Nada mais sugestivo dos problemas que o presidente eleito Jair Bolsonaro enfrentará a partir de 1º de janeiro que a decisão que lhe foi repassada pelo atual presidente, Michel Temer: sancionar ou vetar a prorrogação dos incentivos para a Sudam (Norte) e Sudene (Nordeste), e sua extensão para a Sudeco (Centro-Oeste). Com a voto solitário contrário do deputado Delegado Waldir (PSL-GO), o projeto do presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE) foi aprovado no apagar das luzes da legislatura, sob a ameaça de Eunício de não votar o Orçamento da União caso ele fosse vetado. Foi apenas uma das pautas-bombas aprovadas pelo Congresso que se vai e dá ideia dos hábitos e da irresponsabilidade com que deputados e senadores tratam o dinheiro público.
Como o Estado está falido e a principal desafio que Bolsonaro irá enfrentar é o de colocar ordem nas finanças públicas, o novo governo terá de aprovar seu programa de reformas sem ter de saída maioria a seu lado - e com a tradição perdulária do Congresso contra. Apesar do grande prestígio com que saiu das urnas, e as esperanças de dois terços dos entrevistados, segundo pesquisa Datafolha, de que irá fazer um bom governo, Jair Bolsonaro terá de escolher criteriosamente os projetos que são vitais e deixar os secundários para depois.
Por enquanto, salta à vista o enorme caudal de ambições da equipe econômica, medidas que em sua maior parte não são de consenso fácil, e a esquálida base inicial de apoio do governo no Congresso. Por ter exposto de forma muito genérica os rumos que pretendia para a economia durante a campanha eleitoral e, na fase de transição, não se saber o que do baú de ideias da equipe de Paulo Guedes o presidente eleito gosta e aprova, será preciso definir com absoluta clareza as prioridades.
Já não há mais dúvidas de que a reforma da previdência é a medida mais urgente, cuja aprovação é crucial para o futuro do governo. Seu prestígio político será medido pelo avanço da economia e a sinalização de que os gastos previdenciários entraram em rota de correção terá efeitos imediatos sobre a confiança dos agentes econômicos e as decisões de investimentos. Uma vitória inicial abre caminho para outras reformas difíceis, pois o avanço da economia consolidará a popularidade do governo e com isso, tornará o Congresso mais disposto a dar ao Executivo os meios de ele perseguir sua agenda.
Resta agora ao governo tomar uma decisão sobre o que quer. Há vários caminhos. O que parece ter mais aceitação na equipe é o fatiamento da reforma previdenciária que permitiria, entre outras coisas, introduzir no futuro, e não logo de início, o polêmico regime de capitalização. Não se sabe, porém, o que o governo define como prioritário em primeira instância, mesmo com o fatiamento. Bolsonaro achou a reforma aguada que o Congresso entregou a Temer muito "dura". O risco, então, é que se encaminhe ao Congresso medidas de impacto muito inferior às que quase foram aprovadas no governo Temer. O sinal seria péssimo.
Por outro lado, a urgência recomenda que não se perca muito tempo com uma mudança tão polêmica além do que já foi perdido em discussões exaustivas e que se encurte caminho, aproveitando o que há de melhor na proposta que está no Congresso, como idade mínima e a unificação dos regimes privados e do funcionalismo. Ou até mesmo que se restaure mais do espírito inicial da reforma. O maior erro seria reabrir a discussão, pois se a reforma da previdência não for aprovada até o fim do ano, o governo terá consumido inutilmente boa parte de seu capital político.
A economia está preparada para crescer sem risco inflacionário, com enorme capacidade ociosa e mão de obra disponível a procura de trabalho. Obter a mudança na previdência reduzirá aos poucos o peso esmagador de seus déficits e terá um efeito decisivo sobre as expectativas.
A reforma tributária é uma necessidade quase tão antiga quanto a correção da previdência. Nunca foi em frente por causa dos interesses díspares dos Estados e a ideia do novo governo é unificar os tributos de forma que os Estados compartilhem todos eles, acabando com as contribuições, que só eram embolsadas pela União. Ainda assim, é uma reforma muito difícil de ser executada e que deveria esperar a definição do Congresso sobre a reforma da previdência. Um grande risco da equipe econômica é tentar tudo ao mesmo tempo, agora. A coordenação política terá um papel primordial na decantação das propostas reformistas e em seu sucesso - ou fracasso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário