Tenho uma convicção. Há um consenso que o mundo material não é estático. Os pensadores da Grécia antiga, já anunciaram: ‘tudo flui’ e ‘nada’ é permanente, exceto a mudança’. Nos tempos modernos, com o surgimento do capitalismo, Marx sentenciou: ‘tudo que é sólido desmancha no ar’. O movimento da história já comprovou essa tendência. É incessante e permanente a mudança, inclusive na ciência e na tecnologia. No pensamento e no agir político, ocorre o mesmo processo continuo de mudança, conflito, interdependência globalista, ou como outros preferem, cosmopolita.
É o instante de pensar o nosso compromisso com o País. Isto sugere tentar desvendar essa complexa sociedade brasileira. Acredito que devemos partir dos elementos embrionários que definam nosso processo de afirmação do capitalismo brasileiro, seu êxito nesses longos anos de profundas modificações moleculares ocorridas. Entender esse caminho facilitaria muito o nosso caminhar futuro. E só a democracia política é o porto seguro para um pensamento reformista. O caminho mais real é debruçar sobre a conjuntura.
Como fazê-lo? Os clássicos da política já nos forneceram algumas sugestões, pelo menos metodológicas, para se analisar e fazer previsões e perspectivas. Posso lembrar algumas. Sócrates, na antiga Grécia, nos falava de persuasão, como arte política do discurso, dirigida à multidão. Maquiavel ensinou as relações da política com sua conexão de Virtú e Fortuna. Hegel advertiu que o cidadão simples, tinha um conhecimento defeituoso. Montesquieu ensinou que o senso comum se dobrava aos pensamentos e impressões de outrem. Tocqueville nos legou a relação circunstância e providência; Marx nos deixou as análises das relações entre estrutura e superestrutura. Lênin se utilizava de estratégia e tática. Gramsci diferenciava o permanente e o eventual, o orgânico e o ocasional.
Estas ideais clássicas chegaram ao seu ponto mais avançado com a filosofia clássica alemã (Kant, Hegel e Feuerbach), a economia política inglesa (A. Smith e Ricardo), o pensamento político de Maquiavel, Locke, Montesquieu, os teóricos da Revolução Francesa e Americana, o socialismo de Saint-Simon e Fourier.
Marx e sua filosofia da práxis entrou em cena com a tentativa de resolver os problemas mais avançados da humanidade. Surgia como a continuação direta e imediata dos maiores representantes da filosofia, da economia política e do socialismo. Procurava dar aos homens uma concepção unitária do mundo, que não poderia conciliar com nenhuma superstição. Se apresentava como o sucessor de tudo aquilo que o gênero humano criou de melhor no século XIX. É conhecida sua tese inicial: ‘Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo’.
Já no século XX, Gramsci, em um balanço severo, afirmou que a filosofia da práxis tinha duas tarefas: a) superar o pensamento moderno em suas formas mais refinadas; b) persuadir o senso comum, cuja cultura era medieval. Esta segunda função absorveu todo o esforço tanto quantitativo quanto qualitativo. Por várias razões essa persuasão se confundiu com uma forma de cultura, um pouco superior à mentalidade do senso comum, incapaz, portanto, de superar a mais alta manifestação cultural do seu tempo. Já outro italiano, pois o dedo na ferida. Nos idos de 1970, Berlinguer, então secretário do PCI, afirmava, em Moscou: ‘a democracia é um valor permanente e universal’. O resultado da história é por demais conhecido.
No período mais recente, final do século novecentos e início do vinte, com novos cenários se projetaram, novos pensamentos que se poderia resumir assim: a) o pensamento antropológico e sociológico da Igreja pós-conciliar; b) as ideias integradoras das principais socialdemocracias europeias; c) o eco-socialismo; d) as tradições da não violência; e) a constituição e desenvolvimento do gênero humano inspirado na diferença sexual; f) as ideais de progresso fundadas na consciência do limite; h) e o conceito de desenvolvimento sustentável e outros.
Todos eles, de uma forma ou de outra, deixaram uma rica experiência para se analisar as conjunturas e as relações de forças. Isto é, como se deve estabelecer os diferentes graus de relações de forças e se prestar para uma exposição elementar sobre ciência e arte políticas. Em outras palavras, pensar como um conjunto de normas práticas de pesquisas e observações singulares, particulares úteis, podem despertar o interesse pela realidade palpável e suscitar, ao mesmo tempo, faculdades de perceber, discernir ou pressentir políticas mais meticulosas e robustas.
Quais foram estes elementos metodológicos herdados e que nos permite diferenciar diversos graus de uma situação concreta?
Em primeiro lugar, verificar uma relação de forças sociais conectada muito de perto à estrutura que pode ser avaliada com os métodos das estatísticas. À base do nível de desenvolvimento das forças materiais de produção, se organizam os agrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma determinada posição na produção. Esta é uma relação real, concreta, rebelde. O número de estabelecimentos da indústria, comércio, bancos, escolas, de serviços, etc., e o pessoal reunido no espaço circundante, o número das cidades com as suas populações, tudo isto é um dado factual. Este elemento nos permite avaliar se, em determinada sociedade, existem as condições suficientes para as mudanças. Possibilita monitorar o grau de realismo e de visibilidade das diferentes ideias que o processo gerou.
A conjuntura, como já foi dito, não é estática. Apresenta sempre algo novo, distinto. Isto porque a correlação de forças e interesses no cenário político varia. Quando este cenário muda, a política de alianças também sofre mudança. A sociedade experimenta uma sensação de turbulência, de insegurança ou crise. Foi, mais ou menos, o cenário das eleições de 2018, do qual saiu vitorioso um agrupamento político que se definia apolítico.
Na minha opinião, a questão mais importante na conjuntura mundial e no Brasil é o fenômeno do pensamento político antiliberal. Atinge, simultaneamente, os Estados Unidos, Europa Ocidental, o Brasil, Turquia, Hungria e outros países. É um fenômeno único. É um movimento do antiglobalismo e do nacionalismo. De repúdio sistemático às instituições criadas a partir dos princípios liberais, divisão dos poderes, liberdades individuais, direitos sociais e políticos, tais como desenvolvidas nos últimos tempos. Hoje, proliferam movimentos que defendem interesses nacionais imediatistas, que solapam as liberdades, e solapam a atual ordem global.
Este fenômeno é cada vez mais visível após a vitória eleitoral de Trump e sua principal bandeira: América primeiro, o grito da direita francesa -, a França para os franceses; os apelos dos atuais governantes italianos - a Itália primeiro -; a Hungria, de Orbán, sem esquecer o ex-presidente Bolsonaro com seu “Brasil acima de tudo”.
É um movimento regressivo, não produz futuro e se protege através de uma fantasia, foge do real e objetiva uma volta ao passado, o que é impossível. Tenta instalar o medo. E isso agrava a crise em vez de resolvê-la. Os exemplos são muitos. Em outra palavra: uma utopia regressiva.
A principal responsabilidade dos democratas, progressistas, é enfrentar esse regressismo e encontrar os caminhos para derrotar esta movimentação velha, querendo se apresentar como o “novo”. Fica aí um olhar no pensar e no agir.

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