Folha de S. Paulo
Ataques revelam a urgência de limitar o
acúmulo de riqueza dos bilionários
No livro "Power and Progress", Daron Acemoglu e Simon Johnson
mostram como a excessiva confiança de empresários em suas próprias visões pode
produzir grandes desastres. Citam o caso de Ferdinand de Lesseps, diplomata
francês responsável pela construção do canal de Suez.
Com a confiança inflada, Lesseps convenceu
investidores a construir o canal do Panamá no fim do século 19, apesar das
condições adversas e perigosas do novo terreno. O projeto falhou sob sua
supervisão, com muitos trabalhadores feridos ou mortos.
Esse parece ser o caso de Elon Musk. Reportagem do jornal The New York Times de 2022 retrata-o como um magnata que "age por impulso e acreditando que está absolutamente certo". Sua fortuna o torna ainda mais perigoso.
Ao adquirir a plataforma Twitter, ao final de
2022, Musk fechou o capital da empresa para evitar a pressão que
sofre dos acionistas na Tesla (fora o elevado
número de mortes registradas nos veículos "autônomos").
Empresas de capital fechado não precisam divulgar resultados trimestrais nem se
sujeitam à regulação ostensiva de autoridades.
Sem essas amarras, Musk fez do Twitter um
passatempo que lhe custou US$ 44 bilhões, sendo US$ 12,5 bilhões em dívida
bancária. Musk demitiu metade dos funcionários e deu passe livre ao discurso de ódio e à desinformação na plataforma. A queda na captação de novos usuários e no faturamento da empresa levou o fundo de investimento
Fidelity —que investiu US$ 300 milhões na operação— a estimar perda de 71% do valor da X Holding desde sua aquisição.
Bilionário falastrão e engajado politicamente
em causas próprias, Musk tem usado seu novo brinquedo para ameaçar
governos, promover criptomoedas e desafiar anunciantes no X. De onde vem tanto poder?
A fortuna de Elon Musk —estimada em US$ 195 bilhões— é
maior que o PIB de mais de 130 países em 2023. Ademais, ele detém
um complexo industrial em setores estratégicos: transportes terrestre e
aeroespacial, telecomunicações e inteligência artificial. Tais poder e
influência geram preocupações.
A Nasa alertou sobre a exposição de tecnologia e informação críticas ao
controle da SpaceX e da Starlink. Outros países já emitiram alertas similares e estão trabalhando para substituir
o sistema de posicionamento global (GPS) dos EUA por similares nacionais (na
Rússia, Glonass; na União Europeia, Galileo; na Índia, IRNSS; na China,
Beidou/BDS). Até quando o Brasil vai dormir no ponto?
Além disso, a Tesla já perdeu a liderança no
mercado de veículos elétricos, com a implacável avalanche de carros chineses.
Musk agora pede proteção tarifária e se esbalda nos pesados subsídios e incentivos do governo dos EUA, que
permitiram à Tesla reduzir seus preços.
Se somarmos a tudo isso a promessa de taxação
global dos lucros das grandes corporações —a Tesla não paga um centavo de tributo federal, por
registrar seus lucros em paraísos fiscais—, há motivos de sobra para Musk
salivar pelo retorno de Donald Trump.
É nesse contexto que se dão os ataques contra
Alexandre de Moraes. O Brasil vem fechando portas às suas investidas —com a
revisão dos contratos que beneficiavam a Starlink e a perda da mineradora
canadense Sigma Lithium para a chinesa BYD, o país se torna
o lugar
ideal para testar um mote da campanha presidencial de Trump. Lá, como aqui, a
morosidade do Legislativo em definir o marco regulatório das redes sociais deixa à Suprema
Corte a deliberação sobre o tema. Daí nasce a alegação de que o Judiciário
viola a liberdade de expressão.
Além da regulação das mídias digitais, o caso
Musk revela a necessidade de os Estados nacionais desenvolverem suas
tecnologias críticas (como satélites e outras tecnologias da informação) e,
sobretudo, a urgência de limitar o acúmulo de riqueza dos bilionários.
Musk é o garoto-propaganda do imposto mínimo
global. Que seus ataques ao Judiciário brasileiro unam as nações em torno dessa
inadiável agenda.
Um comentário:
Excelente e informativo!
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