quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A realidade como cópia imperfeita das ideias, por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão

-  Rei morto, rei posto!...
-  Sabemos muito bem onde estamos. Sabemos muito bem onde eles estão.

Não é um diálogo. Essas duas frases,  resumem o dito pelo não dito, na  conversa, na Malásia, de 45 minutos, entre os presidentes Lula e Trump. Eram agendas diferentes.
 
Nas falas acima, observa-se uma desconfiança mútua. Evidencia-se o fato de que os pares  hemisféricos, convivem num universo de   tensão constante,  inspirada não em  arsenais bélicos,  mas em   discursos inoportunos,  palavras mal colocadas , agressivas e verdades omitidas, como se  tudo voasse pelos ares, sem nenhuma consequência (Verba volant) . Faz lembrar a advertência do filósofo Michel Foucault: "As palavras geram ações!";  ou de Platão para quem a realidade (inteligível) é configurada  pelos pensamentos ditos ou não ditos. No Brasil tivemos um grande  jornalista e político, Carlos Lacerda, que   toda vez que abria a boca para dizer alguma coisa, mesmo óbvia,  gerava uma consequência. 

De fato, assusta a autoridade de um outro país, que não o seu,  sair de  um restaurante da 5a. Avenida de Nova York, de madrugada,  apelando , em  altos brados, às Forças Armadas do País anfitrião  para  desobedecer ao seu Presidente  .  A democracia é o lócus da liberdade de expressão, mas nem tudo pode ou deve ser feito ou dito, mesmo em lugares  isolados e na calada da noite. Espera-se dos cidadãos  respeito e  bom senso. No discurso, as palavras transitam dentro de um campo semântico, com muitos significados identificáveis... e voam. 

Nesse ar expandido  que a humanidade respira, cada um tem  responsabilidade pelo  diz, com ou sem intenção explícita, até por brincadeira, como ocorreu com o senador Sérgio Moro, ao fazer blague  sobre um ministro do Supremo Tribunal. Se o sujeito é um chefe de Estado de outro país, acolhido  como visitante, a própria fala trivial, tem limites regulados por uma liturgia  adotada consensual e institucionalmente, a nível de Estado.

As lideranças políticas da América Latina pecam, em sua maioria,  sistematicamente, pelo mal uso da linguagem,  seja referindo-se  as oposições  políticas internas,  entre  co-partidários ou  países  pares . Os  governantes latino-americanos, com raríssimas exceções,   são excessivamente  "verborrágicos". Imaginando estar conduzindo um pensamento  revolucionário, transmitem mensagens e apelos tirados de  fantasias pessoais ,   refletindo, no mínimo,   uma agressão ao modelo de sociedade de   povos que tiveram mais êxito em se erigir  como  nações.  Geram sempre problemas para  terceiros.

Assim caminha-se  na atualidade   entre sábios, populistas e boquirrotos . Nessas últimas duas a três  semanas, assistiram-se falas   desafiadoras e inoportunas  saindo de todos os becos  políticos, forjadas    tanto pela chamada  direita, quanto pela  vaidosa esquerda  . Não tão longe um do outro, Trump e Maduro trocaram farpas discursivas, diria: perigosas  para todo o Continente.   Israel e o Hamas não se perdoaram mesmo depois dos acordos do cessar fogo. Emitiram advertências das mais variadas e  assassinaram pessoas  na rua, logo após o armistício. Não estava no Acordo.  

O Luiz  Fux foi chamado, em plenário,  de "ministro irrelevante" pelo seu colega de Supremo Tribunal, Gilmar Mendes, assim como Gilmar já fora acusado por Barroso de ter uma "mente doentia", embora o protagonista da "agenda setting" agora seja Moraes. Nas ruas não se fala, mas se pensa.   A   enigmática mudança de turma do ministro Luiz Fux no Supremo é um discurso que está na cabeça de todo mundo. Circulam várias versões.
 
No Congresso,  acusações  cavernosas  vão sendo desenterradas    nos depoimentos na CPMI  sobre o  assalto ao salário dos aposentados. Parecem  minas explosivas prontas a implodir o mundo  político . Lá vem também uma  operação, pouco divulgada, de que a Caixa Econômica  vai injetar  R$ 20 bilhões nos Correios, ameaçados de falência. Assusta, sim, os cidadãos, pelo fato de esse filme já ter sido visto em ocasião anterior.  O conteúdo das falas do Presidente do Brasil , na Malásia, antes do encontro com Trump, aconteceram fora de lugar.  Há também os que  agem discursivamente no submundo do silêncio materializando suas intenções nos   Diários Oficiais que,  além de não serem lidos, aceitam qualquer informação chancelada com carimbo da República. Collor,   inovou  ao publicar, em um jornal diário,  de maneira codificada,  uma decisão  presidencial, de aparência  inocente,  sob a forma de "anúncio classificado" .  

A verdade é que os cidadãos estão muito confusos no  " mundo sensível " de Platão -  cópia imperfeita das ideias. Para ele, o verdadeiro conhecimento é alcançado pela razão .É como se fossemos protagonistas no   "Mito da Caverna":  a jornada de um prisioneiro no mundo das sombras,  diante da fluidez das falas e a obscuridade do sentido dos  eventos . Ninguém compreende o retorno triunfante   dos conhecidos empresários  irmãos Batista , pulando dos açougues do interior de Goiás  para o controle da  Eletronuclear.  Já existe até um edital procurando   especialistas  em gestão nuclear. Seriam usinas destinadas   a gerar energia na  Amazônia , com a ajuda de empresas estrangeiras pouco conhecidas no Brasil. Sempre se cultivou por aqui a ideia de que a energia nuclear deveria ser manipulada  exclusivamente  pelo Estado (Nacional).  Uma nova  surpresa vem da  Petrobrás, já reivindicando a  perfuração  de outros  poços na Foz do Amazonas, a menos de 15 dias da Conferência do Clima no Brasil . Uma terceira novidade  é a construtora Odebrecht , dando a volta por cima, pronta para participar das licitações de obras do Plano de Ação Econômica (PAC) do Governo.  Fica a dúvida: De onde vem esses avais oficiais  ?    

Tudo, parece,   acontece à sombra  de uma indignação  popular  silenciosa .Desenrola-se num mundo  misterioso e fantástico inspirado nas viagens de Bilbo pelas Montanhas Nevoentas e pelas  Floresta das Trevas da Terra Média (Tolkien)à procura de um  anel  mágico.

* Jornalista e professor


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