Valor Econômico
Instituição vai anunciar nesta segunda-feira uma ampla revisão nos requerimentos mínimos de capital para a operação de instituições financeiras
O pêndulo da regulação vai oscilar mais uma vez para o lado da segurança, depois de ter avançado em demasia para o lado da competição. O Banco Central vai anunciar nesta segunda-feira uma ampla revisão nos requerimentos mínimos de capital para a operação de instituições financeiras.
A notícia foi antecipada na semana passada pelo diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino, em evento da Fenasbac. “Faz mais de 30 anos que não fazemos uma revisão profunda de capital das instituições autorizadas”, disse. “Acho que a gente chegou a um bom momento para dialogar acerca de capital.”
Há dois problemas principais para resolver.
Primeiro, garantir que todas as instituições financeiras em operação -
incluindo bancos, corretoras, instituições de pagamento e empresas de consórcio
- tenham um mínimo de capital adequado para fazer frente aos custos e riscos de
operação.
Os requerimentos mínimos de capital, que em
alguns casos foram criados há 30 anos, não foram atualizados pela inflação. E,
com os avanços tecnológicos ocorridos desde então, é necessário mais capital
para garantir que sejam feitos investimentos robustos em segurança e para
cobrir os custos ligados a riscos operacionais. No caso, não está se falando
sobre os requerimentos de capital para exposição a risco de Basileia, mas sim
aquele mínimo que o candidato a banqueiro tem que botar para abrir o negócio.
Nos últimos anos, o Banco Central relaxou as
exigências para a entrada de novos participantes, e isso foi muito bom para
injetar competição e inovação num mercado que estava se tornando cada vez mais
concentrado. Mas episódios recentes, como os ataques feitos pelo crime
organizado no sistema de pagamentos, mostraram como há elos fracos que precisam
ser reforçados. Para operar no sistema financeiro, é preciso ter capital - que,
em última instância, protege o dinheiro dos clientes e também dos contribuintes,
que às vezes são chamados a pagar a conta quando há quebradeira.
Outro problema detectado que levará à mudança
nos requerimentos de capital mínimo é que, da forma como o sistema está
estruturado, ele abre uma avenida para a arbitragem regulatória. As exigências
de capital para abrir um banco são bem maiores do que para outras atividades,
como abrir uma corretora de valores mobiliários, uma corretora de câmbio ou uma
instituição de pagamento.
O que está acontecendo: há quem abra várias
instituições financeiras, formando uma colcha de retalhos que, na prática,
funciona como um banco. Mas essa espécie de banco sintético tem um capital
mínimo bem menor do que um banco que faz a mesma coisa.
O princípio que vai ser adotado é o de “mesma
atividade, mesmo risco, mesma regulação”. Ele vem sendo defendido por Brasil,
União Europeia, Reino Unido e Canadá nas reuniões do Conselho de Estabilidade
Financeira (FSB, na sigla em inglês).
O FSB está colocando o foco, principalmente,
na atividade das instituições financeiras não bancárias, que ganharam
protagonismo nas últimas décadas e, na prática, estão operando como bancos. O
grupo de países citados defende que a regulação seja aplicada a todos. Já os
Estados Unidos sustentam, numa posição isolada, que as instituições não bancárias
cresceram porque, no pós-crise financeira global de 2008, os governos apertaram
a regulação sobre os bancos. Os americanos defendem nivelar a regulação por
baixo.
No caso brasileiro, o que preocupa mesmo,
entre as instituições não bancárias, são os fundos de investimento - entre
eles, os Fundos de Direito Creditório (FIDCs), que cresceram de forma
acelerada. O FSB citou em relatório o Brasil entre os países cujos ativos de
instituições não bancárias mais crescem no mundo todo.
Mas o Banco Central não tem poder de
supervisão sobre esses fundos - eles estão sob o guarda-chuva da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM). A questão é, como fazem crédito e estão sujeitos a
crises de liquidez, algum dia podem bater na porta do BC pedindo socorro, como
aconteceu no Reino Unido na crise do miniorçamento da ex-primeira-ministra Liz
Truss.
Com as mudanças no sistema de capital mínimo,
o Banco Central procura olhar, de certa forma, para as instituições não
bancárias que estão sob a sua jurisdição. Como tem repetido o presidente da
instituição, Gabriel Galípolo, o BC está procurando a chave de casa perdida
embaixo do poste - não porque caiu ali, mas porque há luz. Quando e se o seu
perímetro regulatório for alargado - o que se pretendia fazer com a PEC da
Independência Administrativa do BC -, os mesmos princípios de “mesma atividade,
mesmo risco, mesma regulação” poderão ser empregados a todos.
A nova regulamentação dos requerimentos
mínimos de capital vai estabelecer um novo princípio. Em vez de impor
requerimento pelo tipo de empresa, ou CNPJ, vai ser pela atividade que faz.
Banco, cadeira e sofá vão ter um mesmo requerimento, se a atividade é dar lugar
para alguém sentar.
Outra coisa importante: os requerimentos de capital vão subir, para todos, inclusive para os bancos, já que eles não vinham sendo atualizados nem mesmo pela inflação. Ou seja, todos devem reclamar, os bancões e as fintechs. Como sempre, o Banco Central vai dar um tempo para todos se adequarem às novas regras.

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