quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Interseção entre as crises da Venezuela e do Rio, por Fernando Exman

Valor Econômico

Uma eventual queda do regime de Maduro pode levar milicianos a se livrarem das armas, abrindo uma grande oportunidade para as facções brasileiras

Enquanto se aproximava da costa venezuelana o USS Gerald R. Ford, maior porta-aviões do mundo e símbolo da projeção de poder dos Estados Unidos, a imprensa oficial da ditadura de Nicolás Maduro transmitia imagens de cidadãos comuns com fuzis na mão recebendo treinamento. É a Milícia Nacional Bolivariana, que, segundo os números muito provavelmente inflados pelo governo local, conta com 4,5 milhões de integrantes.

São homens e mulheres de todas as idades, armados e sem experiência militar, mas que juram fidelidade ao seu líder e disposição para enfrentar uma força invasora. São, portanto, um obstáculo para os planos dos EUA e, de forma indireta, também um potencial problema para a segurança pública brasileira: as Forças Armadas temem que esse arsenal possa entrar ilegalmente no Brasil, em caso de colapso do Estado venezuelano.

Não é a primeira vez que Trump ameaça o país vizinho. Em seu primeiro mandato, no fim de janeiro de 2019, o presidente americano declarou a jornalistas que “todas as opções estavam sobre a mesa” em relação à Venezuela. Ele acabara de considerar ilegítimo o governo de Maduro e apoiar Juan Guaidó, presidente da Assembleia e autodeclarado presidente, líder interino.

Não funcionou. Anos depois, Juan Guaidó vive como exilado nos Estados Unidos.

Já Donald Trump está de volta à Casa Branca. Dizem que está de olho em formas de inviabilizar o financiamento do governo de Cuba, aliado estratégico de Maduro, no petróleo e também no combate ao narcotráfico. Sinalizou que não pretende pedir autorização ao Congresso para realizar eventuais ataques e, aparentemente, desdenhou da oferta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de uma saída pacífica intermediada pelo Brasil.

Mas se por um lado Trump decidiu influenciar as recentes eleições argentinas com dinheiro, a abordagem com a Venezuela é bem diferente. O USS Gerald R. Ford é dotado de dezenas de aeronaves, um poderoso arsenal de mísseis e hospeda 5 mil marinheiros. Tem capacidade para executar as duas formas possíveis de ação pela força em situações desse tipo.

A primeira é a realização de uma campanha de bombardeios de precisão. Em tese, uma intervenção desse tipo exige operações aéreas e marítimas. Um porta-aviões é capaz de estabelecer uma zona de exclusão aérea na costa inimiga, atacar alvos militares e impor danos a objetivos estratégicos, como bases aéreas, instalações de defesa, centros de comando e empreendimentos de infraestrutura. É de onde partiriam aviões, helicópteros e drones para as missões.

A outra forma plausível de se executar uma intervenção militar é uma invasão por terra. Soldados desembarcariam na Venezuela após uma série de bombardeios e ações pontuais executadas por equipes de operações especiais. Antes de ocuparem locais estratégicos, precisariam enfrentar as Forças Armadas e as milícias de Maduro. Para uma solução de curto prazo, seria essencial fazer com que os militares venezuelanos abandonassem o governo bolivariano. No melhor cenário, eles desertariam e apoiariam uma nova administração civil. Seria evitada, assim, uma escalada do conflito.

No outro extremo, a operação se estenderia, haveria a morte de inúmeros civis inocentes, o aparato de segurança interno seria implodido e o que resta da economia venezuelana se desintegraria. Os EUA enfrentariam uma guerrilha, tendo que avançar por cada rua e cada casa. Não são boas as experiências nesse contexto. Seria necessária a manutenção de tropas no país por anos, provavelmente com um número considerável de baixas e um alto custo financeiro.

A ação, sobretudo se seguida por uma ocupação prolongada e a ocorrência de casos de abusos contra a população, aumentaria o sentimento antiamericano na região. Além disso, o colapso do Estado resultaria em uma situação de anomia. As ruas seriam tomadas por criminosos e muitos venezuelanos tentariam fugir.

É neste ponto que cresce a preocupação de militares brasileiros. A experiência com a Operação Acolhida, exemplo positivo de resposta humanitária a crises de refugiados, mostra que infelizmente nem todos os venezuelanos que tentaram entrar no país por Roraima eram cidadãos buscando trabalho e uma vida melhor.

Não se descarta, também, que uma eventual queda do regime leve um número considerável de milicianos a se livrar das armas. Seria uma grande oportunidade para as facções brasileiras, que atuam de forma transnacional em uma fronteira de difícil monitoramento e proteção, terem acesso a esses equipamentos a preços baixos.

Geopolítica, defesa da soberania e respeito ao direito internacional são alguns dos aspectos observados pelas autoridades brasileiras quando falam das ameaças do presidente americano à Venezuela. Mas não se pode esquecer da segurança pública.

Segundo números preliminares, 93 fuzis foram apreendidos na megaoperação das polícias civil e militar do Rio de Janeiro nessa terça-feira (28). Considerando o ano todo, o número chega a 686 - um recorde para o Estado. Além do elevado número de mortes, esse é um dado que não pode ser desprezado.

 

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