O Povo (CE)
A espetacularização das operações policiais
rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da
insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem
"vingados" pela eliminação desse inimigo personificado no corpo
abatido pela polícia
A operação policial que ocorreu há dias nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, ficou marcada como a mais letal de todas as já realizadas. As imagens dos cadáveres não foram suficientes para impactar a opinião pública: pesquisas indicam que a maioria aprovou o ato. Os números influenciaram a movimentação dos políticos de direita, assim como contiveram instituições como Poder Judiciário e Ministério Público, que reagiram timidamente.
A espetacularização das operações
policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma
sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos
de bem se sentem “vingados” pela eliminação desse inimigo personificado no
corpo abatido pela polícia. Pouco importa se o morto é inocente ou não; se
havia mandado de prisão ou denúncia formal.
Sua culpa é pressuposta. Para a maioria das
pessoas, se, dentre 120, oitenta são bandidos, a morte dos não-bandidos é
justificada como “efeito colateral”. É uma guerra, concluem. Numa guerra, é
matar ou morrer.
Penso que a tragédia da semana passada e a
reação pública a ela podem nos fazer pensar sobre como funciona a justiça e por
que é importante que permaneça assim, caso planejemos continuar vivendo
em uma democracia. “Fazer justiça” não é o mesmo que vingar-se. Com a
justiça, busca-se a reparação proporcional por um dano sofrido.
A pena não pode violar a dignidade humana do
ofensor, porque, se formos tão ou mais violentos que o bandido, nada nos
diferenciaria deles. Para atestar a culpa, é preciso conhecer as circunstâncias
da prática do ato criminoso, as motivações do ofensor, algo que exige
tempo, produção de provas e participação de profissionais preparados como
advogados, promotores, peritos, etc.
Mais do que isso, a definição de um
comportamento como ilícito e a pena correspondente precisam estar previstas em
lei, sendo aplicadas por um juiz togado, um agente do estado protegido por
garantias de independência. Essas condições garantem que, ao fim de um
processo, a justiça seja feita e a sociedade reparada. Juízes não são eleitos
justamente porque, muitas vezes, suas decisões podem ser impopulares, mesmo
justas.
Essa a razão de se definir o Poder Judiciário
como poder contramajoritário. Ele não deve decidir com base na opinião
majoritária das pessoas (nada mais volúvel que isso!), ele deve seguir o que
diz a lei.
O argumento da maioria nem sempre conduz à justiça. Há muitas decisões
justas que não são tomadas na lógica do 50+1.
A operação no Rio de Janeiro continua
problemática e ilegal quer a maioria aceite ou não, e é preciso que as
instituições de controle se mantenham fieis à lei para evitar a exploração
política do espetáculo da morte.

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