sexta-feira, 28 de novembro de 2025

A irresponsabilidade fiscal do Congresso, por Bráulio Borges

Folha de S. Paulo

Não é só o Executivo federal que deve ser cobrado

Legislativo precisa apontar fontes de financiamento para as isenções

Estão em discussão no Congresso várias pautas-bomba fiscais, como a regulamentação da aposentadoria especial de agentes comunitários (aprovada no Senado nesta semana), aumentos dos limites de faturamento do Simples e MEI, ampliação dos critérios de elegibilidade para o BPC/Loas e criação de adicional de insalubridade para professores. Caso todas elas sejam aprovadas, o impacto sobre as contas públicas pode chegar a R$ 100 bilhões no acumulado de 2026 e 2027.

Ainda que algumas dessas medidas possam ser meritórias (várias certamente não o são), o problema é que o Congresso brasileiro quase nunca aponta a fonte de financiamento para essas novas medidas – algo que poderia ser feito por meio de aumento da carga tributária, por uma redução de outras despesas e renúncias fiscais ou por uma combinação delas. Esse tipo de postura do Congresso é uma afronta à responsabilidade fiscal, em particular ao artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O contexto fiscal atual torna tudo isso ainda mais grave. O Brasil segue registrando déficits primários persistentes há uma década. A dívida bruta do governo geral se aproxima dos 80% do PIB e deverá continuar subindo nos próximos anos. Para estabilizar esse endividamento, o país precisaria entregar superávits primários de pelo menos 1% a 1,5% do PIB todos os anos. Estamos muito longe disso (a expectativa é que encerremos 2025 com um déficit de cerca de 0,5% do PIB).

Muito se fala sobre a forte expansão do Auxílio Brasil/Bolsa Família e a PEC da Transição (ao longo de 2021-23), mas é importante assinalar que parte relevante do quadro fiscal deteriorado atual brasileiro tem origem em decisões tomadas pelo Congresso à revelia do Executivo nos últimos anos.

Em um texto que publiquei no blog do Ibre há alguns meses, estimei que a expansão do Fundeb, a ampliação das emendas parlamentares e a flexibilização das regras do BPC/Loas geraram, juntas, cerca de R$ 90 bilhões a mais de despesas primárias federais em 2025. Esse montante corresponde a aproximadamente 34% do aumento total do gasto da União desde 2019.

O caso do Fundeb é emblemático. Em 2020, o Congresso decidiu praticamente triplicar seu valor entre 2021 e 2026. De uma despesa equivalente a cerca de R$ 20 bilhões entre 2011 e 2020, esse montante deverá se aproximar dos R$ 70 bilhões em 2026 (valores constantes de 2025, já descontado o IPCA).

Quanto às emendas parlamentares, a quebra estrutural ocorreu sobretudo em 2018-2020, período ao longo do qual os gastos com essa rubrica passaram de pouco menos de R$ 8 bilhões (2017) para quase R$ 30 bilhões (2020), já descontada a inflação. Em 2024, o gasto com as emendas chegou a R$ 45 bilhões, devendo beirar os R$ 50 bilhões neste ano.

No final de 2023, o Congresso não somente prorrogou a desoneração da folha de pagamentos como ampliou seu escopo, incluindo também municípios menores. Somente em 2024 isso gerou um custo, em termos de renúncia de receita, de cerca de R$ 30 bilhões. Entre 2025 e 2027, esse custo deverá ser de outros R$ 30 bilhões.

Em meados de 2024, após ser acionado pelo Executivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) apontou que o Congresso deveria buscar compensações para essa desoneração, respeitando a LRF. Foram aprovadas medidas no final de 2024 que levantaram somente uns R$ 9 bilhões. Portanto, ainda faltam mais de R$ 50 bilhões, considerando o custo total dessa medida.

Assim, caso o Congresso tivesse definido um financiamento adequado para todas as medidas listadas acima, possivelmente já teríamos algum superávit primário nas contas públicas, mesmo com a PEC da Transição e a ampliação do Bolsa Família.

Não é somente o Executivo federal que deve ser cobrado sobre responsabilidade fiscal.

 

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