Valor Econômico
Uma eventual queda do regime de Maduro pode levar milicianos a se livrarem das armas, abrindo uma grande oportunidade para as facções brasileiras
Enquanto se aproximava da costa venezuelana o
USS Gerald R. Ford, maior porta-aviões do mundo e símbolo da projeção de poder
dos Estados Unidos, a imprensa oficial da ditadura de Nicolás Maduro transmitia
imagens de cidadãos comuns com fuzis na mão recebendo treinamento. É a Milícia
Nacional Bolivariana, que, segundo os números muito provavelmente inflados pelo
governo local, conta com 4,5 milhões de integrantes.
São homens e mulheres de todas as idades, armados e sem experiência militar, mas que juram fidelidade ao seu líder e disposição para enfrentar uma força invasora. São, portanto, um obstáculo para os planos dos EUA e, de forma indireta, também um potencial problema para a segurança pública brasileira: as Forças Armadas temem que esse arsenal possa entrar ilegalmente no Brasil, em caso de colapso do Estado venezuelano.
Não é a primeira vez que Trump ameaça o país
vizinho. Em seu primeiro mandato, no fim de janeiro de 2019, o presidente
americano declarou a jornalistas que “todas as opções estavam sobre a mesa” em
relação à Venezuela. Ele acabara de considerar ilegítimo o governo de Maduro e
apoiar Juan Guaidó, presidente da Assembleia e autodeclarado presidente, líder
interino.
Não funcionou. Anos depois, Juan Guaidó vive
como exilado nos Estados Unidos.
Já Donald Trump está de volta à Casa Branca.
Dizem que está de olho em formas de inviabilizar o financiamento do governo de
Cuba, aliado estratégico de Maduro, no petróleo e também no combate ao
narcotráfico. Sinalizou que não pretende pedir autorização ao Congresso para
realizar eventuais ataques e, aparentemente, desdenhou da oferta do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva de uma saída pacífica intermediada pelo Brasil.
Mas se por um lado Trump decidiu influenciar
as recentes eleições argentinas com dinheiro, a abordagem com a Venezuela é bem
diferente. O USS Gerald R. Ford é dotado de dezenas de aeronaves, um poderoso
arsenal de mísseis e hospeda 5 mil marinheiros. Tem capacidade para executar as
duas formas possíveis de ação pela força em situações desse tipo.
A primeira é a realização de uma campanha de
bombardeios de precisão. Em tese, uma intervenção desse tipo exige operações
aéreas e marítimas. Um porta-aviões é capaz de estabelecer uma zona de exclusão
aérea na costa inimiga, atacar alvos militares e impor danos a objetivos
estratégicos, como bases aéreas, instalações de defesa, centros de comando e
empreendimentos de infraestrutura. É de onde partiriam aviões, helicópteros e
drones para as missões.
A outra forma plausível de se executar uma
intervenção militar é uma invasão por terra. Soldados desembarcariam na
Venezuela após uma série de bombardeios e ações pontuais executadas por equipes
de operações especiais. Antes de ocuparem locais estratégicos, precisariam
enfrentar as Forças Armadas e as milícias de Maduro. Para uma solução de curto
prazo, seria essencial fazer com que os militares venezuelanos abandonassem o
governo bolivariano. No melhor cenário, eles desertariam e apoiariam uma nova
administração civil. Seria evitada, assim, uma escalada do conflito.
No outro extremo, a operação se estenderia,
haveria a morte de inúmeros civis inocentes, o aparato de segurança interno
seria implodido e o que resta da economia venezuelana se desintegraria. Os EUA
enfrentariam uma guerrilha, tendo que avançar por cada rua e cada casa. Não são
boas as experiências nesse contexto. Seria necessária a manutenção de tropas no
país por anos, provavelmente com um número considerável de baixas e um alto
custo financeiro.
A ação, sobretudo se seguida por uma ocupação
prolongada e a ocorrência de casos de abusos contra a população, aumentaria o
sentimento antiamericano na região. Além disso, o colapso do Estado resultaria
em uma situação de anomia. As ruas seriam tomadas por criminosos e muitos
venezuelanos tentariam fugir.
É neste ponto que cresce a preocupação de
militares brasileiros. A experiência com a Operação Acolhida, exemplo positivo
de resposta humanitária a crises de refugiados, mostra que infelizmente nem
todos os venezuelanos que tentaram entrar no país por Roraima eram cidadãos
buscando trabalho e uma vida melhor.
Não se descarta, também, que uma eventual
queda do regime leve um número considerável de milicianos a se livrar das
armas. Seria uma grande oportunidade para as facções brasileiras, que atuam de
forma transnacional em uma fronteira de difícil monitoramento e proteção, terem
acesso a esses equipamentos a preços baixos.
Geopolítica, defesa da soberania e respeito
ao direito internacional são alguns dos aspectos observados pelas autoridades
brasileiras quando falam das ameaças do presidente americano à Venezuela. Mas
não se pode esquecer da segurança pública.
Segundo números preliminares, 93 fuzis foram
apreendidos na megaoperação das polícias civil e militar do Rio de Janeiro
nessa terça-feira (28). Considerando o ano todo, o número chega a 686 - um
recorde para o Estado. Além do elevado número de mortes, esse é um dado que não
pode ser desprezado.

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