O Estado de S. Paulo
Ao classificar facção como terror, lei tira de Estados e Gaecos o combate ao crime e tumultua processos
Do jeito que está, o projeto que classifica
as ações das facções criminosas como terrorismo, retira das polícias estaduais
a competência do combate ao crime organizado e afasta de investigações os
Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), dos
Ministérios Públicos estaduais, um dos mais efetivos instrumentos de enfrentamento
a esses bandidos.
Ora, nos Gaecos há promotores especializados, como Lincoln Gakiya, que por anos denunciaram acusados e conhecem as provas e as investigações em curso, como a Carbono Oculto. Os casos terão de migrar da Justiça Estadual para a Federal, o que pode provocar atrasos em inquéritos e processos e levar à soltura de presos. E ao questionamento de prisões decretadas.
Há mais problemas. Se, no Rio, o CV domina
bairros, em São Paulo, esse controle ocorre sem a exibição de armas. A favela
de Paraisópolis é um QG do PCC, que também comete atentados. A mudança legal
valeria também para São Paulo. Mas quanto tempo se vai perder para discutir que
Justiça será competente em cada caso? “Deslocar a competência vai atrapalhar e
prejudicar as investigações. Não faz sentido. É temerário”, disse Gakiya à
coluna.
É difícil imaginar presente maior para o crime organizado. Na justificativa do projeto, o autor, deputado Danilo Forte, que é do União Brasil, diz: “Além disso, a competência investigativa passa a ser atribuída à Polícia Federal, garantindo uma investigação mais especializada e abrangente”. Mas a PF não tem gente para isso. A alteração da competência seria um agrado maroto aos governadores? Incapazes de garantir a segurança dos eleitores, eles jogariam a batata quente no colo do governo federal.
Especialistas como Gakiya dizem que medidas
como a punição de atos preparatórios de atentados, o sequestro cautelar de bens
e a punição do domínio territorial poderiam ser incluídas na Lei das
Organizações Criminosas, sem tumultuar as investigações nem retirar as polícias
estaduais do combate às facções. Por fim, o projeto não prevê mudanças nos
meios de que o Estado pode dispor para recuperar áreas dominadas pelo tráfico –
não muda a natureza dessas ações ou regulamenta o uso das Forças Armadas. Faz
menção a Trump, mas esquece que os EUA tornaram o tráfico caso bélico. Vamos
brincar de bombardear o Alemão em vez de criar colaboração entre as polícias?
Tudo em nome de um discurso ideológico importado dos EUA. Chamar as facções de
terrorismo não vai melhorar o combate ao crime, assim como chamar de marciano
os bandidos não terá o condão de mandá-los a Marte, onde parece viver parte de
nossos deputados e de nossos governadores. •

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