Analistas
debatem se muita transparência poderá atrapalhar
O
Banco Central deu um passo inédito na transparência ao abrir os detalhes de
seus modelos de projeção de inflação. Os especialistas em políticas monetária
estão divididos sobre a novidade: alguns dizem que já era a hora de o Brasil se
alinhar às melhores práticas internacionais, enquanto que outros veem danos
potenciais à credibilidade do BC e o risco de se tornar um pouco escravo da
matemática nas suas decisões sobre os juros, com menos espaço para o
julgamento.
As
informações foram publicadas num boxe do Relatório de Inflação do BC de
dezembro, e consistem em cinco equações matemáticas incompreensíveis para os
não iniciados, repletas de letras gregas, como alfa, pi, delta e teta. São os
segredos guardados a sete chaves pelo Banco Central que mostram quanto, por
exemplo, a inflação sobe quando uma recessão aumenta o grau de ociosidade da
economia ou qual é a inércia uma vez que os preços começam a aumentar.
As projeções de inflação feitas pelo Banco Central são importantes porque costumam sinalizar os passos futuros de política monetária. Se estão muito abaixo da meta de inflação, em tese há espaço para juros menores; se estão acima do alvo, os juros devem subir.
“É
um passo que outros bancos centrais ao redor do mundo já deram”, diz o
professor de economia da PUC-Rio Eduardo Zilberman. “O Fed [Federal Reserve, BC
americano] permite baixar o código fonte dos modelos que eles usam. É só
apertar um botão e replicar a projeção.”
Ele
reconhece que há riscos na abertura dos modelos. Um deles é o mercado exagerar
o peso das projeções de inflação nas decisões do Comitê de Política Monetária
(Copom) do BC. Outro é eventualmente haver algum questionamento sério sobre a
metodologia adotada pelo Banco Central. Mas vê ganhos importantes. “Hoje, o
regime de metas de inflação é basicamente gerenciar as expectativas de mercado,
ancorar as expectativas em torno da meta. Quanto mais transparência, mais
eficaz o BC será.”
O
economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita, é outro que apoia a novidade
do Banco Central. “Creio que o debate amadureceu muito nos últimos anos”,
afirma.
Desde
o começo dos anos 2000, logo depois da adoção do regime de metas de inflação,
existem discussões sobre a conveniência de abrir os dados dos modelos de
projeções. Um dos introdutores do regime de metas de inflação no Brasil, o
ex-diretor de Política Econômica do BC Sergio Werlang foi um dos mais vocais
defensores da abertura dos detalhes do modelo, depois que deixou o cargo.
No
começo dos anos 2000, porém, a leitura era que o sistema de metas não estava
maduro o suficiente para abrir as informações. A economia iniciava, então, um
período de maior estabilidade, mas toda a base estatística que alimentava o
modelo era do período anterior, repleto de crises e instabilidade. Com dados
tão voláteis, os coeficientes do modelo também mudavam rapidamente. Apoiado em
base tão frágil, o BC corria o risco de dizer num dia que um choque cambial
tinha um peso e, pouco depois, ter que divulgar um dado diferente.
Mais
recentemente, o principal argumento contra divulgar o modelo é que o mercado
poderá entender, erroneamente, os números que os computadores cospem como uma
projeção final e exata da inflação. Não é assim que funciona. No próprio box do
Relatório de Inflação, o BC alerta que esse é apenas um dos componentes da
projeção oficial de inflação. O Banco Central combina o resultado dos modelos
com as projeções de curto prazo para a inflação e para preços administrados;
com resultados de projeções de outros modelos; com hipóteses sobre a trajetória
de variáveis que influenciam a inflação, como preços de commodities; e com o
julgamento dos próprios membros do Copom.
O
grande defeito dos modelos de projeção é que eles olham os dados estatísticos
passados e tentam prever o futuro. Pode funcionar bem quando as coisas caminham
dentro do previsto, mas leva a conclusões equivocadas quando ocorre um choque
ou uma mudança muito grande de cenário. O modelo, por exemplo, poderia projetar
uma inflação persistentemente alta depois de um evento como a greve dos
caminhoneiros, de 2018, que se mostraria infundada mais tarde.
Agora
que o Banco Central colocou as cartas na mesa, ficará mais claro quando a
inflação projetada reflete a mecânica do modelo e quanto é resultado do
julgamento dos membros do Copom. O lado bom é que o mercado poderá identificar,
a cada momento, se o colegiado está mais otimista ou pessimista do que o
consenso do mercado - o que ajuda a coordenar as expectativas. Mas, se o
mercado não estiver maduro o suficiente para entender que as decisões do Copom
não são feitas mecanicamente a partir dos modelos, poderá haver cobranças e
perda de credibilidade quando o BC agir menos com base nos números e mais com
julgamento.
Alguns
especialistas em política monetária ouvidos pelo Valor apontam que o risco
é justamente esse: quando adota maior transparência, o Banco Central perde
flexibilidade para operar a política monetária da forma que considera mais
adequada.
“Esse
trade-off é conhecido na literatura, não tem saída. É transparência versus
discricionalidade”, diz o chefe do Departamento Econômico do Bradesco, Fernando
Honorato Barbosa, que apoia a decisão do BC. Para ele, quem estuda política
monetária sabe que os parâmetros divulgados pelo BC são apenas indicativos e
não regras matemáticas - e que as decisões do Copom envolvem uma boa dose de
julgamento. “De fato, poderá haver críticas, mas serão críticas de quem quer
atacar sem entender o real desafio que é a política monetária.”
Além
de o modelo representar apenas um componente da projeção de inflação, a
projeção de inflação em si tem tido um peso relativo menor nas decisões do
Copom. Os membros atuais do colegiado vinham enfatizando, até a adoção do
“forward guidance”, o balanço de riscos para a inflação nas suas decisões, ou
seja, fatores que podem fazer a inflação superar ou ficar abaixo das projeções.
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