O Globo
A História nos mostra que agir por medo e manipular informação com objetivos eleitorais não funciona
A recente operação policial no Rio de Janeiro,
que provocou a morte de 121 pessoas e medo em toda a cidade, trouxe à tona um
tema: o terrorismo. Fala-se em mudar a legislação, políticos ganham seguidores
nas redes sociais — há muitos gritos e pouca conversa. Mas… o que é terrorismo?
Terrorismo é um fenômeno recente. Como só se teme o que se conhece ou se imagina, o ponto central desse tipo de ação — causar medo em uma ampla população, um temor que vá além dos diretamente atingidos — depende dos meios de comunicação modernos. A primeira iniciativa para criar uma lei internacional é de 1937, no âmbito da Sociedade das Nações. Foi também o primeiro de muitos fracassos nas tentativas de formalizar uma definição universalmente aceita de terrorismo.
Isso é um problema. Ao mesmo tempo que o
Conselho de Segurança da ONU (Resolução
1373, de 2001) exige que todos os Estados definam em legislação local o “ato
terrorista” como “infração criminal grave”, não há definição vinculante sobre o
que é terrorismo. A Assembleia Geral da ONU aprovou uma definição em 1994, e o
Conselho de Segurança praticamente a repetiu em 2004 (Resolução 1566), mas, em
nenhum dos casos, foi exigida a adoção de uma lei geral idêntica por todos os
países.
Em termos práticos: o que existem são
legislações nacionais, artigos acadêmicos e — cada vez menos — bom senso.
A definição de 1994 diz que ações terroristas
são “atos criminosos que tenham intenção ou sejam calculados para provocar
estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em pessoas
particulares por motivos políticos”.
Legislações nacionais e especialistas em
segurança e defesa apontam que cinco aspectos devem estar presentes num ato
para que ele seja considerado terrorista. Três são citados quase sempre: a) uso
ou ameaça de violência; b) objetivos políticos; e c) provocar medo ou terror.
Os demais são: d) os alvos serem não combatentes; e) os alvos serem
indiscriminados.
Um ato terrorista se diferencia de outras
formas de violência por duas razões: a) ter como intenção provocar medo a toda
ou parte de uma sociedade; e b) seu objetivo. Método e finalidade, meios e
fins. No terrorismo, a generalização do medo é um meio para alcançar um fim.
Que fim? Algum objetivo “político”:
ideológico, nacionalista, étnico, religioso — em termos gerais, a tentativa de
impor uma visão de mundo parcial a uma coletividade. Se aceitássemos como
objetivo de um grupo terrorista “ganhar dinheiro” — o objetivo de sofisticadas
organizações de traficantes de drogas ou pessoas, ou do “novo cangaço” —, que
ação criminosa organizada não seria terrorismo? Simbad, Al Capone e os
bicheiros do passado seriam todos terroristas?
Uma legislação deve identificar uma realidade
e ter uma aplicação prática que beneficie a sociedade. Misturar grupos tão
distintos quanto Al-Qaeda e Comando Vermelho ajudaria no combate à violência
praticada por qualquer um deles? Os remédios sociais são os mesmos? A ação
policial é a mesma? O elemento motivador do criminoso é o mesmo e deve ser
enfrentado da mesma forma?
Nada ganhar com uma lei equivocada já seria
um problema, mas aqui há algo mais grave. Haveria consequências para o Estado.
O Brasil determinaria legalmente que parte do território do Rio (e de várias
outras cidades) está em poder de “terroristas”. Isso impediria investimentos de
empresas estrangeiras e abriria a possibilidade de ações de caráter financeiro,
diplomático e até militar contra o Brasil.
Uma definição precisa de terrorismo é
fundamental para haver políticas públicas consistentes. A História nos mostra
que agir por medo e manipular informação com objetivos eleitorais não funciona.
Transformar resultados de pesquisas de opinião em políticas públicas, sem o cuidado
técnico que o tema exige, é no mínimo inútil, no máximo perigoso.
*Renato Galeno é coordenador do curso de relações internacionais do Ibmec-RJ

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