domingo, 9 de novembro de 2025

A floresta no centro, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Com cinco anos de atraso, Brasil sedia debate global sobre mudança do clima

Com cinco anos de atraso, o Brasil estreia amanhã como anfitrião de uma Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. O país havia sido escolhido para sediar a COP25, em 2019. O encontro ocorreria em Salvador, mas foi cancelado por ordem de Jair Bolsonaro.

Os ambientalistas protestaram, mas foi melhor assim. O Brasil evitou o constrangimento de receber a cúpula sob um governo que negava o aquecimento global e estimulava a destruição do verde. A outra consequência positiva viria depois: a ideia de levar a COP30 para Belém, no coração da Amazônia.

A maior floresta tropical do mundo sempre foi citada nas negociações do clima. Mas as decisões eram tomadas a milhares de quilômetros de distância, sem que os líderes mundiais pudessem ver e ouvir quem vive nela.

“A grande novidade desta COP é colocar a floresta no centro da discussão”, celebra o governador do Pará, Helder Barbalho. Ele endossa o discurso do presidente Lula de que a Amazônia “não é só feita de fauna e flora”. “Não adianta ficar de romantismo e achar que vamos preservar a floresta se o povo que vive nela estiver passando fome”, diz o paraense.

Na cúpula de líderes, realizada entre quinta e sexta, os microfones ficaram nas mãos dos políticos. Nas próximas duas semanas, os negociadores terão que dividir espaço com cientistas, ativistas e representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais.

A profusão de debates deve expor os dilemas da vida real da região. Apesar da enorme biodiversidade, a Amazônia ainda é refém da pobreza e de um modelo econômico que insiste na exploração predatória dos recursos naturais.

O Pará bateu bumbo no mês passado ao inaugurar o Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia. A pretensão é imodesta: seguir o modelo do Vale do Silício, unindo ciência moderna e saberes tradicionais. Mas não há solução mágica para uma região com 50 milhões de habitantes espalhados por nove países. O desafio é combinar o controle do desmatamento com mecanismos de financiamento que estimulem a preservação da floresta em pé.

Apesar dos problemas de infraestrutura, a decisão de levar a COP30 para Belém tem se mostrado acertada. Os visitantes estrangeiros não disfarçam o deslumbramento com o cenário e a culinária, e a hospitalidade local compensa o desconforto com o calor e os preços abusivos.

O governador admite que a crise de hospedagem “afugentou muita gente”, mas culpa o setor privado pelo problema que chegou a motivar apelos por mudança de sede. “Isso foi o que mais nos atrapalhou até aqui. Mas enfrentamos as críticas e conseguimos mobilizar investimentos que levariam 20 anos para chegar a Belém”, defende, citando obras de saneamento, urbanização e transporte que transformaram a cidade num enorme canteiro de obras.

Com sorte, alguns imprevistos deram bons frutos. Como a sede da cúpula não ficou pronta a tempo, as primeiras reuniões bilaterais de Lula foram transferidas para o Museu Goeldi. Os convidados se extasiaram com a exuberância do parque zoobotânico, habitado por aves raras, tamanduás e jacarés. Na saída, posaram sorridentes aos pés de uma sumaúma de 120 anos, símbolo da beleza e da resistência da floresta.

 

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