quarta-feira, 29 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação expõe limite estadual no combate ao crime

Por O Globo

Ou governo federal e estados se unem para enfrentar facções criminosas, ou então todos sairão derrotados

A resistência feroz que a polícia fluminense encontrou na operação desta terça-feira contra o Comando Vermelho (CV) nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio, é demonstração eloquente dos limites enfrentados pelos governos estaduais no combate às organizações criminosas. A ação reuniu 2,5 mil policiais e deixou ao menos 60 mortos, entre eles quatro policiais, 56 suspeitos, além de vários inocentes feridos. Diante da incursão, os criminosos ergueram barricadas, incendiaram veículos e fecharam vias essenciais paralisando a cidade. Usaram até drones com explosivos para intimidar a polícia.

O secretário de Segurança do Rio, Victor Santos, reconheceu que o governo do estado não tem condição de enfrentar o tráfico. “Não dá para enfrentar sozinho”, afirmou. “É preciso que, sem ideologia, estado, União e município se sentem à mesa.” O governador Cláudio Castro cobrou “um trabalho de integração muito maior com as forças federais”. Ele disse que pediu apoio de blindados do Exército por três vezes e que os pedidos foram negados. O governo federal afirmou que não houve pedido de ajuda para a operação atual.

A milhares de quilômetros dali, o panorama não é diferente. A cidade colombiana de Leticia, na tríplice fronteira de Brasil, Colômbia e Peru, virou reduto do CV, hegemônico na região, como mostrou reportagem do GLOBO. É lá que a facção negocia com fornecedores a compra de droga, produzida em fazendas vizinhas. Como no Rio, autoridades locais admitem que, isoladamente, não têm como combater o crime. “A gente precisa que haja ação mais incisiva das forças federais, e falo das Forças Armadas mesmo, no combate ao tráfico de drogas”, diz o secretário de Segurança do Amazonas, coronel Marcus Vinicius de Almeida.

A incapacidade dos estados para enfrentar as organizações criminosas já deveria estar clara. Primeiro, porque as maiores, como CV e PCC, atuam em vários estados e até no exterior, dificultando as investigações. Segundo, porque em geral estão mais bem armadas que as forças locais — no Amazonas, policiais abortaram a abordagem de uma lancha ao ver uma arma capaz de derrubar pequenas aeronaves. Terceiro, porque dominam extensões significativas do território, onde as forças de segurança têm dificuldade para entrar.

Não há outra saída a não ser combatê-las, ou elas continuarão a estender seus domínios pela economia formal e até pelas instituições da República. Mas operações letais como a do Rio expõem a vida de policiais e inocentes, com poucos resultados práticos. Daí a necessidade de atuação mais efetiva do governo federal e de maior integração entre as forças de segurança, priorizando o uso de inteligência e tecnologia para asfixiar o crime financeiramente e planejar o foco das ações da polícia.

Executivo e Legislativo têm obrigação de se debruçar sobre o tema urgentemente. Não dá para adiar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, que prevê participação do governo federal e articulação entre as diversas forças, nem a legislação antifacção que o governo deve entregar ao Congresso. Eventuais divergências precisam ser superadas. Projetos aprovados recentemente são positivos, mas não resolverão o problema. O Brasil precisa de medidas capazes de tornar o Estado mais organizado que o crime. Ou governos federal e estaduais se unem para enfrentar as organizações criminosas, ou todos sairão derrotados.

Fazenda faz bem em tentar reduzir subsídios ao setor elétrico

Por O Globo

Energia solar gerada e jogada fora é exemplo de como incentivos além do razoável geram distorções

É especialmente feliz a iniciativa do Ministério da Fazenda para reduzir os subsídios ao setor elétrico. Não é novidade que grupos de pressão conseguiram inserir na legislação setorial, por meio dos proverbiais “jabutis”, benefícios a diversas modalidades de geração de energia: solar, eólica, pequenas centrais hidrelétricas e térmicas a gás. Em nenhum desses casos, a ajuda que o consumidor brasileiro dá às empresas foi submetida a avaliação metódica e sistemática para verificar se os benefícios superam o custo e se vale a pena mantê-la como política pública.

Por isso é mais que oportuna a nota técnica da Secretaria de Reformas Econômicas do ministério propondo uma revisão geral dos subsídios e subvenções que recaem sobre a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), dividida entre todos os consumidores. Uma das propostas mais sensatas é estabelecer um teto para os gastos com a CDE, tornando os beneficiados responsáveis por despesas que o ultrapassarem. Subsídio precisa ter limite.

Mas o problema não acaba aí. Todo subsídio gera distorção no mercado, na medida em que favorece a oferta de determinada tecnologia em detrimento das demais. Com preços distorcidos (uma energia mais barata que a outra), o equilíbrio natural entre oferta e demanda deixa de funcionar como sinal para a produção, gerando riscos tanto de excesso quanto de falta. No primeiro caso, é preciso jogar energia fora. No segundo, há apagões. “O atual arcabouço legal e regulatório, desenhado para um sistema hidrotérmico, tem gerado estímulos equivocados de expansão do sistema e riscos à operação do Sistema Interligado Nacional, associados a um aumento injustificável do preço da energia para todos”, diz a nota.

Em nenhum caso isso fica tão evidente quanto no incentivo à energia solar. Com o estímulo à geração distribuída, proliferaram painéis para captar luz do Sol e transformá-la em eletricidade. A energia que sobra é devolvida à rede elétrica, mas, como há milhares de pequenos geradores, o Operador Nacional do Sistema não tem controle sobre a potência total. O resultado é que, durante o dia, quando faz sol, tem sobrado energia, que acaba jogada fora (pelo mecanismo conhecido por curtailment). À noite, pode faltar se não for suprida por outras fontes. Numa das manobras legislativas, a isenção da cobrança pelo uso da rede de distribuição da energia foi estendida até 2045 para os pequenos geradores. Os técnicos do ministério recomendam, com razão, que esse prazo seja antecipado de forma escalonada a partir de 2026.

Esse é apenas um exemplo das distorções resultantes da regulamentação deficiente. A nota técnica elenca diversas outras que precisam ser corrigidas. Todas as medidas são objeto de propostas legislativas em tramitação e merecem atenção do Congresso (uma das prioridades deveria ser a dispensa da contratação obrigatória das térmicas a gás imposta na lei de privatização da Eletrobras). É preciso desfazer as distorções introduzidas pelos grupos de pressão na regulação do setor elétrico em nome do interesse de outro grupo bem mais importante: o consumidor.

A mortandade no Rio e o descalabro do crime organizado

Por Folha de S. Paulo

Operação contra o narcotráfico gera reação violenta, com bombas lançadas por drones, e deixa 64 mortos

A onipresença de facções é tragédia que exige ação integrada urgente entre RJ e União, e a população espera que esse diálogo venha a público

Cenas de guerra mostraram o poderio aterrador do crime organizado no Rio de Janeiro durante megaoperação nesta terça (28) contra a facção Comando Vermelho (CV). O resultado desastroso do combate ao narcotráfico foram ao menos 64 mortes, sendo 4 de policiais, na ação mais letal do gênero na história do estado.

A chamada Operação Contenção se deu nos complexos do Alemão e da Penha, que abrigam 26 comunidades. A resposta do CV foi fechar ruas com barricadas, boa parte delas com ônibus e caminhões roubados. Segundo o governo fluminense, os criminosos dispararam com fuzis e usaram drones para lançar bombas contra equipes e civis.

O saldo da intervenção descambou em disputa política. O governador Cláudio Castro (PL) queixou-se em entrevista do Supremo Tribunal Federal (STF), que fixou regras para ações policiais no estado, e do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que teria negado três pedidos para a ajuda das Forças Armadas em outras operações —não nesta. "O Rio está sozinho nessa guerra", declarou.

Em resposta, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse que o governador deve "assumir as suas responsabilidades" ou, caso julgue que não tem recursos suficientes para enfrentar o crime organizado, pedir formalmente intervenção federal, estado de sítio ou atuação das Forças Armadas na segurança pública.

Já o Ministério da Defesa afirmou ter colocado blindados à disposição de Castro em janeiro, mas que uma colaboração mais ampla dependeria da decretação de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) —o que já ocorreu no Rio em anos recentes.

Trata-se de um debate já contaminado por animosidades eleitorais, a um ano dos pleitos presidencial e estadual. É óbvio, a esta altura, que a onipresença de facções do narcotráfico (como o CV) se tornou uma tragédia que exige com urgência ação integrada entre o governo fluminense e a União —a população espera que o teor desse diálogo entre Rio e Brasília venha a público.

A hora é péssima para a demagogia praticada por Lewandowski. Pelo que disse o ministro, parece que não há meio termo entre a ação solitária da polícia do Rio, em um extremo, e uma intervenção federal, no outro. A realidade exige cooperação entre os dois governos para livrar a população do jugo desses grupos bárbaros.

Está em gestação agora um projeto de lei específico para o combate às facções, mas não será fácil, ao que parece, chegar a um entendimento político para sua rápida aprovação. De todo modo, a soma de esforços de governos e instituições, que já rendeu bons exemplos recentes, não deveria esperar a votação de leis.

Ameaça militar de Trump à Venezuela sobe de patamar

Por Folha de S. Paulo

EUA mobilizam até seu mais poderoso porta-aviões na concentração inaudita de ativos militares na região

Lula ofereceu-se como mediador, mas tarifaço americano, prepotência de Trump e afastamento entre o petista e Maduro dificultam a proposta

Desde seu primeiro mandato (2017-21), Donald Trump mantém uma relação oscilante com o comando do maior arsenal bélico da história. Naquela etapa inicial, hesitou em fazer uso da força, tentando manter a coerência de quem dizia rejeitar o papel de polícia global.

Já nesta segunda passagem pela Casa Branca, o republicano fez campanha ativa pelo Prêmio Nobel da Paz e bombardeou —literalmente— o programa nuclear do Irã, numa aparente contradição que revela um método.

Trump é um adepto da política à base de intimidação e força bruta. É isso que o leva, mesmo quando contrariado pelo impasse em torno da Ucrânia, a enaltecer Vladimir Putin sempre que pode.

Na América Latina, o americano bebe na fonte da antiga Doutrina Monroe, que desde o século 19 preconiza a área como zona de influência de Washington. Depois de coagir o Panamá a sair do guarda-chuva chinês, sugerindo uma via "manu mililtari", Trump voltou-se à Venezuela.

A ditadura de Nicolás Maduro é obviamente execrável e há suspeitas acerca de seus contatos com organizações criminosas transnacionais. Mas especialistas são unânimes em apontar que a versão montada por Trump, na qual o chavista chefiaria cartéis, parece fantasiosa demais.

Tendo equiparado por decreto as gangues a organizações terroristas, os Estados Unidos se veem livres para explodir embarcações que dizem ser de traficantes. Já foram 14 ataques com 57 mortos, os mais recentes anunciados nesta terça-feira (28), e está posto o debate acerca da legalidade das ações.

Trump promoveu uma concentração de ativos militares inaudita desde 1994, quando ao menos a desculpa de restaurar a democracia no Haiti era nobre. Há força expedicionária, navios, submarino e caças. O maior e mais poderoso porta-aviões do mundo, o USS Gerald Ford, ruma de águas europeias ao Caribe.

Somem-se a isso comandos já autorizados por Trump para agir contra Maduro em treino na região e sobrevoos de bombardeiros pesados, três em apenas duas semanas. Cabe suspeitar que as bravatas militares possam ganhar alguma concretude.

Assim, o cenário é cada vez mais perigoso, com agravantes regionais, dado que Trump também já direciona holofotes ao esquerdista Gustavo Petro, o presidente da Colômbia que é chamado pelo americano de produtor de drogas e foi objeto de sanções.

Ameaçado diretamente por impactos migratórios num eventual conflito, o Brasil testemunha o agravamento das tensões sem muitos recursos à disposição.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estabeleceu um canal de diálogo com Trump sobre o tarifaço comercial, ofereceu-se como mediador no domingo (26), mas a prepotência do americano e o afastamento entre o petista e Maduro dificultam a proposta.

Argentina dá voto de confiança a programa austero de Milei

Por Valor Econômico

Milei precisará agora fazer o que não tem feito, buscar alianças para consolidar seus programas liberais

Os eleitores argentinos continuam apoiando a política de austeridade do presidente Javier Milei, apesar de todos os sacrifícios que ela exigiu, e deram a ele uma grande vitória no pleito legislativo de domingo. Quando mesmo os membros do Liberdade Avança, partido de Milei, e seus assessores mais próximos mostravam dúvidas até a véspera se seriam bem-sucedidos ou não, as urnas apontaram repúdio claro às políticas irresponsáveis do peronismo, com mais um voto de confiança aos programas do governo, apesar dos custos da estabilização. Milei obteve condições políticas bem melhores para governar, com avanços sólidos no parlamento, mas isso só se traduzirá em sucesso se fizer alianças e corrigir rumos na economia.

Depois da euforia com o resultado, que derrubou o risco país em 40% e fez a bolsa subir mais de 30%, ontem o dólar voltou a encostar perto do teto superior da banda de variação, aonde chegara antes das eleições e obrigara a intervenções sucessivas de um governo quase sem divisas para gastar. Na frente econômica este é o problema mais imediato e um dos mais difíceis de resolver. Ao optar por uma banda de flutuação de 1% mensal, inferior à variação da inflação (2,1% em setembro, 31,8% em 12 meses), o peso tornou-se muito sobrevalorizado, com efeitos previsíveis: importações mais baratas, exportações menos competitivas, menor entrada de divisas. A Argentina, porém, comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que liberou mais US$ 20 bilhões em julho ao país, a aumentar as reservas. Isso não ocorreu.

Após a barbeiragem política de Milei, de nacionalizar uma eleição estadual na Província de Buenos Aires, governada pelos peronistas, e seus candidatos perderem por 14 pontos percentuais de diferença, a pressão cambial disparou, antevendo a erosão de força política do presidente e de seus projetos. Houve intervenções seguidas que por pouco não levaram a uma desvalorização desordenada e inflacionária. A Casa Rosada, para manter seus trunfos contra a inflação e obter dividendos eleitorais, segurou o câmbio o quanto pôde e só conseguiu porque o Tesouro americano abriu ao país uma linha de swap de US$ 20 bilhões e prometeu outro tanto em empréstimos privados. A banda cambial sobreviveu até a eleição, mas não resistirá muito tempo.

Revigorado politicamente, Milei ganhou tempo para que prepare um esquema de livre flutuação, como prega o FMI. Com o câmbio livre, o governo terá de aceitar alguma desvalorização, mas não precisará intervir com dólares escassos para defender cotações, medida que, pelas tentativas fracassadas do passado, nunca deu certo. O peso mais fraco resgata a competitividade das exportações, tolhe importações e permite recompor reservas.

As reformas podem abrir caminho para o crescimento e o aumento da produtividade. Na noite da vitória, Milei afirmou que vai acelerar os trâmites de mudanças trabalhistas e tributárias. No primeiro caso, quer fazer, por exemplo, com que negociações paritárias, entre trabalhadores e empresa, prevaleçam sobre os acordos coletivos, flexibilizar leis para facilitar contratações e demissões, permitir pagamento parcelado de multas e rescisões e outros pontos que desagradam aos sindicatos. Na reforma tributária, Milei disse que vai enxugar o número de impostos e reduzi-los, ampliando a base de contribuintes. O programa de privatizações, que inclui energia, hidrovias e ferrovias, deve ser agilizado.

A posição antes ultraminoritária do partido de Milei no Congresso deixou de ser empecilho para os planos do presidente. Com 41% dos votos, Liberdade Avança não só conseguiu um terço dos 257 votos da Câmara, o que lhe permite impedir a derrubada de vetos do Executivo a projetos contrários a sua política. Sozinho, o Liberdade obteve 93 cadeiras, 56 a mais do que tinha, e junto com aliados do Pro, 107, ultrapassando os peronistas, com 96 cadeiras, ficou mais perto da maioria de 129 votos para aprovar projetos de lei.

Milei precisará então fazer o que não tem feito: buscar alianças. No domingo, disse que irá realizá-las. Precisará reaproximar-se do Pro do ex-presidente Maurício Macri, que o apoiou no Congresso até agora, manter a seu redor parte da União Cívica Radical, lançar pontes ao Províncias Unidas, que reúne ex-governadores de seis Estados, com 12 cadeiras, e aos independentes. Milei acenou com uma reforma ministerial, com a qual contemplaria uma ou mais dessas forças políticas.

Tendo desdenhado antes de um amplo apoio, Milei precisará de toda a ajuda que puder obter. Enquanto seu partido cresceu tirando votos de todos os partidos de direita e centro, o Força Pátria, de Cristina Kirchner, ficou só um pouco menor no Congresso: perdeu 2 cadeiras na Câmara e 8 no Senado. A política ficou mais radicalizada: não houve espaço para os centristas das Províncias Unidas, e o embate concentra-se entre mileistas e peronistas.

Se fizer alianças certas, o caminho está aberto para Milei consolidar seus programas liberais. Nas eleições ele mostrou que um programa de austeridade, ainda que impopular, pode trazer votos a governantes, desde que mostre resultados palpáveis — na Argentina, em primeiro lugar, a derrubada da inflação, como conseguiu.

Lula vai para a sua enésima eleição

Por O Estado de S. Paulo

A pergunta é: para que ele quer mais um mandato? A esta altura, o Brasil, já pós-graduado em Lula, sabe bem qual é a resposta: só interessa ao petista a preservação do poder em si mesmo

Em sua recente passagem pela Indonésia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou em público, pela primeira vez de forma categórica, o que ninguém duvidava: será candidato à reeleição em 2026. Desde que voltou ao Palácio do Planalto, em janeiro de 2023, o País foi obrigado a ouvir sua cantilena eleitoreira como modo permanente de governar, invariavelmente modulada pelo jogo de cena de quem parecia estar hesitante sobre disputar um quarto mandato. Mas, em geral, ele condicionava ter seu nome na cédula eleitoral no ano que vem a não ter problemas de saúde. Agora, apressando-se em dizer que, aos 80 anos, está “com a mesma energia” de quando tinha 30, e certamente empolgado com a recuperação da popularidade que havia perdido durante boa parte do atual mandato, o petista foi claríssimo: “Eu vou disputar um quarto mandato. (...) Estou preparado para disputar outras eleições”.

É óbvio que, como presidente da República e político que há mais de 40 anos não sai dos palanques, Lula tem todo o direito de concorrer. A pergunta é: para que Lula quer mais um mandato?

A esta altura, o Brasil, já pós-graduado em Lula, sabe bem qual é a resposta: só interessa ao petista a preservação do poder em si mesmo. É improvável que o octogenário Lula surpreenda o País em seu eventual quarto mandato, que provavelmente será o mesmo governo medíocre de sempre, adornado com seu falatório populista e suas medidas eleitoreiras de curtíssimo prazo, mandando às favas, como de hábito, a responsabilidade fiscal. Será, portanto, apenas o exercício da vaidade de quem se crê insubstituível.

O problema é que o Brasil de 2027 exigirá um governo comprometido com o enfrentamento de uma crise fiscal de grande magnitude. Isso significa que esse novo governo terá de promover reformas profundas e potencialmente impopulares, como na Previdência e no serviço público, além de liderar politicamente o desengessamento do Orçamento, hoje capturado por interesses paroquiais de parlamentares e comprometido com despesas obrigatórias que crescem em progressão geométrica. O cenário de despesas que crescem num ritmo muito superior à expansão da economia, num país com baixíssima taxa de poupança e com produtividade medíocre, pressiona a inflação, mantém os juros na estratosfera e praticamente inviabiliza os investimentos necessários para o desenvolvimento sustentável e de longo prazo do Brasil.

Lula não tem a menor vocação para enfrentar nenhuma dessas questões. Pelo contrário: acredita piamente – e não temos razão para esperar que mude de ideia a esta altura – que o País só não cresce porque “as elites” estão confortáveis com a renda auferida pelos juros altos, ignorando o fato de que é a gastança de seu governo – numa combinação de oferta irresponsável de crédito subsidiado e de gastos exorbitantes, muitos deles à margem do Orçamento – que leva o Banco Central ao aperto monetário.

Um quarto governo Lula, portanto, tem tudo para ser no mínimo tão ruim quanto este. E o presidente não esconde que, se as urnas lhe sorrirem mais uma vez, pretende ser ainda mais radical. Se no primeiro mandato Lula comprometeu-se a respeitar os fundamentos econômicos na famosa Carta ao Povo Brasileiro, e neste terceiro mandato acenou com a formação de uma “frente ampla” pela democracia, agora o presidente dá a entender que será mais esquerdista do que nunca.

O mais recente sinal disso foi a nomeação do ex-arruaceiro Guilherme Boulos para ser ministro da Secretaria-Geral da Presidência, que terá a missão, em suas palavras, de “colocar o governo na rua”. Não se sabe se, com isso, Lula ungiu Boulos como seu sucessor, mas o fato é que sua presença no governo e na campanha dá o tom de confronto que o presidente decidiu adotar contra o “andar de cima”, numa reedição tosca da luta de classes.

E assim vamos. Dado que os possíveis adversários de Lula são hoje reféns da família Bolsonaro, incapazes de decidir se o mais importante é bajular o ex-presidente golpista ou derrotar o petista, compreende-se a confiança lulista – e, quanto maior a confiança de Lula, pior para o Brasil.

USP se dobra à intolerância

Por O Estado de S. Paulo

Ao suspender cooperação com uma universidade de Israel, os ‘humanistas’ da USP rompem com o pluralismo em favor da performance ideológica. E boicotam o saber com pose de heroísmo

Em nome da “ética institucional”, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP rompeu relações com a Universidade de Haifa, de Israel. O gesto escancara uma subversão de propósitos: taras ideológicas ditam os termos da política acadêmica, em detrimento da produção e transmissão do conhecimento.

A FFLCH se autoinfligiu um dano duplo – simbólico e material. Simbólico, por negar legitimidade a uma universidade com destacado protagonismo científico, cultural e humanista. Material, porque depaupera canais de cooperação intelectual, justamente em áreas – como os estudos judaicos ou a língua hebraica – que a própria faculdade deveria cultivar.

A justificativa oficial? As “práticas sádicas” de Israel em Gaza. A verdadeira razão? O triunfo de um espírito cada vez mais dominante nos câmpus: o da intolerância disfarçada de virtude, o da hostilidade seletiva a Israel mascarada de compaixão pelos palestinos.

Se o critério foi a defesa dos direitos humanos, por que só Israel foi punido? A mesma USP que cancela Haifa mantém convênios com universidades da Rússia, que assassina opositores, iniciou a guerra mais perigosa para a paz mundial desde a invasão da Polônia pela Alemanha nazista, bombardeia civis e sequestra crianças ucranianas. Também mantém acordos com universidades da Venezuela e de Cuba, governados por infames ditaduras. Além disso, há acordo de cooperação com uma universidade do Irã, o maior patrocinador dos terroristas do Hamas, responsáveis não só pelo maior massacre de judeus desde o Holocausto, mas por décadas de opressão sangrenta dos próprios palestinos.

A Universidade de Haifa é, por sinal, tudo o que seus detratores fingem ser. É plural, multicultural, uma das mais integradas entre árabes e judeus em Israel. Seu câmpus abriga pesquisas avançadas em linguística, neurociência, história e direito humanitário. Romper com Haifa não é um ato de “resistência”, mas de violência ao conhecimento.

Mas coerência nunca foi o forte da militância progressista que domina departamentos inteiros de humanidades. A Unicamp rompeu um acordo de cooperação com o Instituto de Tecnologia de Israel. A Universidade de Brasília cancelou o curso de um professor israelense porque alunos pró-Hamas vasculharam suas redes e encontraram postagens favoráveis às Forças de Defesa de Israel – de 2017. Palestrantes judeus são alvos de difamações, cancelamentos e ameaças. Nos EUA e na Europa, universidades registram uma escalada de antissemitismo disfarçado de antissionismo. E por aqui, como de hábito, a vanguarda “decolonial” corre para copiar os modismos das elites intelectuais das metrópoles.

O problema não está só nas manifestações – está na covardia institucional. Ao invés de defender o princípio basilar da universidade – o pluralismo de ideias –, as administrações dobram-se à gritaria. A da FFLCH não pode sequer alegar ignorância. Alunos do curso de Hebraico alertaram para o prejuízo. Foram ignorados. Estudos judaicos, história do Oriente Médio, literatura israelense, tudo isso sai perdendo. Mas o que são línguas e bibliotecas para quem só quer gritar “genocídio” no megafone do centro acadêmico?

A universidade pública brasileira – bancada com o dinheiro do contribuinte – vive um momento difícil. Em alguns casos, em vez de formar cidadãos livres, fabrica militantes biônicos, em vez de promover a dúvida, cultiva certezas dogmáticas e em vez de oferecer abrigo à diversidade intelectual, reprime tudo o que desafia o credo dominante.

Ao romper com Haifa, a FFLCH não fez um gesto de coragem. Fez um gesto de rendição. Rendeu-se ao anti-intelectualismo, ao sectarismo, ao linchamento performático. Em nome da “ética”, sacrifica a integridade. Em nome da “paz”, sufoca o diálogo. Em nome dos “direitos humanos”, glamouriza seus mais brutais violadores.

Num tempo em que o antissemitismo se espalha como gás venenoso sob a capa de causas nobres, a universidade que se cala – ou, pior, que aplaude – repete o erro sinistro dos que julgam estar do lado certo da História enquanto ajudam a apagá-la. Se a missão da USP nesse caso era educar, fracassou.

Inação contra o crime

Por O Estado de S. Paulo

Demora em aprovar projeto contra devedor contumaz facilita a vida dos criminosos

Se o atual Congresso estivesse genuinamente preocupado em preservar a estabilidade econômica e social do País, teria aprovado sem demora o projeto que visa a fechar o cerco à infiltração de criminosos na economia formal. Mas não: o texto, que pune devedores contumazes – um eufemismo para designar caloteiros intencionais e reincidentes –, completa três anos tramitando sem conclusão.

A saga remonta a setembro de 2022, quando a proposta de criação do Código de Defesa dos Contribuintes iniciou o percurso por quatro comissões diferentes do Senado até chegar ao plenário da Casa dois anos depois, onde hibernou por mais um ano até que a operação “Carbono Oculto”, deflagrada pela Receita, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de São Paulo, em agosto deste ano, revelou um grande esquema de sonegação e lavagem de dinheiro do PCC no mercado de combustíveis que atingiu o centro financeiro do País, a Faria Lima, em São Paulo.

A investigação listou dezenas de fundos de investimentos utilizados como estruturas de ocultação de patrimônio do crime organizado, e foi preciso que a grande repercussão do caso despertasse os senadores para a urgência do projeto, votado e aprovado na semana seguinte. Daí começou a segunda etapa dessa história, com o envio do projeto à Câmara, para avaliação dos deputados.

A operação policial que desmantelou o elo do crime na cadeia de combustíveis, com mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos – pessoas físicas e jurídicas – em oito Estados, gradativamente saiu da ordem do dia, e o projeto foi voltando à gaveta. O risco de um novo período de imobilidade, considerando que nada aconteceu durante um mês, motivou o lançamento de um manifesto em que oito frentes parlamentares declaram apoio ao projeto de lei.

Fatos como esse, além do inconformismo que provocam, atiçam a curiosidade sobre que tipo de interesse mantém medidas de reconhecida importância para o País em segundo plano no ofício legislativo. Em jantar com empresários e representantes das frentes parlamentares signatárias do manifesto, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, foi claro ao indicar quem o projeto que institui a figura do devedor contumaz pretende atingir: “Não estamos falando de contribuintes, mas de bandidos que se utilizam de estruturas empresariais para movimentar, ocultar e lavar dinheiro de atividades criminosas”. Trata-se de sonegadores, como frisou, que além disso são capazes de matar.

Depois da pressão, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), informou ao Estadão que irá pautar a urgência do projeto em plenário. O mínimo que se espera é que esteja realmente entre os primeiros itens da pauta da semana parlamentar, já que não há razão plausível para a demora. A não ser, é claro, que o poder de algum lobby esteja se sobrepondo ao interesse maior da sociedade que elegeu os deputados que a representam.

Saneamento falho ameaça o futuro

Por Correio Braziliense

Caso a oferta atual do serviço não se altere, extensos períodos de racionamentos de água podem virar uma realidade no país, alerta estudo do Instituto Trata Brasil

Divulgado, ontem, pelo Instituto Trata Brasil, o estudo Demanda futura por água em 2050: desafios da eficiência e das mudanças climáticas trouxe números alarmantes do saneamento básico no país. Segundo a pesquisa, extensos períodos de racionamentos de água podem virar uma realidade no país. A previsão é de que brasileiros e brasileiras enfrentem, em média, até 12 dias de interrupção total do abastecimento de água por ano até 2050 caso a oferta atual do serviço não se altere. Em regiões mais secas, como Nordeste e Centro-Oeste, o racionamento poderia chegar até mesmo a um mês.

O cálculo sintetiza um problema de dimensões complexas. De um lado, há as significativas perdas de água na distribuição por parte do sistema de abastecimento — estima-se que 40% da água tratada no país não chega às torneiras; de outro, uma projeção de aumento de 59,3% na demanda pelo serviço nas próximas duas décadas, diante do crescimento populacional e da expansão econômica, especialmente da indústria. 

Nesse último recorte, pesam também as mudanças climáticas, que elevam as temperaturas e, consequentemente, o consumo — o estudo indica que, a cada 1°C adicional na temperatura, eleva-se o consumo per capita de água em 24,9%. Sem contar com a possibilidade clara de diminuição da chuva nas próximas décadas, uma peça-chave da equação.

Vale lembrar que o Marco Civil do Saneamento estabelece o ano de 2033 como meta para universalizar o acesso à água e ao esgoto tratado no país. No entanto, o maior desafio para alcançar o objetivo é levar o serviço para os rincões interioranos, onde a falta de investimentos em tecnologia, pessoal e planejamento se impõe. 

Em nota, Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, alerta que o momento para reverter esse cenário é agora. "É fundamental agir agora para promover eficiência e preparar o país para enfrentar os desafios que as mudanças climáticas trarão nos próximos anos". Os desdobramentos, continua, terão "impactos severos na saúde e na qualidade de vida das pessoas". O ponto de partida, segundo ela, é melhorar a eficiência no sistema, reduzindo perdas e equilibrando ofertas e demandas.

Parte da solução passa pelos chamados consórcios intermunicipais. Em vez das prefeituras menores atuarem de maneira isolada, a formação de conglomerados fortalece os municípios na busca por investimentos. Essa união pode, inclusive, facilitar a concessão à iniciativa privada, apesar dessas empresas, historicamente, não prestarem um serviço necessariamente melhor do que as autoridades públicas. Há, ainda, outro desafio óbvio: como atrair investimentos também para as regiões mais vulneráveis? 

No plano nacional, a administração de Lula corre contra o tempo para cumprir a meta prevista pelo Marco Civil do Saneamento - o que também será incumbência de quem assumir o Planalto a partir de 2027. No Congresso, a classe política até tentou ampliar o prazo traçado para 2033, mas a repercussão negativa fez o projeto caducar. O recado da sociedade é direto: não dá para falar em país desenvolvido sem saneamento básico para 100% dos brasileiros.

SUS é utilizado por 84% dos brasileiros

Por O Povo (CE)

É preciso reafirmar o SUS como uma importante conquista democrática para garantir a todos o direito à saúde

Para marcar a passagem de 35 anos de existência do Sistema Único de Saúde, neste 2025, foram publicados estudos mostrando que o SUS consolidou-se como o maior sistema público, gratuito e universal do mundo, com acesso livre a todos que o procuram.

O Ministério da Saúde (MS), com dados do DataSUS, informa que a grande maioria dos brasileiros depende diretamente do sistema. Os números indicam que o SUS realiza 2,8 bilhões de atendimentos ao ano, sob a responsabilidade de 3,5 milhões de profissionais em atuação.

Como lembra o Ministério da Saúde, a Constituição de 1988 deixou como legado um capítulo inteiro dedicado à saúde, prevendo que o sistema deveria ser universal e gratuito, estabelecido como direito de todos e dever do Estado. A regulamentação do sistema ocorreu dois anos mais tarde, no dia 19 de setembro de 1990.

Dados do governo mostram que, atualmente, 76% da população brasileira dependem exclusivamente do SUS para serviços médicos e odontológicos. Contando com aqueles que utilizam o sistema em algum momento, como para exames, vacinas e emergência, esse percentual chega a 84%.

Alguns números do SUS impressionam, como ter a maior rede pública de transplantes do mundo, com recorde de 30 mil procedimentos realizados em 2024, segundo informações do MS. Ou como o seu extenso serviço de vacinação — que erradicou a poliomielite em 1994 —, e protege, principalmente as crianças, de aproximadamente outras 25 doenças graves.

O SUS já faz parte do dia a dia dos brasileiros, que o tomam — como deve ser — como um direito inalienável e que deve estar à disposição quando demandado. No entanto, é interessante observar como estrangeiros reagem, quando estão no Brasil, e precisam procurar uma emergência médica.

Tornou-se notícia o espanto do jornalista americano Terrence McCoy, repórter do The Washington Post, quando, em julho deste ano, após sofrer um acidente doméstico em Paraty (RJ), recorreu a um serviço de emergência. Ele passou por raio x, tomografia, sutura na cabeça, recebeu medicamentos e saiu sem pagar nada. "Isso não existe nos Estados Unidos", disse ele, comentando os altos custos dos serviços médicos em seu país.

É ainda preciso observar que a quantidade brasileiros que dependem do SUS vem aumentando: era de 71,5% em 2019 (IBGE), subindo para os atuais 76% (Ministério da Saúde), mostrando a necessidade de mais investimentos no setor.

Enaltecer o SUS não significa esconder os problemas que existem no sistema, pelo contrário é preciso expô-los para melhorar a sua administração. O SUS padece de crônico subfinanciamento; faltam médicos, remédios e existem extensas filas para cirurgias eletivas, desafios que precisam ser superados.

Mas é preciso reafirmar o SUS como uma importante conquista democrática para garantir a todos os brasileiros o direito à saúde.

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