Folha de S. Paulo
Não é só o Executivo federal que deve ser cobrado
Legislativo precisa apontar fontes de
financiamento para as isenções
Estão em discussão no Congresso várias
pautas-bomba fiscais, como a regulamentação da aposentadoria especial de
agentes comunitários (aprovada no
Senado nesta semana), aumentos dos limites de faturamento do Simples
e MEI, ampliação dos critérios de elegibilidade para o BPC/Loas e criação de
adicional de insalubridade para professores. Caso todas elas sejam aprovadas, o
impacto sobre as contas públicas pode chegar a R$ 100 bilhões no acumulado de
2026 e 2027.
Ainda que algumas dessas medidas possam ser meritórias (várias certamente não o são), o problema é que o Congresso brasileiro quase nunca aponta a fonte de financiamento para essas novas medidas – algo que poderia ser feito por meio de aumento da carga tributária, por uma redução de outras despesas e renúncias fiscais ou por uma combinação delas. Esse tipo de postura do Congresso é uma afronta à responsabilidade fiscal, em particular ao artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O contexto fiscal atual torna tudo isso ainda
mais grave. O Brasil segue registrando déficits primários persistentes há uma
década. A dívida bruta do governo geral se aproxima dos 80% do PIB e
deverá continuar subindo nos próximos anos. Para estabilizar esse
endividamento, o país precisaria entregar superávits primários de pelo menos 1%
a 1,5% do PIB todos os anos. Estamos muito longe disso (a expectativa é que
encerremos 2025 com um déficit de cerca de 0,5% do PIB).
Muito se fala sobre a forte expansão do
Auxílio Brasil/Bolsa Família e
a PEC da Transição (ao longo de 2021-23), mas é importante assinalar que parte
relevante do quadro fiscal deteriorado atual brasileiro tem origem em decisões
tomadas pelo Congresso à revelia do Executivo nos últimos anos.
Em um texto que publiquei no blog do Ibre há alguns meses,
estimei que a expansão do Fundeb, a ampliação das emendas parlamentares e a
flexibilização das regras do BPC/Loas geraram, juntas, cerca de R$ 90 bilhões a
mais de despesas primárias federais em 2025. Esse montante corresponde a
aproximadamente 34% do aumento total do gasto da União desde 2019.
O caso do Fundeb é emblemático. Em 2020, o
Congresso decidiu praticamente triplicar seu valor entre 2021 e 2026. De uma
despesa equivalente a cerca de R$ 20 bilhões entre 2011 e 2020, esse montante
deverá se aproximar dos R$ 70 bilhões em 2026 (valores constantes de 2025, já
descontado o IPCA).
Quanto às emendas parlamentares, a quebra
estrutural ocorreu sobretudo em 2018-2020, período ao longo do qual os gastos
com essa rubrica passaram de pouco menos de R$ 8 bilhões (2017) para quase R$
30 bilhões (2020), já descontada a inflação. Em 2024, o gasto com as emendas
chegou a R$ 45 bilhões, devendo beirar os R$ 50 bilhões neste ano.
No final de 2023, o Congresso não somente
prorrogou a desoneração da folha de pagamentos como ampliou seu escopo,
incluindo também municípios menores. Somente em 2024 isso gerou um custo, em
termos de renúncia de receita, de cerca de R$ 30 bilhões. Entre 2025 e 2027,
esse custo deverá ser de outros R$ 30 bilhões.
Em meados de 2024, após ser acionado pelo
Executivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) apontou
que o Congresso deveria buscar compensações para essa desoneração, respeitando
a LRF. Foram aprovadas medidas no final de 2024 que levantaram somente uns R$ 9
bilhões. Portanto, ainda faltam mais de R$ 50 bilhões, considerando o custo
total dessa medida.
Assim, caso o Congresso tivesse
definido um financiamento adequado para todas as medidas listadas acima,
possivelmente já teríamos algum superávit primário nas contas públicas, mesmo
com a PEC da Transição e a ampliação do Bolsa Família.
Não é somente o Executivo federal que deve
ser cobrado sobre responsabilidade fiscal.

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