quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Heleno no xadrez, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Soma de destempero e desinteligência complicaram ex-ministro no julgamento do golpe

O Supremo mandou para o xadrez mais três militares de alta patente que traíram a farda e a Constituição. A estrela da companhia é o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Nos tempos de glória, Jair Bolsonaro o chamava de “nosso decano”.

Heleno tem currículo. Em 1977, era ajudante de ordens do ministro do Exército que tentou dar um golpe dentro do golpe para impedir a redemocratização. Sylvio Frota foi demitido, mas seu auxiliar continuou a subir na carreira. Chefiou tropas no Haiti e na Amazônia. Só não comandou a força terrestre porque quebrou a hierarquia ao atacar o governo pela demarcação de terras indígenas.

O general nunca escondeu as convicções autoritárias. Ao passar para a reserva, discursou em defesa do golpe de 1964 e do regime que lhe sucedeu. Mesmo assim, continuou a ser tratado como uma figura apta a opinar sobre os rumos do país.

Até a eleição de 2018, Heleno era mais um general de pijama com saudade da ditadura. A partir da vitória de Bolsonaro, passou a ser um risco real à democracia. O ministro chegou a ser vendido como uma voz de moderação no governo. Puro delírio, como ele próprio fez questão de demonstrar.

No sexto mês de governo, Heleno interrompeu aos gritos um café do presidente com jornalistas. Esmurrou a mesa e xingou Lula, que estava preso em Curitiba. Sem freios na língua, o general conseguiu fabricar crises até com o papa. Descreveu o Sínodo da Amazônia, convocado antes da vitória de Bolsonaro, como uma “interferência” da Santa Sé no Brasil.

Encarregado da inteligência do Planalto, o general deu demonstrações claras de inaptidão para o cargo. Numa passagem folclórica, divulgou seus dados pessoais por engano na internet. Acabou cadastrado no PT, no PSOL e na União da Juventude Socialista.

A soma de destempero com desinteligência complicou o ex-ministro no julgamento do estado-maior do golpe. Poucos réus produziram tantas provas contra si mesmos. Além de defender uma “virada de mesa” em reunião gravada, Heleno deixou uma caderneta recheada de planos golpistas.

Às vésperas de ser condenado, o general ainda tentou se descolar de Bolsonaro. Faltou combinar com o capitão. No dia em que o então ministro fez 73 anos, o presidente deixou claro que seguia suas ordens desde os tempos da Academia Militar. “Obrigado, general Heleno, por ser a nossa inspiração em tudo, em quase tudo, que fazemos lá na Presidência”, derramou-se.

 

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