Correio Braziliense
Apesar de tudo, a COP30 deixa legados. O
evento recolocou a Amazônia no centro da discussão climática, demonstrando que
na floresta também se decide o futuro do planeta
A COP30, em Belém, encerra-se sob um clima
melancólico, simbolizado pelo incêndio no Pavilhão dos Países da Zona Azul,
porém, deixa avanços que merecem ser registrados, mesmo em meio às dificuldades
políticas, diplomáticas e climáticas. O incidente ocorrido na véspera do
encerramento — rapidamente controlado e sem vítimas — tornou-se uma metáfora
perfeita da conferência: um evento intenso e plural, com grande participação de
ambientalistas, cientistas, povos originários e indígenas, no entanto,
vulnerável às tensões e contradições que atravessam a agenda climática global.
A evacuação da Blue Zone, principal área de negociações, suspendeu trabalhos justamente quando se esperava uma definição sobre o chamado "Mapa do Caminho", documento crucial para orientar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis nas próximas décadas. Ainda que a ausência deliberada de uma delegação oficial do governo Trump e as resistências de China, Índia e Arábia Saudita tenham travado o processo, uma coalizão de 82 países, unindo Norte e Sul globais, manifestou-se a favor de uma referência concreta à transição energética — movimento que reposiciona o debate e pressiona os grandes emissores.
O resultado dessa articulação somente será
conhecido hoje, quando sair a declaração final, assim mesmo se não houver um
adiamento para amanhã, em razão da interrupção dos trabalhos ocorrida nesta
sexta-feira. O Brasil, anfitrião da conferência, atuou em três direções. A
primeira foi a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do
Itamaraty na defesa do Mapa do Caminho, mesmo diante de divergências e receios
diplomáticos. Cientistas liderados por Carlos Nobre entregaram ao presidente
uma carta defendendo emissões zero até 2040, objetivo considerado factível para
o Brasil. Lula acolheu a proposta e declarou que levará o tema ao G7 e ao G20,
demonstrando compromisso político além de Belém.
A segunda direção foi o da Aliança pelo Fim
dos Combustíveis Fósseis, que ganhou força com a presença articulada de países
europeus, latino-americanos e africanos. O ministro britânico Ed Miliband
destacou a noção brasileira de "mutirão" para expressar a convergência
inédita entre diferentes blocos. A terceira direção e legado mais concreto foi
o lançamento do TFFF, o fundo Tropical Forests Forever Facility, uma inovação
que aplica lógica de investimento de mercado para financiar a preservação das
florestas tropicais.
Com promessas de US$ 6,6 bilhões, incluindo
aportes de Alemanha, Noruega, França, Indonésia, Portugal e do próprio Brasil,
o TFFF agradou organizações como WWF e Greenpeace pela capacidade de gerar
recursos estáveis e remunerar países que mantêm suas florestas em pé. No
entanto, não escapa de críticas. Movimentos sociais alertam para o risco de
financeirização da natureza, para a fragilidade na proteção dos povos indígenas
e para o fato de que 80% dos recursos irão para governos, e não diretamente
para comunidades tradicionais.
Avanços e limites
A governança do mecanismo também não foi
definida, ainda. O conceito, porém, é uma mudança relevante: considera a
preservação em ativo econômico e reduz a dependência de doações ou da
volatilidade política de países financiadores. As negociações da COP avançaram
timidamente em outros temas essenciais. O documento preliminar, considerado
insuficiente pelos cientistas, traz pela primeira vez uma menção ao fim dos
combustíveis fósseis, referência que, embora frágil, há poucos anos seria
impensável, devido aos países grandes produtores de petróleo.
A conferência consolidou o compromisso de
ampliar o financiamento climático para US$ 300 bilhões em 2035 e apresentou o
primeiro esboço do mapa de ações para alcançar US$ 1,3 trilhão, conforme
exigido desde a COP29. Além disso, incorporou a discussão sobre a necessidade
de emissões zero entre 2040 e 2045, reforçando a pressão científica por metas
mais duras.
Os limites da COP30 são mais evidentes. A
resistência dos grandes emissores manteve a transição energética como tema
altamente politizado. A hesitação de países desenvolvidos em anunciar aportes
adicionais para o TFFF revelou insegurança fiscal e disputas internas. O
consenso, método do multilateralismo climático, mais uma vez permitiu que
grupos de veto ameaçassem paralisar decisões cruciais. Nem mesmo dentro do
governo brasileiro há unidade plena sobre a potência diplomática de apresentar
ou não o Mapa do Caminho de forma explícita, diante do risco de reação
contrária de países defensores dos fósseis.
O presidente Lula teve grande protagonismo
nas negociações, porém a imagem do Brasil, sobretudo de Belém, sai arranhada
internacionalmente devido aos problemas de infraestrutura, que foram criticados
pela ONU e culminaram no incêndio. O episódio, a evacuação emergencial e a
suspensão temporária das atividades reforçaram a percepção de improviso e
fragilidade estrutural, que prejudicaram o funcionamento essencial da
conferência, sobretudo o calor excessivo nos ambientes de negociação, devido à
insuficiência da refrigeração do ar.
Apesar de tudo, a COP30 deixa legados. O
evento recolocou a Amazônia no centro da discussão climática global,
demonstrando que na floresta se decide o futuro do planeta. Reforçou a formação
de um bloco robusto de países comprometidos com a eliminação dos combustíveis
fósseis, coisa inédita no processo das COPs. Criou um instrumento financeiro
com capacidade de transformar a lógica de financiamento florestal e reduzir a
dependência de doações.

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