Folha de S. Paulo
Maioria dos fatores que elegeu a direita em
nossos vizinhos está presente aqui também
Esquerda se mostra muito mais dependente de
Lula do que o outro lado do espectro é de Bolsonaro
O primeiro turno da eleição presidencial
do Chile foi
vencido por Jeanette Jara, do Partido Comunista. O problema: não só o segundo
colocado, José Antonio Kast, como os próximos três são todos de direita. É
muito provável, portanto, que a direita vença o segundo turno. Gabriel Boric,
outro dia a promessa de uma nova esquerda, assiste ao seu país dar uma guinada
na direção contrária.
Depois da mudança na Bolívia, que depois de 20 anos elegendo a esquerda elegeu Rodrigo Paz em outubro, e do triunfo de Milei nas eleições legislativas, a mudança no Chile marca um padrão. O pêndulo da política sul-americana está indo para a direita.
Os temas da vez todos parecem favorecer a
direita. Violência, corrupção, imigração, má gestão econômica, cansaço com o
identitarismo e o crescimento do conservadorismo moral com a expansão de
igrejas evangélicas e de um catolicismo mais assertivo.
Outro fator pode ter sido a eleição de Trump,
que animou a direita populista pelo mundo todo. Além disso, ele deve atrapalhar
o quanto puder qualquer líder que não lhe seja submisso no continente. Trump
busca reduzir as intervenções americanas ao redor do mundo; exceto por aqui.
Nosso continente —Canadá incluso— ele vê como quintal dos EUA e tem falado e
agido de acordo. Qualquer país desalinhado ao governo americano é um possível
aliado da China.
A ideia de que Trump trata mal aqueles
líderes que o adulam e bem aqueles que o confrontam também não encontra muito
respaldo na América do
Sul. Gustavo Petro deve ser o presidente que mais se opôs a Trump —e
começou cedo, criando um conflito diplomático já nos primeiros dias do governo
Trump, quando proibiu a entrada de dois aviões americanos que traziam
colombianos deportados. Hoje está sancionado e na mira das Forças Armadas
americanas. Por outro lado, Milei, que sempre foi trumpista declarado, recebeu
dos EUA uma linha salvadora de US$ 20 bilhões em crédito cambial.
É improvável que Trump empreenda uma invasão
militar à Venezuela para destituir Maduro. Mas é bem possível que a pressão
militar e diplomática atual sirva a esse fim, para que sua aliada, a prêmio
Nobel Maria Corina Machado, chegue ao poder. Será mais um.
Nenhuma tendência é irreversível, e o Uruguai
está aí para mostrar que nem todos dançam a mesma dança. A própria pressão
americana pode aumentar a popularidade interna de um líder que saiba
aproveitá-la. Dito isso, e reconhecendo que o Brasil tem muitas diferenças com
o restante do continente, o fato é que a maioria dos fatores que elegeu a
direita em nossos vizinhos está presente aqui também. Mesmo sem uma liderança
carismática e apta a disputar eleições, a direita já preocupa o governo nas
pesquisas.
No momento, a esquerda brasileira tem um
grande diferencial que pode salvá-la na eleição presidencial: Lula, cujo governo
mudou a vida de milhões e que sabe ser pragmático numa série de temas. Podemos
apenas imaginar o que seria das perspectivas eleitorais da esquerda se não
fosse esse líder, já em seus 80 anos. Nesse sentido, a esquerda se mostra muito
mais dependente de Lula do que a direita é de Bolsonaro. Ano que vem, ademais,
dificilmente veremos uma frente ampla para combater um candidato visto como
antidemocrático. Será que o capital político de Lula dará conta do recado outra
vez?

Nenhum comentário:
Postar um comentário