Correio Braziliense
Os senadores Contarato
(PT-ES) e Vieira (MDB-SE) têm condições de conduzir os trabalhos com critérios
técnicos para separar as facções da criminalidade comum
O governo teve uma importante vitória, nesta
terça-feira, na instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime
Organizado do Senado Federal: a eleição do senador Fabiano Contarato (PT-ES)
para a presidência e de Alessandro Vieira (MDB-SE) à relatoria. Ambos são delegados
de carreira, em condições de conferir à comissão um caráter técnico, político e
simbólico que contrasta com o debate emocional e ideológico sobre uma das
pautas mais sensíveis da agenda nacional, sob o impacto da mais letal operação
policial da história do Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortos.
Por 6 votos a 5, Contarato derrotou o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), em votação secreta, contendo a ofensiva da oposição para transformar a agenda da segurança pública numa plataforma eleitoral de extrema-direita. O centro do debate, porém, permanece: a violência urbana, o papel das facções e a responsabilidade do Estado. A CPI será um espelho da própria crise do Estado brasileiro no combate ao crime organizado, dividido entre a necessidade de reafirmar sua autoridade e a exigência de legalidade e respeito aos direitos humanos.
A criação da CPI deu ao Senado a oportunidade
de se reposicionar no debate público sobre segurança, tradicionalmente dominado
por narrativas do Executivo e das forças estaduais de oposição na lógica da
polarização. A operação no Rio, amplamente apoiada por governadores da
oposição, deixou o governo Lula na defensiva. O Planalto defende políticas
integradas e o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), enquanto
os governadores de oposição, sobretudo Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro,
e Ronaldo Caiado (União), de Goiás, investem em discursos de “tolerância zero”
e de “guerra às facções”.
O Congresso pode reconquistar seu
protagonismo, não apenas fiscalizando o Executivo, mas também produzindo um
diagnóstico nacional da criminalidade organizada, suas conexões com o poder
econômico e suas infiltrações nas estruturas públicas. Essa disputa não se dá
apenas entre governo e oposição, mas também dentro das próprias instituições da
República.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski,
tenta consolidar uma estratégia de cooperação federativa, enquanto o Congresso
busca marcar território legislativo sobre o tema. O Senado saiu na frente para
a elaboração de uma política de Estado para o combate ao crime, algo que
transcenda governos e conjunturas. Nesse aspecto, Contarato e Vieira terão
papel decisivo. O placar apertado expressa a polarização do Senado, mas também
a possibilidade de convergência em torno da autoridade moral e técnica de dois
delegados de carreira.
Equilíbrio institucional
Contarato construiu sua trajetória pública
como defensor dos direitos humanos e da legalidade. Católico, homossexual
assumido e policial civil de formação, ele simboliza uma síntese rara na
política brasileira: a do agente da lei comprometido com a justiça social. Sua
declaração de posse — “não apoio a barbárie, mas também não romantizo quem vive
sob leis de criminosos” — revela a disposição de equilibrar empatia social e
rigor legal, sem aderir a extremos.
Alessandro Vieira, por sua vez, representa
uma vertente liberal-institucional da alta burocracia nacional. Oriundo do
movimento Muda Senado, Muda Brasil, e com passagem pelo Cidadania, ele
construiu reputação de independência, defendendo pautas de transparência, ética
e fortalecimento do Estado de Direito. Sua atuação durante o governo Bolsonaro
foi marcada pela crítica ao populismo de extrema-direita e pela defesa da
racionalidade técnica nas decisões públicas.
Como relator, Vieira tende a imprimir à CPI
uma agenda de resultados concretos, voltada a reformar a legislação, propor
integração de sistemas de inteligência e atacar as bases financeiras das
facções. Há que traçar uma fronteira entre o crime organizado e a criminalidade
comum. A combinação entre ambos, um progressista humanista e um liberal
republicano, ambos com formação técnica e experiência de atuação na segurança
pública, pode resultar num bom resultado dos trabalhos da CPI, o que não é
trivial.
Não será um trabalho fácil. O Mourão é o
vice-presidente. Os principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro estão na
CPI: os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Magno Malta (PL-ES) e Marcos do Val
(Podemos-ES). Em contraposição, desta vez, o Palácio do Planalto destacou suas
principais lideranças para atuar na CPI: Rogério Carvalho (PT-SE), Otto Alencar
(PSD-BA), Jorge Kajuru (PSB-GO), Jaques Wagner (PT-BA) e Randolfe Rodrigues
(PT-AP).
São quatro frentes a serem atacadas pela
comissão. O crescimento das milícias, sobretudo no Rio de Janeiro, não apenas
sua estrutura econômica, mas também suas conexões com o poder político,
empresarial e até religioso. A expansão das facções criminosas de caráter
nacional (CV e PCC), cujas redes interestaduais e internacionais precisam ser
mapeadas, com ênfase nas rotas de armas e drogas. O colapso dos presídios e o
domínio das facções sobre o cotidiano das penitenciárias e o financiamento e a
lavagem de dinheiro, para desmantelar o aparato econômico das facções, que
envolve transportes, postos de combustíveis, imóveis, fintechs, jogo e
criptoativos.

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