segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A ilusão da vitória, por Eduardo Ribeiro*

O Povo (CE)

O Brasil que naturaliza e até mesmo celebra a morte brutal de 134 pessoas em uma operação policial é o mesmo país que convive há décadas com altíssimos níveis de desigualdade e de precarização da vida de amplas parcelas de sua população. Que negligencia suas periferias e territórios populares, e criminaliza a pobreza, construindo uma narrativa onde o "inimigo" mora no morro, na favela ou na quebrada. É também um país que não resolveu as heranças de seu passado autoritário e escravocrata.

É possível entender a indiferença social diante do sofrimento e da morte como produto de um longo processo de desumanização das pessoas mais pobres, assim como das pessoas negras. Processo que transforma o sofrimento em rotina, que reduz a empatia e fortalece a ideia de que a violência e a brutalidade são não apenas justificáveis, como inevitáveis.

Esse comportamento expressa também a forma como o Brasil convive com sua desigualdade, assumindo-a como algo natural. Populações inteiras são desqualificadas e tratadas como perigosas, o que, no limite, permite que se defina quem deve ser protegido e quem é descartável, e pode ser eliminado. Em suma, quando parte da sociedade aplaude a barbárie, é porque foi ensinada a ver essas mortes como uma "limpeza" necessária, rumo à "vitória contra o mal".

Neste contexto, é que se torna defensável que uma política de segurança seja implementada como operação de guerra. É que são exterminados os "inimigos", quando se deveria proteger vidas. Nas megaoperações, o governo não apenas reprime o crime, mas encena o controle. A violência se torna espetáculo, produzindo efeitos midiáticos e político-eleitorais.

Entender esse processo é crucial para superar a ilusão de que operações letais, como a que resultou na chacina do dia 28 de outubro de 2025, representam "vitórias", e para reconhecermos que a comemoração da morte e a aceitação de que algumas vidas valem mais do que outras, são sintomas cruéis de uma sociedade cuja trajetória merece ser repensada.

*Sociólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Nenhum comentário: