Folha de S. Paulo
Por que o país se acostumou à violência,
problema até para quem se ocupa só de dinheiro?
Crime organizado se fortalece, propaganda
direitista de cometer massacre policial também
Esta terça, 28 de outubro, é um dia, um de
tantos, em que pessoas em tese dedicadas a discutir os assuntos brasileiros
devemos dizer algo sobre a violência, mesmo que não tenhamos novidades ou
conhecimento especializado. Seria um ritual, um minuto de silêncio, bandeira a
meio pau, oração, meditação. Pelo menos.
Sim, um momento de meditação sobre o que aconteceu no Rio de Janeiro. Para quase todos nós, que não somos especialistas ou suficientemente informados, não seria o caso ou hora de aplicar sociologias, antropologias, economias, criminologias, histórias, direitos ou políticas para explicar mais este dia de horror, este outro surto sintomático de um mal de todos os dias, cotidiano, mas que vai piorar, ao qual nos acostumamos, de alguma maneira. Nos acostumarmos ao mal também não é surpresa.
Pessoas, populações quase inteiras, na
prática se acostumam a guerras, ocupação estrangeira, ditaduras, misérias,
genocídio (dos outros) ou a epidemias, como acabamos de experimentar, para
espanto duradouro de poucos, em geral santos, doidos, poetas e estranhos de
gênero parecido, talvez uns cientistas e filósofos.
Como nos desacostumamos? A questão é, enfim,
saber como pode haver revolta, na prática. Como "aqui é Brasil", a
pergunta logo toma forma cínica.
Horrores e indignidades temos aos montes.
Muitos males são tão mal distribuídos quanto a renda: doença, morte precoce,
racismo, escola ruim, casa precária, casa nenhuma, o direito prático de
interrupção segura da gravidez, emprego massacrante, nenhum emprego e até mesmo
os efeitos da violência criminosa, inclusive dos massacres policiais.
Mas insegurança e violências derivadas afetam
muita gente de muitos modos, negócios grandes e dinheiro grosso inclusive. No
mínimo são prejuízo. Por que nem aí há revolta, por interesse próprio, ao
menos?
Para ser ainda mais vulgar e desumano, o
mesmo crime (de Estado inclusive) que barbariza pobres é problema sistêmico que
prejudica a eficiência econômica, digamos.
O crime é feito de empresas, formais ou
informais, algumas internacionalizadas, várias conectadas com a "economia
legal" (quem compra ouro, madeira, gado e terra ilegal? Pirataria e
contrabando? As facções estão em todos esses negócios).
O crime, dos quais um dos ramos é o
narcotráfico, se organiza em redes que conectam finança, imóveis, comércio,
combustíveis, como se vai descobrindo das atividades do PCC, que é o Comando
Vermelho com MBA.
O crime dito comum desorganiza o mercado e
adentra a política. Essa mesma política, cortesia das direitas e dos MAGAs, que
está animadíssima de pregar a guerra civil molecular como solução para a anomia
violenta, também um método de manter pobres sob controle.
Perdas com roubos, desvios etc. e o custo de
serviços de segurança são enormes, aumentados agora pela proteção contra
hackers. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, o setor de segurança emprega 571 mil vigilantes, mais do
que o contingente das polícias (cerca de 500 mil), uso obviamente improdutivo
de trabalho e capital, sintoma de desastre maior e que causa até
"desconfiança dos investidores".
Se a criatura com carro blindado,
casa-fortaleza e fundão de dinheiro não se importa com o massacre do povinho,
que muita vez vive sob o governo das facções, poderia vir a se importar com uma
causa maior disso tudo e de perda econômica, a organização criminosa. Por que
nem isso?
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