sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Radiografia do 'falso 9', por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

'Falso 9' é o 9 que não entra na área, não leva bico no tornozelo e raramente faz gol

Tostão, em 1970, foi o protótipo do 'falso 9'. Mas nunca mais houve um Tostão. Só falsos 'falsos 9'

Rara a semana em que não escuto um comentarista de futebol se referir ao "falso 9". Está aí um número que não consta nas costas das camisas dos jogadores: "Falso 9". Nelas, lê-se apenas 9, e cada time tem um. O 9 é o centroavante, um sujeito grande, forte, pesado, e tem de ser assim. Pela sua posição —jogando de costas para o gol, prendendo os zagueiros na área e fazendo o pivô para os companheiros que vêm de frente—, o 9 é talvez o jogador mais sacrificado do time. Passa o jogo levando bicos no tornozelo, pisões no calcanhar, trompaços na bunda e sussurros ao ouvido, tudo aparentemente inócuo, mas cujo somatório vai doer e muito, no vestiário, depois do jogo.

O craque Tostão, na Copa do Mundo de 1970, no México, é considerado o protótipo do "falso 9": um centroavante quase incorpóreo, que se desloca para os lados, sai da área para "buscar jogo", abre espaços e está em todo lugar, menos na área para concluir —daí fazer poucos gols. Tostão comeu a bola naquela Copa e, com isso, consagrou-se o "falso 9". Mas nunca houve um outro Tostão. Só falsos "falsos 9". E o próprio Tostão sempre achou uma bobagem essa coisa de "falso 9".

Aliás, por que só existe o "falso 9"? Por que não também o "falso 4", o "falso 15", o "falso 27"? E suponha que uma bola vadia cisque e perereque nos pés de um "falso 9" por acaso na pequena área e com o gol vazio. O que o "falso 9" deve fazer? Fingir-se de fantasma e ignorá-la ou, contrariando suas profundas características, mandar a bola para o barbante? Mas como, se ele é um "falso 9", não um "verdadeiro 9"?

Um único jogador a cumprir bem a função de falso qualquer coisa foi Pelé. Além de maior 10 da história, maior goleador e maior em tudo, podia ser também... goleiro. Quando o Santos ficava sem goleiro, numa época em não havia substituições, Pelé ganhava uma camisa acolchoada de mangas compridas, com o número 1 às costas, ia para debaixo das traves e fechava-as.

Seria Pelé, então, um "falso 1"? Não, só ele era de verdade nas 11.

 

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