sábado, 15 de novembro de 2025

Genealogia é carma? Por Eduardo Affonso

O Globo

O identitarismo inventou o pecado, mas, como na canção de Chico Buarque, se esqueceu de inventar o perdão

Pelos critérios da 36ª Bienal de arte de São Paulo, você não leria esta coluna. Haveria um conflito entre os temas abordados (quaisquer que fossem) e o trágico passado colonial mineiro.

É que um dos meus tetravôs foi o major José Luís da Silva Vianna. Pelos serviços prestados na Guerra do Paraguai, ele ganhou de D. Pedro II a patente militar e as terras onde mais tarde mandou erguer uma capela. No entorno, formou-se uma aldeia de indígenas catequizados, que deu origem à Vila de São Sebastião de Pedra do Anta, hoje um pacato município da Zona da Mata mineira.

O major não só participou do etnocídio no Paraguai e em Minas, como se valia de trabalho escravo em suas lavouras de café. Cinco gerações depois, ainda deve respingar sangue no teclado em que digito — motivo suficiente para que este texto não deva ser lido.

Quando a maioria é injusta, por Juliana Diniz

O Povo (CE)

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem "vingados" pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia

A operação policial que ocorreu há dias nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, ficou marcada como a mais letal de todas as já realizadas. As imagens dos cadáveres não foram suficientes para impactar a opinião pública: pesquisas indicam que a maioria aprovou o ato. Os números influenciaram a movimentação dos políticos de direita, assim como contiveram instituições como Poder Judiciário e Ministério Público, que reagiram timidamente.

A espetacularização das operações policiais rende votos porque alimenta a sede de justiçamento de uma sociedade cansada da insegurança. O cadáver do bandido gera gozo: os cidadãos de bem se sentem “vingados” pela eliminação desse inimigo personificado no corpo abatido pela polícia. Pouco importa se o morto é inocente ou não; se havia mandado de prisão ou denúncia formal.

Jogo ainda aberto, por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Estamos na quarta versão do relatório de Guilherme Derrite para o projeto Antifacção. Iremos à quinta, pelo menos. A estratégia de seu assessor parlamentar Hugo Motta – de atropelar à la Lira – fracassou. O governo, desapropriado, que teve tomada a autoria-gestão sobre proposta originalmente sua, provocou e colhe o desgaste do relator. Ganhou tempo e ar; e investe em que tenhamos as sexta, sétima, oitava versões como expressões de improviso.

Se não tem mais a propriedade sobre o que criara, trabalha para que o projeto ao menos não tenha a cara da oposição. Gestão de danos, depois da trairagem fundamental de Motta, que pegou a proposta de Lula para segurança pública – para 2026 – e deu na mão da oposição, precisamente na de Tarcísio de Freitas, o provável desafiante. Assim foi posta a mesa, em função da qual o Planalto organizou o seu jogo. Reagir imediatamente ao relatório da hora para lhe apontar “fragilidades e inconsistências”.

Planalto aplaude queda da inflação e Haddad critica Galípolo, por Adriana Fernandes

Folha de S. Paulo

Ministro da Secom, o marqueteiro Sidônio Palmeira tem batido bumbo para os resultados de outubro

Haddad hoje é um ministro carente de elogios e afagos

Com o ano eleitoral se aproximando, o Palácio do Planalto começou a exaltar a queda da inflação —um ativo importante na busca de votos dos eleitores na tentativa de reeleição do presidente Lula, em 2026, para o seu quarto mandato.

O marqueteiro de campanhas vitoriosas do PT e ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, já começou a explorar a queda. Ele tratou de divulgar nesta semana uma nota para alardear que a inflação registrou o menor índice para outubro em 27 anos. O IPCA fechou em 0,09%, a mais baixa variação para o mesmo mês desde 1998, quando o índice foi de 0,02%.

Ênio Silveira, 100, por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ênio Silveira ganha biografia no centenário de seu nascimento

A Civilização Brasileira foi alvo de incêndio criminoso e atentado a bomba

Durante a ditadura militar, o editor Ênio Silveira teve os direitos políticos cassados. Seus livros foram recolhidos, confiscados e queimados; sua livraria na rua Sete de Setembro, no Rio, e a editora Civilização Brasileira, alvos de incêndio criminoso, atentado a bomba e estrangulamento econômico. Um de seus principais autores, Carlos Heitor Cony, foi preso seis vezes pelo regime. Ênio conseguiu superar a marca: preso em oito oportunidades, acusado de "subversão cultural" e "propaganda comunista".

Segurança não é só repressão, por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

Políticas estritamente repressivas apenas aumentam a demanda por mais violência

É preciso integrar as políticas de segurança às demais políticas públicas

A Câmara dos Deputados ofereceu nesta semana mais um espetáculo de irresponsabilidade política e desprezo pelo destino de milhões de brasileiros submetidos cotidianamente à tirania do crime organizado.

O despreparo do deputado indicado para a tarefa de relatar a proposta do chamado Marco Legal do Combate ao Crime Organizado ficou patente pelas sucessivas e contraditórias versões dos relatórios apresentadas ao longo da semana. Até restringir a competência da Polícia Federal para investigar o crime organizado aventou-se, sabe-se lá com que objetivo.

Um dos paradoxos das políticas de segurança, como destacado por Theo Dias e Carolina Ricardo em recente artigo nesta Folha, é que a ineficácia de políticas estritamente repressivas apenas aumenta a demanda por mais repressão, criando um enorme mercado para o populismo penal.

Lições para a universidade, por Cristovam Buarque

Veja

O ensino superior é atalho para a democracia e o humanismo

O Congresso do Futuro, liderado há quinze anos pelo ex-senador chileno Guido Girardi, se reuniu na semana passada em Madri. Dezenas de pensadores debateram o fundamental: para onde caminha a civilização. O rumo atual indica desequilíbrio ecológico e agravamento da desigualdade social. Um desenvolvimento harmônico entre os seres humanos e deles com a natureza não será concebido por partidos políticos, comprometidos em atender aos eleitores no curto prazo; nem por igrejas, cuja preocupação é com o mundo espiritual; ainda menos por sindicatos, cuja visão se limita aos interesses de sua categoria profissional na próxima data-­base. A universidade é a instituição capaz de formular ideias para retomar a aliança quebrada entre democracia nacional e humanismo planetário.

A política da crueldade, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta

CartaCapital

A ideologia fascista não aflora imediatamente nas elites, ela desliza via positivismo e racionalismo

Para ilustrar a complexidade da quadra histórica que atravessamos, consideramos pertinente a visita ao último artigo de Paul ­Krugman, intitulado “The Big Smirk”, ou O Grande Sorriso.

Krugman cuida de investigar a dinâmica política do trumpismo, que mora no coração do movimento Make America Great Again e tem replicado exemplares ao redor do mundo. As figuras de Javier Milei, Jair Bolsonaro, suas proles e aspirantes à replica não nos deixam mentir.

A suntuosa festividade de Halloween promovida por Donald Trump, inspirada em O Grande Gatsby, exibiu como símbolo cuidadosamente escolhido uma modelo seminua dentro de uma gigantesca taça de martini. No mesmo dia, relata Krugman:

“…42 milhões de americanos perderam o auxílio alimentar federal, enquanto 1,4 milhão de funcionários federais estão sem receber salário”.

Para muitos comentaristas, o evento expressou a alma de playboy de ­Manhattan que sobrevive no presidente norte-americano. A imagem entrega, à primeira vista, a ideia de insensibilidade em relação à condição de milhões de americanos em situação precária e falimentar. Nada novo no cotidiano de um ricaço de Nova York, ou de um bem-nascido dos Jardins paulistanos.

Fusão fatal, por Aldo Fornazieri

CartaCapital

Nixon fracassou na “guerra às drogas”. George W. Bush, na “guerra ao terror”. Trump tenta unir as duas, com a adesão da direita no Brasil. O resultado é previsível

A matança promovida pelo governo do Rio de Janeiro nas comunidades da Penha e do Alemão, a operação policial mais letal da história do País, desencadeou uma intensa ­disputa política em torno da segurança pública. Com 121 mortos, a incursão revelou-se desastrosa, já que a função da polícia é prender e levar os suspeitos a julgamento. Agora, a conduta dos próprios agentes estatais está sob investigação do Supremo Tribunal Federal.

Há fortes indícios de que a ação determinada pelo governador Cláudio Castro foi deliberada, com o objetivo de se apoderar e de entregar para a direita a bandeira da segurança pública, nos termos de ações violentas como modus ­operandi. As articulações que Castro fez com os governadores bolsonaristas no pós-massacre evidenciam a manobra eleitoral.

Segundas intenções, por Jamil Chade

CartaCapital

A proposta de Derrite visava enquadrar movimentos sociais como organizações terroristas

Se hoje a extrema-direita busca formas para transformar grupos criminosos e o narcotráfico em facções terroristas, a ofensiva pode ser apenas o início de um processo que ameaça movimentos sociais. Um documento preparado pelo Executivo ao qual CartaCapital teve acesso aponta uma das preocupações em relação às mudanças no PL Antifacção apresentadas pelo deputado Guilherme Derrite: o risco de criminalização de entidades como o MST. Sob pressão, as alterações de Derrite acabaram desidratadas, mas o fato de terem sido propostas revelou a muitos a intenção de criar uma brecha para classificar como terroristas basicamente qualquer protesto, manifestação e a atuação de diversos movimentos sociais, entre eles o MST e o MTST, ou manifestações legítimas, como aquelas de trabalhadores de aplicativos, caminhoneiros ou professores.

A nova PEC da Bandidagem, por Cláudio Couto

CartaCapital

O presidente da Câmara associou-se a Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite para desidratar o PL Antifacção

Hugo Motta, o Débil, parece não aprender com os próprios erros. Depois da lambança da PEC da Bandidagem, volta a aprontar. Desta vez, contudo, é outro o instrumento legislativo: em vez de uma Proposta de Emenda Constitucional, um Projeto de Lei. Agora, Motta nem sequer se deu ao trabalho de propor um projeto próprio ou encomendado a um de seus aliados na Câmara. Em vez disso, pegou carona na proposta do Executivo sobre as facções criminosas, optando por ­desfigurá-lo. Nessa sabotagem, articulou-se com seu colega de partido no Republicanos, o bolsonarista moderado (sic) governador de São Paulo. Tarcísio de Freitas liberou seu secretário de segurança, o deputado licenciado Guilherme Derrite, para reassumir momentaneamente sua cadeira em Brasília, com a única e exclusiva tarefa de levar a cabo a empreitada e, assim, simultaneamente, atrapalhar o governo federal e se autopromover para a disputa por uma cadeira no Senado em 2026.

Na mão grande, por André Barrocal

CartaCapital

Com o apoio de Motta, o bolsonarismo se apropria e insiste em desfigurar o PL Antifacção. Mas o plano tem furos

Furto custa quatro anos de cadeia. A pena dobra quando o autor se aproveita da confiança da vítima. A Lei Antifacção proposta pelo governo Lula contra o crime organizado foi surrupiada metaforicamente na Câmara dos Deputados. Enquanto bandeira política, foi parar nas mãos do bolsonarismo. Seu nome e teor­ de momento não lembram em nada a proposta presidencial. O líder do PT, ­Lindbergh Farias, citou nas redes sociais a acusação de furto com abuso de confiança. E culpou Guilherme Derrite, o deputado PM que é secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo. Derrite encaixa-se melhor no papel de receptador. O verdadeiro culpado, aquele que afanou a lei lulista e entregou ao receptador, é outro, o presidente da Câmara, Hugo Motta.

A segurança pública e a política, por Marcus Pestana

Todos nós ficamos perplexos e alarmados com os acontecimentos ocorridos semanas atrás no Rio de Janeiro. A megaoperação nos Morros do Alemão e no Complexo da Penha foi a mais letal até hoje, com 117 mortos e 2.500 policiais mobilizados. O nível de sofisticação das facções criminosas ficou demonstrado com drones despejando granadas; fuzis, metralhadoras e pistolas de última geração; um moderno sistema de vigilância eletrônica do território dominado, como um Estado paralelo instalado (inclusive “poder judiciário e penal” próprio para a comunidade dominada); e uma capacidade inequívoca de retaliação evidenciada no caos gerado, logo após, em artérias principais da capital fluminense. Foi revelado também que a região funciona como QG nacional do Comando Vermelho, e ponto de acolhimento de membros refugiados da organização vindos de diversos estados brasileiros.

Conquistar, perder e recuperar territórios, por Marco Aurélio Nogueira

Revista Será?

O controle sobre o território é a base do Estado moderno e da soberania nacional. Ao controlar um território, as nações controlam também as populações que nele habitam. Como garantia, organizam sistemáticos serviços de vigilância das fronteiras territoriais e de repressão aos rebeldes.

Nas melhores situações, tomam providências para prestar serviços essenciais (educação, saúde, cultura) e investir em melhorias na infraestrutura, com o que incentivam o desejo de pertencimento e a lealdade dos habitantes. Materializam, assim, a ideia de que quem manda em um território é quem o controla.

Os Estados valeram-se de vários argumentos para postular a posse de um território. A ancestralidade, a identidade étnica, a religião, a presença de uma população homogênea, o interesse econômico, a geopolítica. Mas foi sobretudo por meio de guerras, de conquistas violentas e disputas diplomáticas que limites territoriais se estabeleceram.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

E a estratégia? A lei é apenas um meio

Por Revista Será?  

Diante do impacto político gerado pela desastrosa invasão das favelas do Rio – Complexo do Alemão e da Penha – e da evidência do poder das facções criminosas nos territórios – a capacidade militar e logística e a produção própria de poderosos armamentos – os partidos, de direita e esquerda, se apressaram a mostrar serviço. Tinham que reagir. Como? Criando mais lei ou reformando as leis existentes. Não resolve nada, mas mostra que o governo e o Congresso estão preocupados, reagindo à crise de segurança pública do Brasil. Governo e oposição levam a disputa política para o conteúdo da legislação que possa lidar com o problema, divergindo em diferentes aspectos do projeto de lei que, supostamente, serviriam para conter a propagação do crime organizado no Brasil. Alguém já dizia: “se não quer enfrentar um problema, formule uma lei”. Não resolve e, em muitos casos ainda arrisca piorar. Como a proposta da direita e de alguns governadores, contida no primeiro relatório do PL Anti-facção apresentado pelo deputado Guilherme Derrite, enquadrando o crime organizado como terrorismo e tentando subordinar a atuação da Polícia Federal a autorizações dos governos estaduais. Todos concordam na introdução de penas mais elevadas e de maior rigor no regime prisional dos traficantes. Mas, como vão prender os chefões do crime organizado refugiados no quartel general das favelas ou nos presídios?

Poesia | Na véspera de não partir nunca, de Fernando Pessoa

 

Música | Jair Rodrigues - Disparada