Valor Econômico
O entrelaçamento de cadeias de produção,
principalmente na indústria, é característica marcante da relação com os
Estados Unidos e que o Brasil não repete om outros parceiros
A reação química que transformou o diálogo
entre Brasil e Estados Unidos também produziu uma névoa de dúvida em torno da
investigação aberta pelo Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na
sigla em inglês) sob o abrigo da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. É aquela
que cita o Pix, o comércio da rua 25 de Março, o desmatamento e tarifas sobre o
etanol, entre outros, como práticas brasileiras que prejudicam a
competitividade americana.
Nos bastidores, a investigação segue vista como uma possível ferramenta dos americanos para limitar o comércio com o Brasil caso, por exemplo, a Suprema Corte decida que o tarifaço é ilegal. No entanto, o cenário hoje é diferente do que havia quando a investigação foi aberta, e isso cria incerteza sobre como será conduzida de agora em diante. O tom político que a pautou, junto com o tarifaço de 40%, foi trocado no último fim de semana por um claro comando do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no sentido de se buscar rapidamente um acordo.
Na visão de negociadores brasileiros, são
duas trilhas diferentes: a investigação e a negociação. Será preciso harmonizar
os resultados dos dois processos. Esse é um ponto dado como certo no diálogo
técnico entre os dois governos, cujo início é aguardado para as próximas
semanas.
No seu todo, a negociação não será fácil. O
próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou entrever sua cautela quando
disse, no último fim de semana, que importunaria Trump com telefonemas, se o diálogo
travar no nível técnico. E traçou uma linha: no que depender dele e de Trump, o
acordo sai.
Uma dificuldade à frente pode vir da
diferença de prioridade nas agendas. Lula foi à reunião munido de um documento
que detalhava as demandas brasileiras. Na agenda de Trump, a reunião bilateral
com o Brasil, durante cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático, foi
uma parada antes de ele seguir para outras frentes, como a busca de um acordo
com a China.
Um objetivo mais imediato é buscar a
suspensão da tarifa de 40% por 90 dias, enquanto a negociação comercial é
feita. Esse é um pleito que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira,
teria levado já na reunião com o secretário de Estado, Marco Rubio, no dia 16
passado. Lula reiterou o pedido a Trump, alegando que seria um gesto de boa
vontade para o início das negociações.
“Isso, para nós, seria o céu”, disse à coluna
o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos (Abimaq), José Velloso. Há encomendas prontas desde julho que
estão paradas. Parte ficou retida enquanto se espera alguma definição sobre
tarifas. Outra parte não seguiu pela impossibilidade de negociar acréscimo no
preço com os compradores americanos. A trégua de 90 dias permitiria desovar o
estoque.
A falta de resposta americana não é
desejável, mas não frustra, comentou Velloso. Não havia expectativa de resposta
imediata.
O ponto central do Brasil é a eliminação das
tarifas de 40% para todos os produtos. Para Velloso, uma hipótese paliativa, se
isso não for possível, seria aumentar a lista de exceções. Máquinas são fortes
candidatas, na visão do executivo. “Quando o americano compra uma máquina, ou
um componente de máquina, é porque ele vai produzir alguma coisa nos Estados
Unidos”, disse. Ou seja, não se trata de um processo de desindustrialização,
combatido por Trump, mas o contrário.
Além disso, informou, 82% das exportações de
máquinas para lá são operações intercompany, e 48% das importações de máquinas
produzidas nos Estados Unidos também. “Então, existe no setor de máquinas uma
correlação muito grande entre os dois países.”
O entrelaçamento de cadeias de produção,
principalmente na indústria, é uma característica marcante da relação
bilateral. O Brasil não tem relação assim com outros parceiros.
Um ponto crítico, apontou o presidente da
Abimaq, é o tempo. “Isso não pode continuar demorando mais, porque cada dia que
passa é prejuízo que a gente acumula”, afirmou. “Vamos perdendo novas
encomendas.”
Até o meio da tarde de terça-feira (28),
seguia indefinida a ida de integrantes de alto nível do governo brasileiro a
Washington. Lula disse que enviaria, além do chanceler Mauro Vieira, o
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços,
Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Aguardava-se o
retorno da delegação presidencial.
Um fator de atenção no calendário é a reunião
de cúpula da COP30, na próxima semana, em Belém.
Mas uma primeira reunião técnica de alto
nível foi realizada na segunda-feira, ainda na Malásia. Do lado brasileiro,
participaram Mauro Vieira e o secretário-executivo do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Marcio Elias Rosa, além do
assessor especial da Presidência Audo Faleiro. Do lado americano, o chefe do
USTR, Jamieson Greer, e o secretário do Tesouro, Scott Bessent. Nos próximos
dias, prosseguirá um diálogo em que racionalidade voltou a dar as cartas, após
meses de equívocos políticos e econômicos.
A trilha foi sacramentada a partir do
encontro de dois políticos que não poderiam ser mais diferentes em suas visões
de mundo, mas que encontraram um importante ponto em comum: são presidentes que
se definem como negociadores. As reações químicas devem prosseguir.

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