Folha de S. Paulo
Com fragmentação da direita, comunista Jara
sai vencedora em primeira rodada, mas rivais podem se unir em torno de Kast
Retórica de campanha se distanciou do Chile
real, com instituições sólidas e indicadores melhores que os da região
O resultado da votação no Chile confirmou
o cenário
que as pesquisas já vinham indicando: a candidata governista Jeannette
Jara foi a mais votada no primeiro turno (26,85%), com o
ultradireitista José
Antonio Kast logo atrás (23,92%). A participação
nas urnas, de 85,4%, foi elevada, impulsionada pela obrigatoriedade do voto
—uma reforma em vigor desde 2022— e por um pleito que mobilizou o país em meio
a um clima dominado pela pauta da segurança pública.
A centralidade do tema contrasta com os indicadores objetivos. Embora tenha aparecido como prioridade em todas as pesquisas de opinião —com eleitores atribuindo-lhe maior peso eleitoral—, o Chile continua entre os países da América Latina com taxas de homicídio comparativamente baixas. O peso excessivo da questão da segurança pública na campanha e no comportamento eleitoral revela uma percepção inflada, capaz de moldar as últimas semanas e favorecer discursos de resposta rápida e medidas de difícil execução, sobretudo no curto prazo.
No campo opositor, a direita vive um momento
de incerteza. Kast, cotado como candidato natural do campo direitista, perdeu
fôlego no fim da corrida do 1º turno. Parte de seu eleitorado migrou para
Johannes Kaiser, Evelyn Matthei e até para Franco Parisi, que reapareceu como
alternativa competitiva e terminou em surpreendente terceiro lugar, com 19,71%.
Esse rearranjo impediu a construção de um
polo único forte, especialmente para enfrentar Jara no segundo turno. O
mecanismo do voto obrigatório ampliou a base de participação e tende a punir
candidaturas com propostas pouco realistas ou ultrarradicais.
Mesmo num ambiente de campanha marcado por
promessas imprecisas e linguagem agressiva, o resultado confirma que o
eleitorado chileno ainda exerce uma função moderadora. A esquerda chega ao
segundo turno, mas longe de ter vitória garantida. A direita terá de
reorganizar apoios e construir alianças diante de uma disputa aberta em 14 de
dezembro.
A distância entre a retórica de campanha e o
Chile real —que segue institucionalmente sólido, com indicadores sociais e
econômicos superiores aos de muitos vizinhos— será o principal desafio para
qualquer governo que assuma em março de 2026.

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