quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Retomada territorial é próximo passo contra o crime, por Fernando Exman

Valor Econômico

População sofre com a expansão da violência em áreas abandonadas pelo Estado

Em formação, os policiais avançaram pelas ruas dos complexos do Alemão e da Penha na terça-feira (28), no Rio, seguindo à risca o plano que resultaria na morte de 121 pessoas. O tiroteio era intenso. Ao ouvir os relatos da operação, muitos podem ter se surpreendido com a informação de que as forças de segurança era monitoradas por drones e um sofisticado sistema de câmeras instalado pelo narcotráfico. Ficou no passado a cena de jovens alertando os comparsas com rojões, enquanto empreendiam fuga comunidade adentro. Mas uma coisa não mudou: passada a operação e recolhidos os corpos, a polícia bateu em retirada. A população mais uma vez foi abandonada pelo Estado.

Os governos federal, estaduais e municipais precisam, com urgência, aprofundar as discussões sobre a retomada dos territórios dominados pelo crime.

É verdade que dois importantes passos foram dados pelo governo Lula recentemente. Mas, ressalte-se, ambos tardios.

O primeiro foi o envio ao Congresso da PEC da Segurança Pública. Muito tempo passou entre a elaboração da proposta de emenda constitucional pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, a sua análise no Palácio do Planalto e o encaminhamento ao Legislativo.

A PEC amplia o papel do governo federal na formulação de políticas públicas na área e dá mais instrumentos de coordenação ao poder central. Constitucionaliza o Sistema Único de Segurança Pública, o Susp, previsto há anos e cuja implementação claudica. Vislumbra-se a integração entre as polícias, o compartilhamento de dados e a padronização de procedimentos. O governo também tenta fortalecer a Polícia Federal (PF) e ampliar a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para outros modais de transporte, além de fixar atribuições para as guardas municipais. A oposição resiste.

Em um segundo e importante passo, que também demorou mais do que o considerado prudente para um governo que precisa dar respostas à sociedade na área da segurança pública, o Executivo enviou na sexta-feira (31) ao Congresso o Projeto de Lei Antifacção. Inicialmente concebido como “Lei Antimáfia”, a primeira vez que se falou dele em público foi em uma entrevista ao Valor do secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, em agosto de 2024. Mas demorou até a construção de um consenso em relação ao texto.

O projeto agrava punições e facilita investigações contra facções. Permite a infiltração de policiais, viabiliza o acesso a dados telemáticos dos suspeitos e autoriza a criação do Banco Nacional de Facções Criminosas. Além de tentar blindar o poder público, com a previsão de afastamento de cargos por decisão judicial quando existir sinais de envolvimento com o crime organizado, proíbe a participação em licitações e o acesso a incentivos fiscais de empresas que forem alvo de inquérito. O projeto ainda abre caminho para o monitoramento de conversas entre faccionados e seus advogados.

A oposição também resiste. Não quer entregar a Lula um trunfo na disputa eleitoral, preferindo apostar no projeto que dá às facções o rótulo de “grupos terroristas”. O governo de Donald Trump agradece. Afinal, é o que precisa para tentar legitimar eventuais ações militares contra essas organizações em território brasileiro, ferindo a soberania nacional.

Um terceiro pilar da estratégia do governo federal prospera aos poucos, com discrição.

Trata-se justamente de um projeto piloto para a retomada territorial, medida considerada fundamental para romper o ciclo e o domínio econômico por parte de facções e milícias. Nas palavras de uma autoridade, é uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) com mais ciência e trabalho de inteligência. A ideia é envolver, além do governo federal, Estados, prefeituras, Ministério Público e as diversas polícias.

São quatro os pilares do programa, sendo o primeiro o desenvolvimento de um modelo de gestão integrada. O segundo, por meio da inteligência, é a investigação para a identificação de pessoas e segmentos econômicos que servem de lastro para o domínio territorial do crime organizado em determinada localidade. Aí ocorre a intervenção policial, tendo como premissa uma ação cirúrgica e de baixa letalidade. Por fim, espera-se a entrada do Estado com serviços, pois sem eles não há substituição da economia ilegal.

Nesta etapa, o poder público precisa promover a qualificação dos jovens, atuar contra as drogas e mediar conflitos, o que muitas vezes é feito pelo crime organizado de forma violenta. Na sequência, é necessário asfaltar ruas, iluminar as vias públicas, assegurar o acesso à internet comercial, além de oferecer saneamento, esporte e educação. A área de defesa do consumidor do Ministério da Justiça também está envolvida, para que os cidadãos dessas regiões conheçam seus direitos. Tudo isso com a polícia presente.

Mas o governo Lula só conseguiu adesão para o piloto numa terceira tentativa entre governadores aliados, em uma prova de que “integração” é uma palavra bonita que muitas vezes, lamentavelmente, não é colocada em prática na relações federativas. Com o teste concluído, está previsto para o mês que vem o anúncio de uma nova política pública de retomada territorial.

Enquanto isso, preocupa autoridades do governo federal a possibilidade de o vazio deixado pelas forças policiais nos complexos do Alemão e da Penha ser preenchido por traficantes rivais do Comando Vermelho. Ou pela milícia. Mais uma vez a população local sofreria com a expansão da violência em áreas abandonadas pelo Estado.

 

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