sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Incêndio na Zona Azul foi o anticlímax de uma COP tropical pautada pela esperança, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Apesar de tudo, a COP30 deixa legados. O evento recolocou a Amazônia no centro da discussão climática, demonstrando que na floresta também se decide o futuro do planeta

A COP30, em Belém, encerra-se sob um clima melancólico, simbolizado pelo incêndio no Pavilhão dos Países da Zona Azul, porém, deixa avanços que merecem ser registrados, mesmo em meio às dificuldades políticas, diplomáticas e climáticas. O incidente ocorrido na véspera do encerramento — rapidamente controlado e sem vítimas — tornou-se uma metáfora perfeita da conferência: um evento intenso e plural, com grande participação de ambientalistas, cientistas, povos originários e indígenas, no entanto, vulnerável às tensões e contradições que atravessam a agenda climática global.

A evacuação da Blue Zone, principal área de negociações, suspendeu trabalhos justamente quando se esperava uma definição sobre o chamado "Mapa do Caminho", documento crucial para orientar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis nas próximas décadas. Ainda que a ausência deliberada de uma delegação oficial do governo Trump e as resistências de China, Índia e Arábia Saudita tenham travado o processo, uma coalizão de 82 países, unindo Norte e Sul globais, manifestou-se a favor de uma referência concreta à transição energética — movimento que reposiciona o debate e pressiona os grandes emissores.

O resultado dessa articulação somente será conhecido hoje, quando sair a declaração final, assim mesmo se não houver um adiamento para amanhã, em razão da interrupção dos trabalhos ocorrida nesta sexta-feira. O Brasil, anfitrião da conferência, atuou em três direções. A primeira foi a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do Itamaraty na defesa do Mapa do Caminho, mesmo diante de divergências e receios diplomáticos. Cientistas liderados por Carlos Nobre entregaram ao presidente uma carta defendendo emissões zero até 2040, objetivo considerado factível para o Brasil. Lula acolheu a proposta e declarou que levará o tema ao G7 e ao G20, demonstrando compromisso político além de Belém.

A segunda direção foi o da Aliança pelo Fim dos Combustíveis Fósseis, que ganhou força com a presença articulada de países europeus, latino-americanos e africanos. O ministro britânico Ed Miliband destacou a noção brasileira de "mutirão" para expressar a convergência inédita entre diferentes blocos. A terceira direção e legado mais concreto foi o lançamento do TFFF, o fundo Tropical Forests Forever Facility, uma inovação que aplica lógica de investimento de mercado para financiar a preservação das florestas tropicais.

Com promessas de US$ 6,6 bilhões, incluindo aportes de Alemanha, Noruega, França, Indonésia, Portugal e do próprio Brasil, o TFFF agradou organizações como WWF e Greenpeace pela capacidade de gerar recursos estáveis e remunerar países que mantêm suas florestas em pé. No entanto, não escapa de críticas. Movimentos sociais alertam para o risco de financeirização da natureza, para a fragilidade na proteção dos povos indígenas e para o fato de que 80% dos recursos irão para governos, e não diretamente para comunidades tradicionais.

Avanços e limites

A governança do mecanismo também não foi definida, ainda. O conceito, porém, é uma mudança relevante: considera a preservação em ativo econômico e reduz a dependência de doações ou da volatilidade política de países financiadores. As negociações da COP avançaram timidamente em outros temas essenciais. O documento preliminar, considerado insuficiente pelos cientistas, traz pela primeira vez uma menção ao fim dos combustíveis fósseis, referência que, embora frágil, há poucos anos seria impensável, devido aos países grandes produtores de petróleo.

A conferência consolidou o compromisso de ampliar o financiamento climático para US$ 300 bilhões em 2035 e apresentou o primeiro esboço do mapa de ações para alcançar US$ 1,3 trilhão, conforme exigido desde a COP29. Além disso, incorporou a discussão sobre a necessidade de emissões zero entre 2040 e 2045, reforçando a pressão científica por metas mais duras.

Os limites da COP30 são mais evidentes. A resistência dos grandes emissores manteve a transição energética como tema altamente politizado. A hesitação de países desenvolvidos em anunciar aportes adicionais para o TFFF revelou insegurança fiscal e disputas internas. O consenso, método do multilateralismo climático, mais uma vez permitiu que grupos de veto ameaçassem paralisar decisões cruciais. Nem mesmo dentro do governo brasileiro há unidade plena sobre a potência diplomática de apresentar ou não o Mapa do Caminho de forma explícita, diante do risco de reação contrária de países defensores dos fósseis.

O presidente Lula teve grande protagonismo nas negociações, porém a imagem do Brasil, sobretudo de Belém, sai arranhada internacionalmente devido aos problemas de infraestrutura, que foram criticados pela ONU e culminaram no incêndio. O episódio, a evacuação emergencial e a suspensão temporária das atividades reforçaram a percepção de improviso e fragilidade estrutural, que prejudicaram o funcionamento essencial da conferência, sobretudo o calor excessivo nos ambientes de negociação, devido à insuficiência da refrigeração do ar.

Apesar de tudo, a COP30 deixa legados. O evento recolocou a Amazônia no centro da discussão climática global, demonstrando que na floresta se decide o futuro do planeta. Reforçou a formação de um bloco robusto de países comprometidos com a eliminação dos combustíveis fósseis, coisa inédita no processo das COPs. Criou um instrumento financeiro com capacidade de transformar a lógica de financiamento florestal e reduzir a dependência de doações.

 

 

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