Valor Econômico
Medidas de regulação e fiscalização da esfera federal têm mirado como nunca o suprimento de dinheiro para as facções
O combate ao crime organizado virou cenário de batalha entre governo e oposição no Congresso Nacional, com dois projetos de lei disputando prioridade na Câmara dos Deputados e a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. Numa via paralela, medidas de regulação e fiscalização da esfera federal têm mirado como nunca o suprimento de dinheiro para as facções.
As fintechs, algumas das quais foram flagradas na operação Carbono Oculto lavando dinheiro do crime, são alvo de pelo menos três iniciativas. Na última segunda-feira, o Banco Central subiu a régua dos requerimentos de capital mínimo para essas instituições. Também determinou o fim das contas-bolsão, que foram usadas por algumas delas para ocultar a origem do dinheiro sujo.
Três dias antes, a Receita Federal havia
anunciado que, a partir de 2026, vai saber quem são as pessoas físicas donas do
dinheiro depositado em fundos de investimento, instituições financeiras e
trusts domiciliados no exterior, entre outros. Essas instituições precisarão
apresentar o Formulário Digital de Beneficiários Finais (e-BEF), criado para
esse fim. Além disso, a expectativa do Fisco é passar a receber, na primeira
metade de 2026, relatórios que já são entregues ao Banco Central e que
identificam em detalhes os fundos e seus cotistas. Na Carbono Oculto, se
constatou que o dinheiro do crime tem sua origem ocultada ao ser depositado num
fundo, cujo dono é outro fundo, cujo dono é outro fundo.
Por fim, as fintechs precisam enviar à
Receita dados sobre as contas de seus clientes, coisa que os bancos já fazem há
tempos.
Além da regulação, o combate ao crime tem
sido feito por ações de fiscalização. Quatro navios com combustíveis foram apreendidos
pelos fiscais da Receita na operação Cadeia de Carbono. São suspeitos de
importações em que os responsáveis e a origem dos recursos estão ocultos, o que
é considerado indício de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação.
Na semana passada, a Receita concluiu uma
megaoperação de fiscalização nas fronteiras que terminou em 27 prisões,
apreensão de 3,5 toneladas de drogas, R$ 160 milhões em mercadorias
irregulares. Um prédio de 20 andares repleto de muamba foi interditado. Também
um jatinho com mais de 500 celulares dentro.
No mesmo conjunto, foi frustrado o roubo de
mil pistolas. É quase oito vezes a quantidade de armas apreendidas na operação
do Rio de Janeiro que terminou com 121 mortos.
“Mais importante do que a apreensão de
mercadorias é o que a Receita Federal e os demais órgãos de Estado vão fazer
com a informação coletada”, disse o chefe do órgão, Robinson Barreirinhas.
“Mais importante é investigarmos de onde veio essa mercadoria, quem financiou
essa atividade, para onde essa mercadoria seria destinada.”
Ou seja, a ideia é fazer um trabalho de
inteligência e seguir o fluxo do dinheiro até chegar aos donos.
“Nós temos que entrar por cima, combatendo e
asfixiando o financiamento do crime organizado”, afirmou na sexta-feira o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Não adianta só o chão de fábrica. Nós
precisamos chegar nos CEOs.”
O caminho para combater o crime organizado é
conhecido, disse Barreirinhas: inteligência e cooperação. A operação Carbono
Oculto e as fiscalizações na fronteira foram realizadas em conjunto com
governos estaduais e outros órgãos, como Polícia Federal.
É nesse ponto que a política, às vezes,
atrapalha.
Numa fala dura, Haddad disse que o PL,
partido do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, votou contra o pedido
de urgência para votação do Projeto de Lei Complementar 125/22, que tipifica o
devedor contumaz.
Devedor contumaz é aquele que não paga
tributos nem tem intenção de pagar, porque a sonegação integra seu modelo de
negócio. É um comportamento visto, por exemplo, em parte do setor de
combustíveis que lava dinheiro do crime organizado.
“Eu quero dizer ao governador com toda
clareza: uma boa parte do crime organizado do Rio de Janeiro, especificamente
do Rio de Janeiro, está se escondendo por trás dessas estratégias jurídicas que
esta lei visa coibir”, afirmou Haddad. “Então, nós precisamos dessa lei e o Estado
do Rio, em particular, precisa dessa lei.”
Devedores contumazes estabelecem concorrência
desleal com empresas sérias, por isso o projeto é apoiado pela Associação
Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). “As novas ferramentas de combate à
sonegação contribuem para a efetividade do mercado, mas também no enfrentamento
da infiltração do crime organizado nas redes empresariais”, disse à coluna o
presidente-executivo Pablo Cesário. “
Ele acredita que a proposta, já aprovada no
Senado com placar de 71 votos favoráveis a zero, possa ser votada na Câmara até
o fim deste mês.
“O crime é organizado e o poder público não
pode continuar desorganizado”, disse nesta terça-feira o senador Fabiano
Contarato (PT-ES), logo após ser eleito presidente da CPI do Crime Organizado.
Será uma pena se a disputa político-eleitoral
embaralhar o caminho daquilo que deveria ser uma política de Estado.

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