Lula deve evitar armadilhas em cúpula na Colômbia
Por O Globo
Venezuela é pauta incontornável. Será preciso cautela para não prejudicar negociação do tarifaço
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva participa hoje e amanhã da cúpula entre a Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia (UE) em Santa Marta,
na Colômbia.
É incontornável que a Venezuela, sob
ameaça de ataque dos Estados Unidos,
esteja na pauta. A situação exigirá de Lula cautela e habilidade diplomática.
Ao mesmo tempo que, como todos os presentes, ele deve se opor a qualquer
intervenção militar na América Latina, precisa evitar declarações que ponham em
risco as negociações bilaterais em curso com os americanos para revogar o
tarifaço imposto às exportações brasileiras por Donald Trump.
Diante da Venezuela, a missão do governo brasileiro é trabalhar diplomaticamente para que o ditador Nicolás Maduro aceite abdicar do poder sem conflito armado. O Brasil tem boas razões para temer uma intervenção militar americana próxima à fronteira norte. Nem os estrategistas em Washington chegam a consenso sobre o que desejam como desfecho caso usem a força para derrubar Maduro.
Num cenário benigno, as Forças Armadas
venezuelanas apoiariam um governo interino até a realização de novas eleições
e, com investimentos e garantias externas, a situação econômica se manteria
estável. Mas o histórico de intervenções externas no continente não recomenda
otimismo. No pior cenário, a Venezuela cairia numa guerra civil, com facções
armadas lutando pelo controle do contrabando e outras atividades ilegais.
O caos poderia transformar o país numa versão
sul-americana do Iraque pós-Saddam Hussein. Soldados, ex-soldados e paramilitares
em dificuldades financeiras poderiam se aliar ao crime organizado no Brasil,
fornecendo armas pesadas. Nas últimas três décadas, o governo venezuelano usou
o dinheiro do petróleo para comprar armas russas, incluindo fuzis e mísseis
antiaéreos portáteis.
Outros riscos estão na ampliação do tráfico
de drogas e do garimpo ilegal na Amazônia. Para não falar em uma inevitável
nova onda migratória. Embora o pior seja improvável, nenhuma dessas situações
pode ser descartada. E, mesmo que a derrubada de Maduro tenha final feliz, um
ataque militar na América do Sul abriria precedente perigoso. Hoje a
justificativa alegada são as drogas. No futuro, o que impediria os americanos
de mirar a Amazônia sob qualquer pretexto?
Mas, se Lula está certo ao se opor a um
ataque militar contra Maduro, isso não pode servir de desculpa para improvisos
ou declarações de indignação com o objetivo de agradar à claque da esquerda
latino-americana — a começar pelo anfitrião, o colombiano Gustavo Petro. Nada
do que Lula disser diante do microfone na cúpula terá o condão de evitar o
conflito. Para obter êxito, qualquer pressão sobre os americanos deve ser
planejada e executada em conjunto com os demais países.
Dessa forma, Lula evitaria o protagonismo que
invariavelmente contaminaria as negociações sobre o tarifaço, hoje prioritárias
para o interesse nacional. Os resultados positivos da balança comercial, com
prejuízo limitado às exportações, comprovaram a capacidade do empresariado
brasileiro de encontrar novos mercados. Mas seria uma ilusão acreditar que o
país pode abrir mão do acesso à maior economia do mundo e de manter relações
produtivas com os Estados Unidos.
Aumento para servidores do Judiciário é
oportunista e injusto
Por O Globo
Mesmo os 20% que ganham menos na Justiça
recebem mais que outros funcionários bem remunerados
O Judiciário brasileiro é sabidamente um dos
mais caros do mundo. De acordo com o Tesouro Nacional, custa 1,3% do PIB,
patamar difícil de superar (em geral o custo varia de 0,1% em países como
Noruega a 0,4% noutros como Reino Unido). Quase tudo está atrelado à
remuneração de profissionais. São conhecidos os artifícios para inflar os
salários de juízes, em especial os “penduricalhos” que lhes permitem ganhar
mais que o determinado pela Constituição. Só as despesas além do teto
constitucional com juízes federais cresceram, no ano passado, mais de dez vezes
a inflação.
Foi nesse contexto perdulário que o
Judiciário obteve da Câmara autorização para três aumentos de 8% em 2026, 2027
e 2028. O projeto de reajuste foi encaminhado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) sob a justificativa de que não haverá impacto no Orçamento, pois o
próprio Judiciário aufere recursos. Outro argumento alegado é que o reajuste
não se destina aos magistrados, mas apenas a servidores que acumularam “perda
salarial” de 24,21% entre 2019 e 2025.
Ambas as justificativas são frágeis. Para
começar, a autonomia administrativa do Judiciário precisa ser exercida dentro
dos limites orçamentários. É fato que os tribunais auferem receitas próprias
decorrentes da prestação de serviços. Mas elas mal cobrem metade do custo dos
tribunais. Tomando por base 2023, pelos dados do Conselho Nacional de Justiça foram
arrecadados R$ 68,7 bilhões, o equivalente a 51,7% do custo do Judiciário.
Quanto às perdas salariais atribuídas aos
servidores, trata-se de uma falácia facilmente desmontada por dados públicos.
De acordo com o Atlas do Estado Brasileiro, do Ipea, nenhum Poder obteve tanto
ganho salarial nos últimos anos quanto o Judiciário. Entre 1992 e 2019, o
salário médio na Justiça subiu 133% em termos reais (descontada a inflação),
ante aumento de 2,1% no Legislativo e de 69% no Executivo. Em 2021, último ano
para o qual há dados no Atlas, o servidor do Judiciário ganhava na média 120%
mais que o do Legislativo e quase 260% mais que o do Executivo.
Não se trata, é essencial enfatizar, de
distorção causada apenas pela remuneração estratosférica dos juízes. Mesmo os
20% que ganham menos no Judiciário são mais bem remunerados que servidores
públicos em faixas salariais elevadas nos âmbitos municipal e estadual, segundo
Felix Lopez, pesquisador do Ipea responsável pelo Atlas. A tendência, diz ele,
tem sido as remunerações médias daqueles servidores se distanciarem das demais
— e isso só piorará com o reajuste aprovado.
Não é coincidência também que o movimento salarial no Judiciário ocorra quando o projeto da reforma administrativa acaba de ser protocolado na Câmara. Os servidores querem garantir a benesse antes. O Congresso deveria evitar a todo custo a corrida de categorias em busca de ganhos salariais neste momento. Já seria intolerável qualquer pressão sobre as contas públicas no estado atual da crise fiscal. No caso do Judiciário, o reajuste é, além de manobra oportunista, uma injustiça.
Demagogia
e excessos tiram debate da segurança do eixo
Por
Folha de S. Paulo
Direita
ilude ao igualar facções a terrorismo, e a esquerda, ao explicá-las como luta
entre ricos e pobres
Há
risco de que Brasil termine com uma legislação inútil contra o crime que possa
servir como pretexto a agressões de Donald Trump
Pelos
primeiros indicativos, a
Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado para
investigar o crime organizado vai coroar uma quadra de intervenções populistas
e infelizes de autoridades com e sem mandato nesse tópico.
Sob
a presidência do governista Fabiano Contarato (PT-ES) e a relatoria
de Alessandro Vieira (MDB-SE),
a comissão já se vê engolfada pelo palavrório inconsequente da direita à
esquerda.
Para
a gestão Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), todo problema deveria ser explicado pela batalha mítica entre ricos
desalmados e pobres indefesos. A retórica se repete para o crime organizado.
Governistas querem prender os supostos barões da bandidagem, que estariam
desfrutando da boa vida nas coberturas dos bairros chiques, e não nas favelas.
Uma
análise das pilhas de inquéritos produzidos pelos investigadores derruba essa
visão estereotipada. O líder do Comando
Vermelho, riquíssimo, é um migrante paraibano, cruel a mais não poder, que
responde por cem homicídios, tortura, extorsão, entre outras várias
delinquências.
Do
lado dos radicais de direita, a irresponsabilidade apenas muda de forma. Quem
ilude a população com a ideia de que matar suspeitos vai produzir alguma
melhora na situação agora pretende adotar a terminologia
"narcoterrorista" para denominar as facções criminosas brasileiras.
Narcomilícias
não são organizações terroristas. Não têm propósito político-ideológico, e a
violência que praticam objetiva manter ou ampliar a lucratividade na sua
operação ilegal, não destruir ou abalar regimes.
A
escolha do ex-secretário de Segurança de São Paulo Guilherme
Derrite (PP-SP) para relatar na Câmar o projeto de lei antifacções
eleva o risco de a insânia terminar gravada nos códigos.
Se
ocorrer, daria ao presidente dos EUA, Donald Trump,
pretexto para incluir o Brasil na sua cruzada
bélica contra cartéis de drogas na América do Sul. Nessa hipótese, Trump,
que apoiou o governador do Rio de
Janeiro pela operação que matou 121 no último dia 28, seguiria o
conselho explícito do senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ).
Os
Bolsonaros e governadores de direita que os apoiam na parolagem do
"narcoterrorismo" se especializam no entreguismo. Não bastou terem na
prática incentivado o tarifaço contra o Brasil. Surgem agora como
patrocinadores de uma demagogia inútil contra o crime organizado, mas com
consequências potenciais danosas à soberania nacional.
Outra
nota de preocupação diz
respeito à participação crescente do ministro Alexandre
de Moraes nesse assunto. Ele é o relator de uma ação no Supremo
Tribunal Federal (STF)
que versa sobre operações policiais em favelas. Suas movimentações recentes com
o governador do Rio, o presidente do Senado e a Polícia Federal requerem
atenção redobrada.
Não
se deveria repetir, na segurança pública, a heterodoxia que se viu na condução
dos inquéritos sobre manifestações políticas.
Lições
do caso Banco Master
Por
Folha de S. Paulo
BC
faz o certo em apertar as regras para a venda de aplicações financeiras que
prometem alto rendimento
Autoridade
monetária propõe maior transparência na remuneração de corretoras e assessores
na venda de CDBs, LCIs e LCAs aos clientes
O
Brasil já passou por episódios de estresse bancário, cujo histórico de
resoluções foi positivo, no mais das vezes, pela competência regulatória
do Banco
Central. A solidez do sistema financeiro no país é reconhecida
mundialmente.
No
entanto, no caso do Banco Master,
a regulação e o escrutínio da autoridade monetária deixaram a desejar e permitiram
o crescimento desmesurado de riscos para o sistema, que agora precisam ser
enfrentados.
A
questão essencial foi a captação vultosa de CDBs pelo banco, que chegou a R$ 50
bilhões, atraindo investidores com promessas de rentabilidade de até 140% do
CDI —bem acima das taxas oferecidas por outros bancos médios.
Em
maio, o Master recorreu a uma linha de liquidez de R$ 4 bilhões do Fundo
Garantidor de Créditos (FGC), cujos ativos resultam de contribuições de todas
as instituições bancárias que captam depósitos. Uma eventual liquidação do
banco pode forçar o fundo a indenizar os clientes, sobrecarregando todos o
sistema em montantes inéditos.
A
captação excessiva foi ampliada por incentivos como as comissões recebidas por
agentes de mercado para distribuir os papéis, prática que não é transparente
para os poupadores. A venda para os clientes era alicerçada na garantia do FGC,
que cobre perdas de até R$ 250 mil.
Para
prevenir mais problemas, o BC em agosto já
havia dobrado as contribuições exigidas de bancos que têm acima de 60%
dos depósitos cobertos pelo fundo.
As
novas regras valem a partir de meados de 2026 e também incluem exigências de
aplicações em títulos federais para instituições com alavancagem acima de dez
vezes o patrimônio líquido.
Agora,
a autoridade monetária propõe maior
transparência na remuneração de corretoras e assessores na venda de
CDBs, LCIs e LCAs aos clientes.
A
ideia, inspirada nas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para
fundos de investimento, obriga a divulgação clara de comissões e conflitos de
interesse, permitindo que o investidor compare custos reais.
É
um passo necessário, pois incentivos moldam resultados: quando plataformas
ganham mais vendendo papéis arriscados de bancos pequenos, o varejo ignora
alertas de solidez.
Erode-se, assim, a necessária disciplina de mercado. Sem transparência, o FGC se torna uma muleta para emissões predatórias, onerando o sistema inteiro. O episódio Master deve servir de lição, e o fundo não pode se transformar em mecanismo a ser aproveitado por aventureiros.
A arte do cancelamento
Por O Estado de S. Paulo
Bienal de São Paulo levou a cultura do
cancelamento aos extremos do ridículo ao impedir a participação de uma
palestrante por causa dos pecados de um parente que morreu faz cem anos
A Bienal de São Paulo cancelou um debate com
a princesa Marie-Esméralda da Bélgica. Não por suas opiniões – o que já seria
constrangedoramente autoritário. Marie-Esméralda, por sinal, é ambientalista,
feminista e defensora dos indígenas. Mas ela foi condenada por associação a um
parente de quarta geração morto há mais de um século: Leopoldo II – o monarca
responsável por atrocidades no Congo.
“Trate cada homem segundo o que merece, e
quem escapará ao açoite?”, indagava o príncipe Hamlet. Imagine ser tratado
segundo os deméritos do seu tio-bisavô? O que os diretores da Bienal sabem das
eventuais transgressões de suas avós ou de seus tataravôs? Se o leitor tiver um
tio ou irmão delinquente, deve pagar por ele? É a volta do Santo Ofício – agora
de cabelo colorido e crachá de curador – castigando pessoas não por suas
faltas, mas pelos pecados de fantasmas.
Nada simboliza melhor o embrutecimento de
nossa cultura do que uma instituição artística que pune alguém por associação
genealógica enquanto faz proselitismo do combate ao “preconceito”. A Bienal
reza o credo da “diversidade e inclusão”, mas decreta que algumas vozes são
impuras demais para ecoar sob suas abóbadas. Em nome da “pluralidade”, consagra
a segregação; em nome da “liberdade”, o silenciamento. Nem a devoção da
princesa filantropa a causas progressistas – até ao cancelamento de estátuas de
seu antepassado – lhe valeu redenção. É uma caricatura do pecado original – com
patrocínio estatal e curadoria “interseccional”.
A cultura do cancelamento é o confessionalismo
redivivo: uma cruzada moral que persegue heresias e distribui indulgências. Os
velhos inquisidores queimavam livros; os novos, reputações. As fogueiras agora
ardem entre as vaidades dos conselhos de curadoria, dos diretórios acadêmicos,
das redes sociais. Cada palavra deve ser purgada; todo artista, doutrinado. Os
dissidentes são denunciados, silenciados, expulsos – não por crime, mas por
pensamento. A condenação é multitudinária; a penitência, involuntária; o
perdão, impossível.
Foi para se libertar dessa mentalidade que o
liberalismo nasceu – contra o Estado confessional e suas teocracias da virtude.
Spinoza, Tocqueville, Mill, Nabuco e tantos outros entenderam que a verdade
floresce no dissenso, não na unanimidade. A civilização liberal é o triunfo do
debate sobre o dogma. A esquerda que se dizia herdeira dessa tradição hoje a
trai. Troca o debate pela excomunhão, a dúvida pela ortodoxia, a livre
expressão por ostracismos performáticos. Os velhos reacionários queriam
policiar corpos; os novos progressistas, consciências.
O Brasil tropicalizou a moda do cancelamento
– inclusive a pauta “decolonial” importada das metrópoles, recitada com sotaque
francês e marinada nas Ivy Leagues – com tintas burlescas. As elites culturais,
que vivem de verbas públicas, posam de “resistência” libertária enquanto
ruminam ressentimentos tribais. Universidades desconvidam palestrantes, mostras
vetam artistas, editoras censuram palavras. Guerra cultural regada a caipirinha
e dedução fiscal.
O caso da Bienal é mais que um vexame
diplomático: é sintoma de uma decadência – com elegância – intelectual, moral e
estética. A instituição que deveria ser o templo da experimentação perverteu-se
em tribunal de pureza ideológica. A arte, que deveria interrogar o mundo,
rebaixou-se a homilia. O curador que veda debatedores por culpa ancestral é
irmão espiritual do burocrata que veda livros por blasfêmia. Juram servir à
justiça – mas servem à intolerância. A submissão da imaginação ao medo e da
sensibilidade à patrulha não geram engajamento, só empobrecimento.
O progressismo que prometia libertar o mundo
dos dogmas fabricou seu próprio catecismo. Substituiu os sacerdotes por
“militantes”, as Escrituras pelas “pautas”, o pecado pela “culpa estrutural”. E
como todo moralismo sem misericórdia, produz o mesmo terror que dizia combater.
O farisaísmo identitário tornou-se pior do que o que desprezava: uma seita sem
Deus, mas com uma legião de inquisidores.
A Bienal não cancelou uma princesa. Cancelou
a cultura. E, com ela, a liberdade: essa heresia liberal que insiste em
sobreviver a regimes de pureza e seus justiçamentos travestidos de justiça.
Juiz não é árbitro de luta política
Por O Estado de S. Paulo
O STF fez escola. Ao censurar uma postagem de
Nikolas Ferreira, que chamou o PT de ‘Partido dos Traficantes’, um juiz de
Brasília interferiu em uma disputa retórica que não lhe compete apitar
O juiz Wagner Pessoa Vieira, da 5.ª Vara
Cível de Brasília, cometeu um grave erro ao determinar que a rede social X
removesse uma publicação do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) na qual o
parlamentar se refere ao Partido dos Trabalhadores (PT) como “Partido dos
Traficantes”. Por óbvio, Nikolas explorou politicamente o fato de o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva ter dito que “traficantes são vítimas dos usuários”
de drogas.
Ao intervir em uma lide essencialmente
retórica, o Judiciário ultrapassou as fronteiras de sua competência
constitucional e invadiu o terreno próprio da política. A democracia implica
confronto de discursos, ainda que sejam ásperos, exagerados, injustos ou mesmo
mentirosos. Na arena política, respostas a palavras como as do deputado mineiro
são dadas com palavras, não com decisões judiciais. A Justiça não tem o papel
de policiar o discurso de deputados eleitos pelo voto popular, muito menos de
higienizar o debate público.
A disputa político-partidária no Brasil é notoriamente
ácida, por vezes agressiva. O próprio PT, ao longo de sua trajetória, produziu
ataques e slogans muito mais duros contra seus adversários. Não causaria
espanto se algum de seus parlamentares, reagindo à provocação, se referisse ao
PL, partido de Nikolas, como “Partido dos Ladrões” – lembrando que o presidente
da legenda, Valdemar Costa Neto, já foi condenado a sete anos e dez meses de
prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Membros do clã Bolsonaro,
filiados à mesma sigla, são suspeitos de praticar a chamada “rachadinha” em
seus gabinetes parlamentares. Por mais rudes que sejam tais trocas de ofensas,
isso faz parte do jogo político e deve ser enfrentado dentro dele, e não sob a
tutela de um Judiciário censor.
Na decisão, o juiz Wagner Vieira argumentou
que não há que se falar em imunidade parlamentar quando houver propagação de
“notícias falsas” ou “discurso de ódio”, citando a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (STF), segundo a qual essa proteção não pode servir de “escudo
para atividades ilícitas”. Eis o dano que o STF causou à liberdade de expressão
no País. A tese estapafúrdia conferiu a todos os juízes brasileiros o enorme
poder de definir, ora vejam, o que é “verdade” e o que é “ódio”.
A Constituição é cristalina ao estabelecer
que deputados e senadores são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer
de suas opiniões, palavras e votos”. Essa imunidade existe justamente para
proteger o livre exercício do mandato e assegurar que o debate político, por
mais lamentável que seja, ocorra sem medo de represálias judiciais. É um
instrumento de defesa da democracia representativa, não um privilégio. Quando
um juiz passa a decidir quais opiniões ou discursos de parlamentares são
aceitáveis, sobrepõe-se à vontade popular às raias do arbítrio.
O conceito expansivo de “discurso de ódio” e
o uso indiscriminado da noção de “fake news” têm servido, cada vez mais, como
muleta para limitar a liberdade de expressão no Brasil. O STF e o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) vêm construindo uma jurisprudência que, sob o pretexto
de proteger a sociedade de si mesma, concede ao Estado o enorme poder de
censurar conteúdos publicados nas redes sociais. Às vezes, nem isso, exercendo
censura prévia ao ordenar a suspensão de perfis. Como o exemplo vem de cima, o
ânimo censório agora se reproduz nas instâncias inferiores, com juízes
assumindo o papel de árbitros do debate político.
Em uma sociedade aberta, o preço da liberdade
de expressão é conviver com o que desagrada. A democracia não exige que todos
os discursos sejam elegantes ou verdadeiros, mas que todos possam ser expressos
e contestados. Os que constituírem crime, evidentemente, têm de ser
penalizados. Mas não era o caso julgado. O que o magistrado fez foi decidir o
que pode ou não ser dito sobre um partido político – e isso tem nome: censura.
A intervenção judicial em temas políticos
deseduca o eleitorado. Quando um juiz se arvora em tutor das discussões
políticas, usurpa uma prerrogativa que pertence aos eleitores.
Prêmio por cumprir o dever
Por O Estado de S. Paulo
Bahia dará bônus a policiais que matarem
menos, o que é obrigação de qualquer força estatal
O governo da Bahia pretende pagar um bônus
aos policiais que, no cumprimento do dever, matarem menos. Trata-se de uma
tentativa de reduzir a letalidade policial no Estado, há anos uma das mais
altas do Brasil.
É louvável qualquer iniciativa que vise a
reduzir o número de mortos pela polícia, especialmente quando as estatísticas
atingem níveis aterradores – segundo o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, as mortes por intervenção policial
na Bahia saltaram de 278, em 2014, para 1.556, no ano passado – a maior
letalidade em números absolutos do Brasil. Em termos proporcionais, a taxa de
letalidade na Bahia é de 10,5 mortes a cada 100 mil habitantes, só atrás da do
Amapá, com 17,1 a cada 100 mil.
No entanto, a ideia de premiar policiais que
são mais cuidadosos e prudentes no desempenho de suas funções é a admissão
implícita de que o treinamento da corporação, de modo geral, não é adequado e
que nem todos estão aptos a envergar a farda porque são incapazes de fazê-lo em
obediência às melhores técnicas de prevenção e enfrentamento do crime.
Restaria, portanto, estimular os policiais a fazer a coisa certa por meio de um
prêmio em dinheiro, e não como uma obrigação profissional, já devidamente
remunerada.
Por pior que seja, contudo, a ideia do
governo da Bahia é ao menos bem mais civilizada do que a “gratificação
faroeste”, aprovada recentemente pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Por meio dessa aberração escandalosamente inconstitucional, policiais fluminenses
receberiam um adicional em caso de “neutralização de criminosos”. Felizmente, o
governador Cláudio Castro, insuspeito de ser condescendente com alegados
criminosos, vetou a iniciativa. Mas que fique claro: o governador Castro não o
fez por considerar absurda a “gratificação faroeste”, mas porque, conforme se
lê no Diário Oficial, a medida resultaria na “criação de despesas, configurando
afronta às regras estabelecidas pelo Regime de Recuperação Fiscal”.
Na Bahia, por sua vez, já está em vigor o
chamado “prêmio por desempenho policial”, o PDP, devido aos agentes quando
cumprem as metas de redução de crimes violentos, como homicídio, feminicídio e
latrocínio, na área de uma Delegacia de Polícia Civil ou um Batalhão de Polícia
Militar. Segundo dados oficiais, o PDP varia de R$ 371 a R$ 2.476. Agora, na
conta também entrará a queda da letalidade policial, ou seja, quantas pessoas
os policiais deixaram de matar.
Os policiais militares e civis vestem fardas
e uniformes após passarem por treinamento oferecido pelo Estado e custeado por
todos os contribuintes. Esses profissionais são preparados para agir em
conformidade com uma série de regras e protocolos, como o uso progressivo da
força, e não o uso excessivo. Respeitá-los é uma obrigação, e não matar, ou
matar somente em último caso, um dever.
A redução da letalidade policial, ao que tudo indica, não se dará porque os agentes de segurança respeitam as leis e a Constituição, mas porque serão estimulados financeiramente a não matar tanto.
Consciência com saúde masculina
Por Correio Braziliense
Uma série de mitos, preconceitos, hábitos
culturais e desinformação impedem os homens de ter uma atitude mais consciente
sobre o autocuidado
Um inimigo silencioso ronda os homens acima
de 40 anos. Por desconhecimento e preconceito, essa população de aproximadamente
25 milhões de pessoas no Brasil está vulnerável ao câncer de próstata. De
evolução lenta e assintomático na fase inicial, trata-se do segundo câncer mais
comum no país entre os homens — só fica atrás do câncer de pele —, com um
registro de 71 mil novos casos por ano.
Esses dados iniciais já deveriam ser
suficientes para se adotar uma rotina preventiva contra a doença. Para
verificar a saúde da próstata, a medicina recomenda duas ações importantes: o
exame de PSA, que identifica os níveis de Antígeno Prostático Específico, e o
exame de toque retal, realizado por um urologista.
Essa prática é recomendada não somente para o
câncer, mas também para a hiperplasia prostática benigna (crescimento da
glândula, frequente em metade da população masculina) e prostatite (inflamação
causada por bactéria). Ocorre que os pacientes brasileiros apresentam
dificuldades que vão além da indisciplina para cuidar do próprio corpo.
Uma série de mitos, preconceitos, hábitos
culturais e desinformação impedem os homens de ter uma atitude mais consciente
sobre o autocuidado. E o câncer de próstata é um exemplo trágico dessa perigosa
atitude marcada por teimosia e machismo. Estima-se que, em caso de detecção
precoce, as chances de um tratamento bem-sucedido chegam a 90%. Por essa razão
é fundamental os homens deixarem o orgulho de lado, entenderem a necessidade da
prevenção e não medirem esforços em se cuidar — para o bem deles, da família e
da sociedade.
O alerta para a condição masculina motivou o
evento Novembro Azul: a saúde do homem em foco, realizado em Brasília pelos
Diários Associados. Em dois painéis, especialistas reforçaram as medidas
preventivas, detalharam as técnicas mais recentes de tratamento — entre elas, a
cirurgia robótica — e insistiram muito na urgência de haver um esforço coletivo
para convencer os homens a procurarem o médico. Nesse contexto, a família
desempenha um papel estratégico: os médicos presentes no seminário ressaltaram
a importância de esposas, filhas e sobrinhas insistirem em conscientizar o
homem a irem ao consultório e realizar exames frequentes.
O envolvimento de parentes para o bem-estar
do homem pode ser considerado fundamental na medida em que, como alertam os
médicos, o câncer não é uma doença individual. Acomete o indivíduo, mas afeta
todo o seio familiar. Essa foi a mensagem deixada pelo ministro Vital do Rêgo,
presidente do Tribunal de Contas da União, na abertura do evento do Correio
Braziliense. Em um depoimento emocionante, Vital do Rêgo contou o drama
familiar por que passou ao acompanhar o sofrimento do pai, vítima de câncer de
próstata.
Médico de formação, o presidente do TCU fez
questão de salientar os bloqueios que muitas vezes afastam os homens da
prevenção e levam-nos a situações críticas. "Meu pai pensava que, ao tirar
a próstata, ele ficaria impotente. Perdeu a vida por tabu, desinformação, medo
e falta de coragem de enfrentar algo que pode ser muito bem tratado",
disse o magistrado.
O engajamento da família e a iniciativa
pessoal dos brasileiros são fundamentais para evitar tanto sofrimento. Mas
essas atitudes não diminuem a responsabilidade do poder público de implementar
políticas voltadas para a saúde do homem. Essas ações podem ser direcionadas já
na fase infantil, pois há outras ocorrências, como fimose e o câncer de pênis e
de testículo, que têm uma incidência relevante entre os mais jovens.
Faz parte da cultura nacional o estereótipo de que o homem não precisa se cuidar, somente quando o caso é grave. Acredita-se, ainda, que uma intervenção médica na próstata pode causar impotência — mito amplamente contestado pelos médicos, que apontam uma série de alternativas para o paciente ter uma vida sexual ativa. É preciso deixar de lado todos esses tabus, em nome da ciência e da vida. E não apenas no mês de novembro.
Começa o Enem, ferramenta de acesso ao ensino
superior
Por O Povo (CE)
Neste domingo, 9, milhões de candidatos se
dirigirão até os locais de prova para a aplicação do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) 2025 no País. O exame teve 4.811.338 inscrições confirmadas.
Dessas, 1.390.815 são de estudantes concluintes do ensino médio da rede
pública. É importante frisar que o Enem avalia o desempenho escolar dos
estudantes ao término da educação básica.
Dos inscritos, 1.811.524 são de alunos
concluintes do ensino médio. Os números são do Painel do Enem, no portal do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
autarquia vinculada ao Ministério da Educação.
Em mais de duas décadas de existência, o
Exame se tornou a principal porta de entrada para a educação superior no
Brasil, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e de iniciativas como o
Programa Universidade para Todos (Prouni). Além de os resultados serem usados
como critério dos processos seletivos, funcionam como parâmetro para acesso a
auxílios governamentais, como o que é proporcionado pelo Fundo de Financiamento
Estudantil (Fies).
Faz-se relevante analisar alguns números
disponibilizados pela organização do Exame. Segundo o levantamento do Inep, dos
inscritos, 3.049.710 são isentos e 1.761.628 são pagantes. Além disso, do total
de inscritos confirmados, 2.889.851 (60,06%) são mulheres e 1.921.487 (39,94%)
são homens. Com relação à etnia, a maioria das inscrições confirmadas é de
participantes que se autodeclararam pardos (2.146.184); 1.903.041 participantes
se autodeclararam brancos, 603.104 pretos, 67.203 amarelos e 37.489 indígenas.
A faixa etária com mais inscrições
confirmadas é de 17 anos, com 1.113.718. Os participantes com mais de 60 anos
totalizam 17.192. Isso mostra que, por mais que a faixa de idade dos
adolescentes (supõe-se que a maioria seja concluinte do Ensino Médio) seja mais
alta, o Exame tem a participação de muita gente com mais de 60 anos, que talvez
seja um público que queira ingressar no ensino superior e veja no Enem uma
possibilidade concreta para isso.
Assim, o Enem se mostra como uma ferramenta
fundamental de democratização do acesso à educação superior. Por ele, é
possível que estudantes de origens variadas concorram a vagas nas universidades
públicas. Percebe-se que isso é feito de forma crítica, visto ser uma prova que
permite aos alunos escrever sobre diferentes eixos temáticos, em que se
exploram a argumentação e a hierarquia das ideias, como ocorre na prova de
redação. Priorizar a capacidade de análise crítica do candidato é uma das
premissas das provas.
Espera-se que os dias de prova sejam momentos de tranquilidade, sem sobressaltos para os candidatos. Cabe aos governos criar oportunidades e tomar todas as providências necessárias a fim de garantir um exame seguro, afastando qualquer risco de fraude. Ressalte-se que a confiança no exame é condição para que os candidatos tenham tranquilidade para um dia que é decisivo para o futuro de muitos que ali estão.

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