segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Queda no desemprego: os dois lados da balança

Por Correio Braziliense

O desafio real é transformar emprego em trabalho de qualidade: reduzir a subutilização, formalizar ocupações, elevar rendimentos reais e combater as desigualdades regionais e por gênero

O último dado oficial é, inegavelmente, um alento: a taxa de desemprego no Brasil tem alcançado os menores patamares históricos, um feito notável que merece ser reconhecido. De acordo com os dados divulgados, sexta-feira última, pelo IBGE, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) constatou que a taxa de desocupação ficou em 5,6% no trimestre encerrado em setembro de 2025, o menor nível desde o início da série em 2012, com a população desocupada em cerca de 6 milhões de pessoas. Esse resultado representa uma queda de 3,3% (menos 209 mil) em relação ao trimestre anterior e de 11,8% (menos 809 mil) na comparação com o mesmo período de 2024.

É algo que devemos exaltar, mas não pode ser lido como prova de que o problema estrutural do trabalho no país foi vencido. A precarização e subutilização da força de trabalho permanece, embora também registrando níveis um pouco mais baixos.

A chamada taxa de subutilização — que reúne pessoas que gostariam de trabalhar mais, que estão subempregadas ou desencantadas — no terceiro trimestre de 2025 ficou em torno de 13,9%, representando 15,8 milhões de pessoas. Isso significa que continuam fora do emprego pleno.

Há, ainda, o recorte da informalidade que afeta mais de um terço da força de trabalho: cerca de 37,8% das pessoas ocupadas estavam em trabalhos informais no período mais recente — isto é, sem carteira, sem proteção previdenciária e com renda e direitos fragilizados. O total de trabalhadores nessa condição (excluindo domésticos) chegou a 39,2 milhões, com estabilidade no trimestre e alta de 2,7% (mais 1 milhão) em 12 meses.

Uma mistura de fatores macro e micro, como desaceleração do crescimento econômico em alguns meses, taxa de juros ainda elevada para controlar a inflação e níveis educacionais desiguais, além de políticas públicas de proteção e qualificação aquém do necessário, ajuda a explicar esse quadro. Em outras palavras, o país alcança taxas baixas de desemprego num contexto que ainda não garante direitos trabalhistas e proteção social. E o custo de vida acaba ofuscando outro dado positivo: a renda média real habitual do trabalhador registrou aumento, atingindo R$ 3.507 no trimestre até setembro de 2025, um recorde também.

A conjuntura da redução do desemprego, em grande parte, se deve a questões cíclicas e de recomposição pós-pandemia, somadas a políticas de incentivo ao consumo. No entanto, o Brasil ainda padece de problemas como falta de investimento maciço em educação, tecnologia e infraestrutura, o que faz com que a produtividade do trabalho permaneça aquém de seu potencial, limitando a criação de empregos de alto valor agregado.

Há um descompasso crônico entre a formação profissional e as demandas de um mercado de trabalho cada vez mais digital e qualificado, o que se reflete na dificuldade de preenchimento de vagas especializadas ao mesmo tempo que persiste a subutilização.

A queda da taxa de desemprego é uma notícia boa — e deve ser comemorada especialmente por quem estava sem ocupação. O desafio real é transformar o emprego em trabalho de qualidade: reduzir a subutilização, formalizar ocupações, elevar rendimentos reais e combater as desigualdades regionais e por gênero. Enquanto isso não ocorrer, a nossa melhora será, em grande medida, uma estatística sobre uma realidade que ainda padece de fragilidades.

Lula e Senado prejudicam imagem do STF

Por Folha de S. Paulo

Entre Messias e Pacheco, presidente e legisladores politizam debate sobre novo ministro da corte

Ambos representam uma aposta dobrada nas mesmas distorções que têm carcomido a imagem institucional do Supremo perante a sociedade

Desde que o ministro Luís Roberto Barroso anunciou sua saída precoce do Supremo Tribunal Federal (STF), dois nomes despontaram na disputa pela vaga aberta: Jorge Messias e Rodrigo Pacheco. Nenhum deles, porém, pelas razões certas.

Messias, todos sabem, é o preferido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem cabe indicar ministros da corte constitucional. O advogado-geral da União tem suas maiores credenciais na proximidade com o Palácio do Planalto, na lealdade ao petista e na combatividade ao defender interesses do governo.

Pacheco, senador pelo PSD-MG e ex-presidente da Casa, conta com a simpatia de seus colegas, aos quais cabe sabatinar e aprovar —ou rejeitar— o indicado. Ele tem no apoio de ministros do STF e na campanha do atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), suas melhores cartas de recomendação.

Ainda que ambos tenham formação no direito, e por mais subjetivos que sejam os requisitos constitucionais de notável saber jurídico e reputação ilibada para ocupar o cargo, seria de esperar que ao menos parte do debate se desse em torno da capacidade técnica e das inclinações doutrinárias de cada um deles.

Mas não. Questões dessa natureza têm sido relegadas ao desprezo. São cálculos meramente políticos que parecem dirigir as motivações dos principais atores envolvidos nas discussões.

Lula age por pragmatismo. Ciente da relevância estratégica do STF e contrariado por votos nos julgamentos do mensalão e da Lava Jato, ele quer um aliado na corte, alguém com quem tenha boa interlocução, que lhe seja fiel e, de preferência, jovem, para se manter na cadeira por bastante tempo —Messias tem 45 anos.

Se ainda não indicou o advogado-geral da União, é por saber dos riscos que correrá sem a anuência prévia de figuras importantes no Senado. Como eventual rejeição do escolhido seria um vexame para o governo, costuma-se recorrer a uma espécie de sabatina informal nos bastidores a fim de ponderar as resistências.

O Senado, liderado por Alcolumbre, emite sinais claros de oposição a Messias. Não por condenar alguma característica do advogado-geral, mas por querer aproveitar a oportunidade de emplacar um ex-presidente da Casa —e ainda mais um como Pacheco, que, aos 48 anos, teria longevidade assegurada na corte.

Ou seja, em vez de usar seu poder de veto para encaminhar uma opção consensual e sólida em termos jurídicos, o Senado reforça a politização do STF desde o processo de escolha de seus membros. É o corporativismo, a vontade de ver "um dos seus" no tribunal que anima os legisladores.

Seja em um caso, seja no outro, o saldo será negativo, e não pelos méritos ou deméritos que Messias e Pacheco possam ter. O problema é o que ambos representam: uma aposta dobrada nas mesmas distorções que têm carcomido a imagem institucional do Supremo perante a sociedade.

De CLT a PJ

Por Folha de S. Paulo

Pasta do Trabalho cogita fraude em migração de 5,5 mi de trabalhadores ao regime de pessoa jurídica

Fato é que o mercado demanda contratos flexíveis; segundo pesquisa Datafolha, 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria

A migração de 5,5 milhões de trabalhadores do regime CLT, de emprego com carteira assinada, para o de pessoa jurídica entre 2022 e julho de 2025 é prova das rápidas transformações do mercado de trabalho.

O fenômeno, conhecido como pejotização, tem motivos como a redução do custo regulatório e tributário —potencialmente vantajoso para o trabalhador, que pode ter vencimento líquido maior, e empregador, que tem encargos menores sobre o salário.

De fato, contratações pela CLT são oneradas em cerca de 70% por várias normas e proteções legais, enquanto PJs são tratados como prestadores de serviços, isentos desses ônus.

Estudo do economista Nelson Marconi (Eaesp-FGV) indica que em profissões de alta escolaridade enquadradas no Simples Nacional (faturamento até R$ 4,8 milhões), remunerações de PJs podem chegar ao dobro das recebidas por celetistas, graças ao menor custo empresarial.

A busca por flexibilidade e a visão positiva sobre empreendedorismo, sobretudo entre adultos jovens, também pesam a favor.

Pesquisa Datafolha de junho deste 2025 revela que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria (68% entre jovens), valorizando horários maleáveis e maior renda.

Há riscos de abuso, em que relações de subordinação são mantidas muitas vezes sem ganhos de remuneração para o trabalhador, apenas para favorecer a empresa, o que pode caracterizar fraude.

Cabe notar que, dos migrantes de CLT para PJ, 80% (4,4 milhões) optaram pelo MEI, regime simplificado criado em 2008 para favorecer a formalização de autônomos e pequenos empreendedores, cujo faturamento anual é limitado a R$ 81 mil.

Na visão do Ministério do Trabalho, enviesada pelo sindicalismo tradicional, esse padrão pode indicar migração forçada de pessoas de menor qualificação para driblar tributos, prejudicando os trabalhadores sem poder de barganha. Nesse caso, há precarização que expõe vulneráveis a ciclos de informalidade.

Mesmo assim, voltar à CLT plena seria pouco realista. A preferência visível por autonomia sugere que rigidez excessiva sufocaria a geração de empregos e elevaria custos empresariais.

Outro desafio é compatibilizar flexibilidade e relações contratuais diversas com a necessidade de financiamento da Previdência Social. O Supremo Tribunal Federal (STF), que está prestes a deliberar sobre a legalidade da pejotização, fará bem em evitar tanto o velho paternalismo quanto a desproteção de trabalhadores.

O problema da utopia climática

Por O Estado de S. Paulo

Como demonstrou Bill Gates, para salvar o futuro do planeta é preciso continuar reduzindo as emissões via inovação sem sacrificar recursos da saúde e desenvolvimento que salvam vidas agora

As conferências do clima tornaram-se rituais mundiais de expiação, aonde os penitentes chegam de jato particular, celebram festivais de santimônia e pregam sacrifícios severos – para os outros. Os ambientalistas disputam a medalha da premonição mais apocalíptica (e irrealista), e os políticos, a da promessa mais redentora (e custosa), reduzindo o drama ambiental à chantagem moral.

No limiar da COP-30, o empresário americano Bill Gates inscreveu em um memorando três verdades que soam heréticas à ortodoxia climática, mas são moral e empiricamente inatacáveis. Primeiro: “A mudança climática é um problema sério, mas não o fim da civilização”. Já avançamos mais do que os alarmistas admitem, e é com inovação, não com mortificação, que iremos além. Segundo: “A temperatura não é o melhor meio de medir nosso progresso sobre o clima”. É hora de pôr o bem-estar humano no centro das estratégias climáticas, que devem ser avaliadas menos por graus contidos do que por vidas erguidas. Terceiro: “Saúde e prosperidade são a melhor defesa contra a mudança climática”. Não se trava o bom combate ao aquecimento sugando dinheiro do combate à pobreza e doenças e despejando-o em tecnologias “verdes” caras e ineficazes.

Os fariseus ambientais pregam que o crescimento é pecado, e a indústria, uma ameaça existencial. Mas os fatos são teimosos. Poluição? Só nos EUA, por exemplo, caiu 78% desde 1970. Desmatamento global? Diminui continuamente desde os anos 1980. Mortes por desastres naturais? Despencaram 96% em um século. Pobreza extrema? De 90% da população mundial para 9%. A humanidade vive mais, come melhor e educa mais crianças do que nunca. O planeta não está em colapso: está em conserto – que pode ser consumado pela força da ciência e da tecnologia.

Mas o culto ambientalista exorciza o negacionismo climático no altar do negacionismo econômico. Exige energias limpas por decreto – ignorando que hoje são caras e intermitentes, que o vento não sopra sob encomenda e o Sol não trabalha à noite – e “carbono zero” a qualquer custo – cobrando dos países pobres sacrifícios que os ricos jamais praticaram para enriquecer. Para “salvar o planeta”, está pronto a abandonar meio mundo na vala comum da pobreza.

A alternativa não é desistir do clima, mas trocar a retórica utópica pela ação realista. O ambientalismo responsável mede custos e benefícios, não intenções. Ele sabe que descarbonizar exige aprimorar novos combustíveis até que sejam tão baratos e confiáveis quanto os fósseis. Isso não se faz com passeatas e cúpulas, mas com investimento em pesquisa, inovação e infraestrutura: energia nuclear, hidrogênio verde, fertilizantes limpos, biocombustíveis, baterias de longa duração. É preciso mais engenharia e menos histeria.

Um ambientalismo maduro também entende que é preciso se adaptar a um mundo mais quente. Agricultura de precisão, saneamento, ar-condicionado, drenagem urbana e vacinas protegem mais pessoas do que décadas de discursos. Saúde e desenvolvimento não competem com o clima – são sua defesa mais eficaz. A meta não é “salvar o planeta” em abstrato, mas garantir que as pessoas vivam nele com dignidade e segurança.

A COP em Belém oferece o exemplo e o desafio. Nenhum outro lugar expõe com tanta clareza o imperativo de equacionar preservação ambiental e desenvolvimento social. As populações amazônicas estão entre as mais pobres do Brasil, e não haverá floresta em pé sem gente erguida. O petróleo no fundo do mar, longe de ser maldição, pode financiar a inclusão social e a transição energética. Empregado com inteligência e responsabilidade, não é incompatível com a sustentabilidade. A miséria é.

Os zelotas do clima fazem profissão de fé em uma meia verdade: a de que a humanidade é o problema. Mas, presos a essa ideia fixa, são cegos à verdade inteira que liberta: a humanidade também é a solução. Graças à indústria, à ciência e à criatividade, já vencemos boa parte da batalha que os profetas do Armagedom dão por perdida. O mundo ainda é ruim, mas está melhor que ontem, e pode melhorar muito mais amanhã – desde que troquemos a culpa pela esperança e o pânico pela razão.

A conta de luz continuará alta

Por O Estado de S. Paulo

Aprovação da MP do setor elétrico no Congresso, ornada com toda sorte de jabutis, não garante redução de custos para o consumidor e mantém setor atado a interesses que impedem modernização

Às vésperas de perder a validade, a medida provisória que visava a reestruturar o setor elétrico (MP 1.304/2025) teve aprovação relâmpago no Legislativo, passando, numa única tarde, pelo crivo da comissão especial e pelos plenários da Câmara e do Senado. As votações plenárias de deputados e senadores não chegaram a durar, juntas, dez minutos, e, após sanção presidencial, a MP será convertida em lei. Qualquer desavisado que caísse de paraquedas no Congresso naquela tarde sairia impressionado com a aparente capacidade de articulação, agilidade e senso de dever público dos congressistas. No entanto, basta observar o caminho percorrido até a aprovação e a configuração final da medida para notar que não é bem assim.

Publicada no Diário Oficial da União em 11 de julho, a medida, que tinha como objetivos básicos baratear tarifas de eletricidade e modernizar a regulação do setor, por pouco não extrapolou o limite de quatro meses de tramitação e voltou ao Planalto sem garantir nem uma coisa nem outra. No processo, ganhou “jabutis” que beneficiam, por exemplo, as caras e poluentes usinas termoelétricas a carvão mineral, que terão contratos de fornecimento de energia garantidos até 2040. Isso sem contar os penduricalhos alheios ao setor elétrico, como o do preço de referência do petróleo para cálculo de royalties e outros tributos.

Reconheça-se que houve algum avanço da nova legislação, como o que fixou em três anos o prazo para a total abertura do mercado livre de energia, em que os consumidores, inclusive os residenciais, poderão escolher seus fornecedores.

Já a proposta original de impor um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – uma espécie de cabideiro em que são penduradas todas as subvenções dadas pelo governo e bancadas pelos usuários de eletricidade por meio de extras nas contas de luz – representaria um enorme ganho, não fosse por uma pegadinha: o teto foi limitado ao valor constante no Orçamento de 2025, corrigido pela inflação anual. Sabe-se que a CDE, com seus R$ 49,2 bilhões aprovados para este ano, está inflada e passou a ser usada como atalho para subsídios.

Criado em 2002 como consequência direta do apagão e do racionamento do ano anterior, o fundo pretendia financiar o desenvolvimento do setor elétrico nos Estados, fomentar fontes renováveis e universalizar o serviço de eletricidade.

Não há o que ser comemorado no congelamento de um teto estratosférico corrigido pela inflação. Além disso, foram excluídos desse teto os programas como o Luz Para Todos, relançado em 2023, e o Tarifa Social, que o governo acaba de ampliar para 60 milhões de consumidores de baixa renda com isenção total na conta de luz. A nova lei determina apenas que nenhum novo subsídio poderá ser incluído no orçamento da CDE caso ultrapasse o teto. Talvez seja o caso de os consumidores agradecerem por continuar pagando o absurdo que já pagam.

Poderosos lobbies do mercado de energia – muitas vezes com interesses conflitantes – têm participação decisiva nas discussões travadas na Câmara e no Senado, e esse poder tem ditado as políticas públicas. O relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM), pendurou jabutis na MP do setor elétrico com a naturalidade de quem enfeita uma árvore de Natal. E somente retirou um deles, das usinas a gás, depois de garantir discussão em outra pauta, dos vetos ao projeto das eólicas em alto-mar.

Mas o relator manteve subsídios aos painéis solares – somente novos produtores terão de pagar adicional para o armazenamento da energia – e incluiu os artigos ligados ao setor de óleo e gás. A MP, que propõe alterar o valor dos royalties, muda também o preço do petróleo para exportação e beneficia indiretamente refinarias privadas que importam o produto, como a Atem, do Amazonas, Estado de Braga.

O senador incluiu ainda a redução da injeção de gás em poços de petróleo, recurso usado para aumentar a produtividade, e o uso do Fundo Social para a construção de gasodutos. A quem se pergunta o que isso tem a ver com eletricidade, a resposta é: nada. Mas é assim que nascem e se reproduzem os quelônios legislativos.

Um fenômeno de marketing

Por O Estado de S. Paulo

Empresa de sócio do ministro Sidônio ganhou todas as concorrências que disputou na Caixa

O empresário Francisco Kertész é um fenômeno. Sócio do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, na agência de publicidade que fez a vitoriosa campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2022, Kertész é dono de uma produtora que, no atual mandato, conseguiu a proeza de vencer todas as concorrências que disputou na Caixa Econômica Federal para produzir campanhas publicitárias. Por competência ou coincidência (ou as duas coisas), essa taxa de sucesso de 100% se somou a outras duas concorrências vencidas por ele na Embratur, feitos que lhe garantiram R$ 12 milhões em contratos para prestar serviços ao governo. As informações se tornaram públicas graças a uma reportagem do Estadão.

Ao jornal, o ministro Sidônio Palmeira disse que não interferiu em favor das contratações e que se afastou da gestão de suas empresas após assumir, em janeiro deste ano, o comando da Secom como plenipotenciário marqueteiro do governo. Nesse caso, porém, não basta ser (ou se dizer) honesto. É preciso parecer honesto. Chamam a atenção, nesse caso, menos as evidências de eventuais irregularidades nas concorrências e mais as suspeitas em torno dessa notável coincidência, deixando no ar a sensação inquietante de privilégio travestido de normalidade – uma possível mistura de atributos técnicos com estreitos vínculos políticos e empresariais.

A atitude razoável a se esperar, ante relações tão próximas, seria simplesmente que o sócio do ministro não participasse das disputas pelas campanhas da Caixa, da Embratur ou de qualquer repartição do governo. Como isso não foi feito, é igualmente razoável esperar que surjam perguntas incômodas, sobretudo pelo histórico petista de aparelhamento do Estado e de confusão entre o público e o privado.

A desconfiança é compreensível. Afinal, por que todos os certames, para o mesmo cliente público, terminaram com o mesmo vencedor – que, por acaso ou não, é sócio do principal arquiteto da campanha presidencial de Lula da Silva e do PT? É certo que contratos públicos têm origem e continuidade, e que nem todo vínculo anterior implica irregularidade automática. Mas quando no currículo de um ministro do governo aparece a condição de marqueteiro da campanha presidencial do partido no poder – da mais recente e da próxima –, e seus parceiros se beneficiam sistematicamente em licitações ou cotações junto ao Estado, o mínimo que se exige é uma luz de transparência, e não esse véu de “simples coincidência” que envolvidos inevitavelmente tentam erguer.

Não se trata de condenar ninguém antecipadamente. Mas o distinto público tem o direito de perguntar como se articularam essas concorrências e por que justamente o parceiro do ministro Sidônio ganhou todas. Ou prevalecerá a impressão de que, como sempre acontece nas administrações petistas, quem tem padrinho (ou sócio) no governo jamais morrerá pagão.

Setores básicos concentram atração do capital estrangeiro

Por Valor Econômico

O desafio é atrair investimento externo também para indústrias de ponta

Apesar da crônica instabilidade econômica, o Brasil vem atraindo investimento estrangeiro para novos projetos (“greenfield”). No entanto, eles se concentram em setores básicos da economia, como a infraestrutura energética ou de transportes, ou em atividades sustentadas por um diferencial competitivo no mercado global, como a mineração e o petróleo.

Neste mês, vários exemplos confirmaram a tendência. O principal vencedor dos leilões portuários realizados na semana passada foi o Consórcio Canal Galheta Dragagem, formado pela belga Deme (com 70% das ações) e pela FTS Participações (30%), que arrematou a concessão do canal de acesso do Porto de Paranaguá (PR), com R$ 1,2 bilhão de investimentos previstos. O consórcio venceu a chinesa CHEC Dredging, apontada como favorita. Um pouco antes dessa disputa, a portuguesa Mota-Engil venceu a concessão do primeiro túnel imerso da América Latina, que vai ligar Santos ao Guarujá, em São Paulo.

Já o leilão de áreas de petróleo do pré-sal realizado pela ANP, terminou com cinco dos sete blocos arrematados em cerca de 40 minutos. A Petrobras e a Equinor levaram duas áreas cada uma. A chinesa Sinopec e a australiana Karoon ficaram com um bloco cada e estrearam no regime de partilha de produção do pré-sal.

Estudo da consultoria McKinsey aponta que de 2022 a maio de 2025, considerando só projetos “greenfield”, a média anual dos investimentos estrangeiros diretos no país avançou 67% em relação ao período de 2015 a 2019, passando de US$ 22 bilhões por ano para US$ 36,8 bilhões (Valor, 23/10). No setor de energia, os investimentos saltaram 158,8%, com média anual de US$ 17 bilhões, ou 46,5% do total, incluindo carvão e extração, processamento e transporte de óleo e gás, geração de energia renovável e produção de biocombustíveis. Nos investimentos estrangeiros diretos em metais e mineração o crescimento também foi expressivo, de 153%, da média anual de US$ 904 milhões entre 2015 e 2019 a US$ 2,3 bilhões anuais entre 2022 e maio de 2025.

Os especialistas da McKinsey notam, porém, a queda de 31,1% na indústria avançada, que inclui a produção aeroespacial, de defesa, automotiva, de baterias, de eletrônicos, de maquinaria industrial, de dispositivos médicos e farmacêutica e semicondutores, cuja média anual despencou de US$ 4,2 bilhões na segunda metade da década passada para US$ 2,9 bilhões entre 2022 e 2025. O período de 2020 e 2021, da pandemia, não foi incluído.

Dados do Censo de Capitais Estrangeiros do Banco Central corroboram as indicações da McKinsey, ainda que com classificações diferentes. Pelo Censo de 2024, o Brasil terminou 2024 com um estoque de investimento estrangeiro direto de US$ 1,14 trilhão, inferior ao US$ 1,4 trilhão de 2023, mas superior em relação ao PIB: 46,6% em comparação com 45%.

Quando a série histórica do BC foi iniciada, em 1995, o investimento direto estrangeiro era de 6,1% do PIB. Em 2000, passou para 17,1%, alcançando 25,2% em 2010. Em 2019, superou pela primeira vez a marca de 30%, com 34,6%. Os serviços lideram a atração, com 59% do total, à frente da indústria (29%) e da agropecuária e extrativismo mineral (12%).

O Censo mostra que, historicamente, o setor financeiro e o de atividades auxiliares sempre concentraram a atração do capital estrangeiro: em 2024 e em 2023, representaram 22%, mantendo o patamar de 20% ou mais desde 2016. Em 1995, eram 17%. Em seguida, já vem um dos setores da lista da McKinsey, o de extração de petróleo e gás, com 8%, percentual ao redor do qual se manteve desde 1995, exceto de 2015 a 2018, período marcado pela queda do preço internacional do óleo e, no âmbito interno, pelo impacto da Operação Lava-Jato na Petrobras, além de mudanças regulatórias.

Entre os seis principais setores de concentração do investimento estrangeiro listados pelo Censo do BC de 2024, o grupo eletricidade, gás e outras utilidades, também focado pela McKinsey, ficou em quarto lugar, com 5%, percentual relativamente estável desde o início da série histórica. Fora do foco delimitado pela consultoria, o setor de comércio (exceto veículos) ocupou o terceiro lugar, com 7% em 2024; produtos químicos, o quinto, com 4%; e veículos automotores, reboques e carrocerias, o sexto, com 4%.

O desafio é atrair investimento externo também para indústrias de ponta. No entanto, características da economia brasileira afugentam o capital estrangeiro assim como prejudicam o investidor local. O custo da produção - que passa por juros altos, preço elevado do crédito e questões tributárias - é um dos principais problemas, que afeta também a competitividade da produção doméstica. Há ainda deficiências de infraestrutura que agravam os gargalos logísticos e a necessidade de capacitação da mão de obra. Em consequência desse quadro, agora mesmo, apesar de ter importantes reservas de matérias-primas para os semicondutores, o país enfrenta a ameaça de escassez do produto no mercado internacional, que põe em risco a produção doméstica de veículos e de diversos outros bens.

O ciclo do lixo no Ceará

Por O Povo (CE)

O Ceará tem 184 municípios, onde vivem cerca de 9 milhões de pessoas. Para atender a esta multidão, há apenas sete aterros sanitários, distribuídos em Caucaia, Sobral, Salitre, Senador Pompeu, Porteiras, Juazeiro do Norte e Baturité. O resultado é o acúmulo de resíduos nos 196 lixões espalhados por todo o Estado, apesar do compromisso de encerramento desses locais ter sido encerrado há mais de um ano.

Esse era o prazo previsto no Novo Marco do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), cuja missão central é universalizar os serviços de saneamento básico em todo o Brasil. O tempo de adequação ao modelo de aterros sanitários se estendia até agosto de 2024. Mas a degradante realidade dos lixões persiste.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontava, ao fim do prazo, o Ceará como 5º estado com maior proporção de municípios com lixões, somando 80,9% das cidades atendidas por vazadouros a céu aberto. Atrás do Amazonas (91,9%), Maranhão (88,6%), Roraima (85,7%) e Pará (83,8%).

O aterro sanitário é a solução prevista em lei para o tratamento de resíduos sólidos no Brasil. Trata-se de projeto de engenharia com solo impermeabilizado, drenagem, tratamento do chorume, controle de gases e monitoramento ambiental. Em suma, é construído para reduzir o impacto do acúmulo de lixo no meio ambiente e na sociedade. Já os lixões são locais destinados apenas ao descarte e acúmulo de resíduos, sem qualquer controle. Há ainda um modelo intermediário, o aterro controlado, em que o lixo é disposto em locais mais adequados, mas sem sistemas de proteção ambiental.

O impacto de um lixão a céu aberto foi exposto na capa do O POVO de sexta-feira, 31 de outubro. A foto de Fco Fontenele mostra catadores em Canindé, em meio a amontoados de resíduos e à fumaça de incêndios. O texto, assinado por Lara Vieira, dimensiona o impacto do modelo ilegal de descarte na população local: noites sem sono, doenças respiratórias e precariedade de vida em um ambiente degradado e desamparado pelo poder público.

A Secretaria estadual do Meio Ambiente e Mudança do Clima (Sema) aponta oito municípios em fase de implementação de aterros sanitários: Tianguá, Pacajus, Limoeiro do Norte, Aquiraz, Juazeiro do Norte, Caucaia, Russas e Aracati.

Há ainda ações conjuntas, como consórcios públicos para implementação de aterros regionais. Canindé, por exemplo, prevê o cenário do lixão local solucionado por meio do Consórcio Público de Manejo dos Resíduos Sólidos da Região Sertão Central 2, parceria com Boa Viagem, Caridade, Itatira, Madalena e Paramoti.

Um agente crucial na equação do saneamento básico é a conscientização. Uma vez que tenha ciência dos próprios direitos a população pode se transformar em agente mobilizador. Pode ainda reduzir a geração de lixo, aumentar a reutilização e separar material reciclável. E, mais que tudo, pode cobrar ação dos entes públicos, reforçando a fiscalização. 

 

 

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