles, ao menos, peça uma licença temporária do cargo enquanto
avançam as investigações da Polícia Federal de que ele se tornou alvo em dois
inquéritos.
O fogo amigo no governo contra o ministro
alastrou-se depois que se tornaram públicas ações da Polícia Federal,
principalmente no inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no
Supremo Tribunal Federal. Na sexta-feira, Moraes abriu prazo para que a
Procuradoria-Geral da República se manifeste sobre pedido de prisão do
ministro, ou afastamento cautelar do cargo, diante da recusa de entregar o
aparelho celular para os investigadores, o que poderia configurar tentativa de
obstrução da Justiça.
Ontem, 19 dias após a busca e apreensão de que foi alvo, o ministro finalmente entregou o aparelho à PF e se ofereceu para colaborar com as investigações. Um gesto para tentar controlar o incêndio que avança sobre sua biografia política.
O ambiente é de tensão no Palácio: Salles
também é investigado em outro inquérito no STF, este conduzido pela ministra
Cármen Lúcia, e também em ação movida pelo Ministério Público de São Paulo.
Em dois anos e meio de governo Bolsonaro,
aprendemos que o presidente é impermeável à pressão externa, imprevisível e só
age no limite do insustentável. Se o problema revela-se incontornável,
Bolsonaro não muda apenas as peças de lugar, ele vira o tabuleiro.
A se confirmar o cenário de substituição de
Salles, o que circula entre fontes que percorrem os corredores do Palácio do
Planalto é que Bolsonaro repetiria o lance espetacular que marcou a demissão do
ex-chanceler Ernesto Araújo.
Para não admitir que cedeu à pressão pelo
afastamento do auxiliar - uma cobrança que se arrastava havia meses,
impulsionada por políticos do Centrão - o presidente trocou seis ministros de
uma vez.
Na crise agora protagonizada por Salles,
Bolsonaro repetiria a saída “à la Ernesto”, com outra mudança em combo, a fim
de preservar aquele que tem em conta como um de seus auxiliares mais leais.
Bolsonaro aproveitaria para substituir a
ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que completou dois meses à
frente da articulação política, marcados pela insatisfação de deputados e
senadores da base governista. Segundo fontes até mesmo do PL, legenda da
ministra, desde que ela assumiu o cargo, “nada anda” na pasta.
O Valor informou em 19 de maio que, até aquela
data, a ministra não tinha autonomia na pasta. Não havia nomeado assessores nem
mesmo para os cargos mais relevantes. Uma semana depois, o “Diário Oficial”
trouxe a promoção do chefe de gabinete de Flávia para a secretaria-executiva da
pasta, um cargo equivalente ao de “subministro”: o delegado licenciado da
Polícia Civil Rafael Sampaio, ex-presidente do Sindicato dos Delegados.
Um dos focos de insatisfação de
parlamentares com Flávia vem da bancada evangélica, uma base de apoio
estratégica para Bolsonaro.
Flávia nomeou Gabriele Olivi, uma escolha
pessoal, para a Secretaria de Articulação Social, cargo cobiçado pelo bloco
evangélico. Pré-candidata ao Senado na chapa à reeleição do governador Ibaneis
Rocha, Flávia planeja eleger Gabriele deputada federal.
Segundo os planos ainda em esboço, Flávia
seria remanejada para o Ministério do Turismo, onde o seu partido, o PL, já
controla uma das secretarias. Num momento em que deputados do PL conversam nos
bastidores com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não é momento para
Bolsonaro desagradar o influente presidente da sigla, Valdemar Costa Neto.
Nesse desenho, o ministro do Turismo,
Gilson Machado, que é amigo próximo de Bolsonaro, reassumiria o posto anterior,
a presidência da Embratur.
O movimento não seria inédito. Quando o
então chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se indispôs com Bolsonaro, ao mesmo
tempo em que era bombardeado pelos congressistas, foi rebaixado do palácio para
uma cadeira na Esplanada, e assumiu o Ministério da Cidadania.
Um ano depois, Onyx caiu de novo nas graças
do presidente, e retornou ao quarto andar do Planalto, agora na
Secretaria-Geral da Presidência. A cereja do bolo foi a nomeação de seu
auxiliar, Antônio Barreto Júnior, para a vice-presidência de Governo do Banco
do Brasil.
Também voltou a circular nas rodas
políticas a provável recriação do Ministério do Esporte, num momento em que
Bolsonaro se irritou com as críticas à realização da Copa América no Brasil em
meio à pandemia. Em janeiro, num evento com atletas, o presidente mencionou
essa possibilidade.
A se confirmar sua saída do ministério, um
dos nomes cogitados para assumir o Meio Ambiente é o do advogado mineiro
Antônio Claret Jr., filiado ao Novo e próximo ao governador Romeu Zema (MG),
conforme informou o Valor há
duas semanas.
Todo esse movimento é um ensaio em curso
nos bastidores. A depender exclusivamente de Bolsonaro, Salles fica onde está,
e representa o Brasil na Conferência do Clima em Glasgow em novembro.
Aliados do ministro observam que o fogo
amigo contra ele tem origem na ala militar, onde Salles cultiva desafetos. Há
oito meses, Salles chamou o hoje ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo
Ramos, de “Maria Fofoca” em uma rede social.
A situação de Salles não é nada
confortável. Ele responde a três investigações. O inquérito em que aparece como
suspeito de facilitar a exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados
Unidos e Europa é relatado por Alexandre de Moraes, considerado um desafeto
pelo Planalto.
Moraes comanda o inquérito sobre os atos antidemocráticos, mandou prender o deputado Daniel Silveira (PSL-SP), e impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal. Salles tem atuado para controlar o fogo, mas terá que chamar mais bombeiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário