O Globo
O ex-presidente virou um encosto
A direita não precisa mais de Bolsonaro. Ela
lhe deve o mérito de tê-la tirado do armário, mas seus surtos transformaram-no
num encosto. O patrono da cloroquina, que dizia ter “o meu Exército”, tornou-se
um mau espírito encostado no velho conservadorismo nacional.
Afinal, uma direita que teve Roberto Campos, Eugênio Gudin e Castelo Branco terá perdido muito em qualidade, mas com Bolsonaro ganhou em quantidade, elegendo um presidente e grandes bancadas parlamentares. Quem tem Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado governando São Paulo e Goiás produziu quadros qualificados para novos voos. Esse é o caminho da lógica, mas a direita brasileira padece de um oportunismo suicida.
Em 1959, na União Democrática Nacional, berço
do conservadorismo, havia um candidato à Presidência. Era Juracy Magalhães,
tenente de 1930, ex-governador da Bahia e primeiro
presidente da Petrobras. O partido resolveu atrelar-se à candidatura de Jânio Quadros.
Um demagogo de carreira fulgurante, sem qualquer vínculo partidário, capaz de
levá-la ao poder.
Segundo a piada, Jânio era “a UDN de porre”.
Deu no que deu.
Anos depois, já na ditadura, o
conservadorismo emplacou o marechal Castelo Branco, um reformador austero. O
oportunismo suicida levou a base conservadora do regime a aninhar-se na
anarquia militar e na candidatura do ministro da Guerra, general Costa e Silva.
Deu no que deu, o Ato Institucional nº 5 e a crise decorrente da isquemia
cerebral que o incapacitou em agosto de 1969.
Essa direita que come com garfo e faca achou
em Jair Bolsonaro sua oportunidade. A eleição de 2018 foi um arrastão
conservador, e o ex-capitão acabou no Palácio do Planalto muito mais pelos
erros do PT que
pelas suas qualidades.
O último surto de Bolsonaro, contra uma
tornozeleira, espantou até mesmo seus aliados. Espanto tardio diante de um
personagem que duvidava das vacinas durante uma epidemia que matou 700 mil
pessoas e acreditava nas pesquisas de uma empresa americana que tentava
transmitir eletricidade sem o uso de fios. (Na cena em que um finório vendeu a
Bolsonaro essa maravilhosa ideia, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de
Freitas, tomou distância.)
O ex-capitão que se lembra do que fez em
1987, desenhando um gráfico pueril de explosão de uma adutora e sendo exonerado
de culpa pelo Superior Tribunal Militar, adquiriu incompreensão do que são as
instituições em geral e o Poder Judiciário em particular. Chamou um ministro do
Supremo de “canalha”. Anunciou que não cumpriria decisões de tribunais. Flertou
com o golpismo da trama contra a posse de Lula.
Será árdua a tarefa de livrar-se do encosto
sem ofendê-lo. Os filhos de Bolsonaro gastam mais tempo condenando Tarcísio do
que Lula e seu governo. A UDN conseguiu se livrar do encosto de Jânio, e os
comandantes militares da ditadura livraram-se do encosto de Costa e Silva com
sua saída da cena, remetendo seu principal conselheiro militar, o general Jayme
Portela, para um comando de segunda antes de mandá-lo para a reserva.

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