Valor Econômico
Num cenário em que a maioria dos brasileiros aplaude a ação no Rio contra o crime, mesmo sob suspeita de excessos, é preciso prestar atenção em Cláudio Castro
Algumas máximas do poder de tão reiteradas,
viram chavões, como a de que a política é como nuvem, cada hora está de um
jeito. Ora atribuem a lição a Ulysses Guimarães, ora a uma raposa mineira, o
ex-governador Magalhães Pinto. Outro clichê é de que não existe lugar vazio na
política, logo uma raposa felpuda fareja o abate e ocupa o território. A
autoria é desconhecida, mas a inteligência artificial sugere que a origem
remonte a trecho de um dos “Sermões” do Padre Antônio Vieira: “A natureza não
admite vácuo, nem a política o deve admitir”.
Raposa é outro chavão, usado para políticos sagazes e com faro para o poder. Condenado pelo envolvimento na tentativa de deslegitimar a eleição presidencial de 2022, em que saiu derrotado, o ex-presidente Jair Bolsonaro exibe um repertório de erros inclusive anteriores à trama golpista, como a conduta temerária na pandemia, e as agressões às instituições democráticas. Equívocos admitidos até mesmo por seus aliados, e que não autorizam considerá-lo uma “raposa”.
Mas não se pode negar a habilidade dele para
captar e capturar o sentimento do eleitor. Farejar toda aquela insatisfação o
alçou à vitória em 2018. Esse mesmo faro levou o presidente do PL, Valdemar
Costa Neto, a permitir que Bolsonaro testasse seu então ex-ministro dos
Transportes para o governo de São Paulo em 2022. Três anos depois, o governador
Tarcísio de Freitas (Republicanos) é o presidenciável mais cobiçado pelas lideranças
de direita, embora visto com desconfiança pelo bolsonarismo-raiz.
É em razão deste faro aguçado para o poder
que chama a atenção o pedido de Bolsonaro, formulado ao Supremo Tribunal
Federal (STF), para que se designe uma data para que o governador do Rio de
Janeiro, Cláudio Castro, lhe possa fazer uma visita “o mais breve possível”. Em
prisão domiciliar desde agosto, as visitas ao ex-mandatário dependem de aval do
ministro Alexandre de Moraes.
A afirmação de que não existe vácuo na
política tornou-se um clichê, mas, igualmente, um fato. Se Bolsonaro sentiu que
o governador fluminense voltou a exalar “cheiro de poder”, e pediu para
conversar com ele, é porque notou que o aliado ocupou um lugar até então vago
na política, disse à coluna um observador experiente da cena política.
Este observador ressaltou a nova fase de
Cláudio Castro, após a megaoperação policial nos morros da Penha e do Alemão,
no dia 28 de outubro, que culminou na morte de 121 pessoas, e mesmo face a
tanto sangue derramado, catapultou sua aprovação no Estado. Pesquisa Quaest
divulgada no dia 2, após a ofensiva policial contra o Comando Vermelho (CV),
mostrou que a aprovação de Castro aumentou 10 pontos percentuais em dois meses,
subindo de 43% em agosto para 53% em outubro, cinco dias após a ação policial.
A mesma Quaest verificou que 67% dos brasileiros aplaudiram a ação policial,
enquanto apenas 29% avaliam que houve exagero, diante do número de mortos,
cujos corpos foram deixados para trás, resgatados pelos moradores no dia
seguinte.
“Nasceu um candidato a presidente”, arriscou
este analista. Questionado se essa percepção não seria exagerada ou prematura,
ele insistiu que se o crescimento de Castro não se revelar artificial, o
político fluminense não poderia ser descartado para a corrida presidencial,
porque representa o terceiro maior colégio eleitoral do país, é conservador
conforme a maioria da população, e hasteia a bandeira da segurança pública, um
dos pilares do bolsonarismo.
O problema é o viés do punitivismo, a aposta
eleitoral com a violência em resposta pura à violência, sem abertura, até o
momento, ao aprofundamento do debate. Na visão deste analista, Castro avançou
sobre o vácuo deixado pela direita, diante da impossibilidade de Bolsonaro se
candidatar, da hesitação de Tarcísio de Freitas, e dos desempenhos ainda
tímidos de outros presidenciáveis, como os governadores de Goiás, Ronaldo
Caiado (União) e do Paraná, Ratinho Júnior (PSD).
Entre auxiliares do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, contudo, a percepção é de que o salto na aprovação de Castro
está inflado, e tende a refluir com o tempo, quando avançar a investigação
comandada pelo STF sobre possíveis excessos na operação. Já se identificou, até
agora, exemplos de tiros a curta distância, e até mesmo a decapitação de um jovem
de 19 anos. A expectativa de aliados de Lula é de que a poeira assente, e uma
parcela da população assimile com o tempo que a “demagogia do sangue”, ou o
“populismo da morte”, nas palavras de adversários de Castro, não seja a solução
para os problemas de segurança pública, que são graves, e demandam ações
urgentes e responsáveis, que somem inteligência e integração das forças. Foi
com base nessa avaliação que após uma primeira manifestação contida sobre a
ação policial, dias depois, Lula classificou o episódio como uma “matança”.
Porém, num cenário em que a maioria dos
brasileiros aplaude a ação no Rio contra o crime, mesmo sob suspeita de
excessos, é preciso prestar atenção em Castro, que até meados de outubro, era
considerado um “pato-manco” na política fluminense, sem capital para fazer o
sucessor, e assistindo inerte ao flerte do pré-candidato de centro, o prefeito
Eduardo Paes (PSD), com PT e PL. Bolsonaro abriu os olhos para ele. O
“pato-manco” bateu asas e voou. É cuidar para não se espatifar.

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