Valor Econômico
Aprovação popular ao uso de violência em
ações da polícia abre precedente para que estratégia se prolifere pelo país
“Violência real e sensação aguda de
desproteção e impunidade formam um cenário perigoso. Nos subúrbios e favelas,
onde a violência está mais presente e o poder público mais ausente, direitos
humanos viraram sinônimo de ‘moleza com os bandidos’, em vez de proteção ao
cidadão. A lógica do medo transforma o delinquente num monstro contra o qual
toda violência é tolerada.”
O parágrafo acima foi retirado do programa de
governo do então candidato Fernando Henrique Cardoso, lançado nas eleições de
1994, e demonstra que desde aquele tempo a sociedade brasileira já se dividia a
respeito do uso excessivo da força no combate à criminalidade.
Em 2 de outubro de 1992 a polícia militar de São Paulo invadiu a Casa de Detenção do Carandiru durante uma rebelião e o saldo foi de 111 presos mortos (“quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres”). Pesquisa Datafolha realizada com 1.080 paulistanos logo após o massacre indicou que 53% dos entrevistados consideravam que os PMs haviam agido errado, enquanto 29% concordavam com a execução dos presos. Ao serem perguntados sobre quem seria responsável pelo massacre, os entrevistados se dividiam: 38% culpavam os policiais, 36% os próprios presos e 11% atribuíam a responsabilidade a ambos.
Voltando à leitura do programa de governo de
FHC em 1994, ele traz o receituário que até hoje é alardeado como o necessário
para um efetivo combate ao crime organizado: articulação entre a União e os
governos estaduais, coordenação institucional entre órgãos (Forças Armadas,
Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, polícias militares e civis
estaduais, Ministério Público etc.), reforço dos efetivos e dos equipamentos
militares, uso de tecnologia para monitorar a ação dos grupos criminosos,
combate à lavagem do dinheiro gerado pelo tráfico de drogas e de armas, entre
outras ações.
De lá pra cá, os dados mostram uma piora
considerável. A quantidade de homicídios por ano, que foi de 32.631 em 1994,
chegou a 45.747 mortes em 2023, tendo batido assustadores 65.602 mortos em
2017, segundo o Atlas da Segurança.
Apesar do alívio recente, as taxas de
homicídios no Brasil permanecem entre as mais altas do mundo. Essa situação tem
levado diversos governos a empreenderem ações de combate com os objetivos de
recuperar territórios dominados pelas organizações criminosas e de eliminar
suas principais lideranças.
No passado recente tivemos a estratégia das
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que entre dezembro de 2008 e março de
2014 ocupou favelas cariocas com a promessa de levar o Estado a áreas dominadas
pelo tráfico. Em julho de 2016, pesquisa da Fundação Getúlio Vargas com uma
amostra de 2.000 moradores de favelas mostrou que eles atribuíam notas entre
4,5 (UPPs mais novas) e 6,0 (UPPs mais antigas) para a experiência. O programa
foi abandonado institucionalmente em 2018.
Em fevereiro daquele ano, o presidente Michel
Temer decretou intervenção federal no Rio de Janeiro, motivado pela crise de
segurança pública. Sob o comando do general Walter Braga Netto, o Exército
assumiu o controle operacional das forças policiais estaduais. A ação teve amplo
apoio popular - pesquisa nacional do Datafolha com 2.826 entrevistados mostrou
que 76% eram a favor, enquanto enquete feita pelo Ibope com 602 cariocas
apontou uma aprovação de 83% localmente. Levantamento posterior feito pelo
Datafolha em dezembro de 2018 mostrou, porém, que os brasileiros estavam
divididos quanto aos seus resultados: 33% disseram que a segurança melhorou,
37% que nada havia mudado, 20% indicaram uma piora e 10% não souberam avaliar.
Como as soluções estruturais não avançam e as
estratégias de ocupação de território como as UPPs e a intervenção federal não
vingaram, a sensação de insegurança da população dispara. Levamentos periódicos
realizados pela Quaest indicam que desde maio deste ano a violência figura como
principal item de preocupação dos brasileiros. Em outubro de 2024 ela aparecia
em 17% das respostas e atualmente alcança 30%, bem acima dos problemas sociais,
que tira o sono de 18% dos entrevistados.
Tem-se aí o caldo de cultura propício para
ações violentas como a operação militar no Complexo do Alemão e na Penha. Os
121 mortos bateram o recorde de operação mais letal da história brasileira e
alcançaram amplo apoio popular. Com metodologias, abrangências e números de
entrevistados diferentes, as pesquisas da AtlasIntel e da Quaest feitas nos
últimos dias revelam um apoio de 64% entre os fluminenses (Quaest), 62,2% entre
os cariocas e 87,6% entre os moradores de favela do Rio (ambos números da
AtlasIntel).
Medidas de força contra a criminalidade já
haviam integrado programas de governo vencedores no passado recente, como a
defesa do excludente de ilicitude feita por Jair Bolsonaro e a utilização de
armas de guerra pelo governador Wilson Witzel em 2018.
Depois do “sucesso” da Operação Contenção,
vai ser difícil conter o uso populista da violência como plataforma eleitoral.

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