quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Duas perguntas sobre o protagonismo de Gilmar, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Ministro corre o risco de devolver discurso a extremistas que rumavam para ficar sem assunto

Duas perguntas sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes que restringe ao PGR a proposição de impeachment no Supremo Tribunal Federal e eleva o quórum de maioria simples para dois terços atravessaram o dia sem respostas: Por que agora? Por que em liminar?

A ação foi impetrada pelo Solidariedade, partido presidido pelo deputado Paulinho da Força (SP). Um dos parlamentares com mais franco acesso ao decano do STF, Paulinho poderia ter apresentado esta ação ao longo de todo seu mandato, mas escolheu o 19 de setembro para fazê-lo. Onze dias depois, a ação era enviada para despacho do procurador-geral da República, que se manifestou há exatamente um mês. Incluído na pauta de julgamento na última terça-feira, ganhou liminar no dia seguinte.

Não se trata de discordar dos pressupostos de uma decisão de celeridade ímpar: a ameaça aos ministros no âmbito da crescente restrição às prerrogativas do Judiciário pelo populismo de direita no mundo. Tampouco se desconhece que o céu é o limite para a resistência legislativa a processos que tramitam na Corte, como o das emendas parlamentares. A dúvida que invade quem quer se debruce sobre o tema é por que mudar, agora, preceito constitucional vigente há 37 anos.

A proximidade das eleições de 2026, quando uma maioria favorável ao impeachment de ministros pode vir a se formar, é a justificativa apresentada por colegas que não custarão a referendar sua decisão. O calendário eleitoral está estabelecido desde sempre. As chances de uma bancada pró-impeachment estão dadas desde 2022, quando o PL se tornou a maior sigla do Senado. E nem são tão concretas assim.

Entre aqueles que vão postular com favoritismo as 54 cadeiras em disputa, há muitos governadores que não aderem a aventuras do gênero. O principal porta-bandeira do impeachment de ministros do STF, o ex-presidente Jair Bolsonaro, começou a cumprir sua pena sem mobilizar manifestantes em número suficiente para lotar um ônibus.

Na verdade, a liminar do ministro é despachada num dos momentos em que a direita esteve mais acuada nos últimos tempos. Há, pelo menos, cinco indícios deste cerco, para além da prisão do ex-presidente. Na véspera, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), havia dado o maior cavalo de pau da temporada ao compartilhar mensagem do presidente americano sobre o telefonema do colega brasileiro: “Recebemos com otimismo a notícia da conversa entre o presidente Donald Trump e Lula. Um diálogo franco entre os dois países pode abrir caminhos importantes”.

O segundo indício, vindo desta conversa, foi produzido pela capacidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de virar a pauta da segurança na relação bilateral - do terrorismo para a lavagem de dinheiro do crime organizado em paraísos fiscais americanos. O terceiro é o das dificuldades enfrentadas por aquele que é proclamado como o maior herdeiro do bolsonarismo, Tarcísio de Freitas.

O governador assiste à estrela de seu eventual time econômico, o ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, ser ofuscado pela liquidação do banco Master, e o condutor de sua política de segurança até aqui, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), se envolver em inexplicável manobra para proteger as finanças e os processos judiciais do crime organizado no relatório ao PL Antifacção. É bem verdade que a ex-primeira-dama, ao dobrar o PL e os enteados no imbróglio do palanque do Ceará, com domínio ímpar do discurso da antipolítica, mostrou saídas para seu campo. A evidência de que o fosso entre Tarcísio e Michelle Bolsonaro pode vir a se aprofundar, porém, está longe de ser boa notícia para a oposição.

O quarto indício de que a direita já viveu dias mais gloriosos vem da publicação, horas antes de a liminar de Gilmar Mendes ser conhecida, do parecer do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), sobre o PL Antifacção. A nota técnica de Rodrigo Azevedo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre o parecer deixa claro o quanto o relator se norteou pelo mesmo consenso que pautou a elaboração do projeto pelo Executivo: o enfrentamento ao crime organizado exige articulação federativa, fortalecimento da inteligência financeira e mecanismos de descapitalização sem romper com o marco jurídico vigente. E o quinto, finalmente, é a liminar coincidir com a prisão de peça chave na base bolsonarista no Rio acusado de obstruir processo contra a infiltração do crime organizado na política.

O ministro atiçou a indignação do presidente do Senado, um dos senadores mais próximos da Corte, que ameaça com a inclusão na pauta de projetos que restringem as prerrogativas dos ministros. Davi Alcolumbre (União-AP) também pode vir a descontar o azedume na aprovação do ministro da Advocacia-Geral da União para o STF, num momento em que havia dado fôlego para Jorge Messias com o adiamento da sabatina.

A capacidade de conviver com a incerteza eleitoral é um dos preditores mais claros de democracia. É bem verdade que o custo de um resultado desfavorável é uma ameaça ao Judiciário, mas tudo está a demonstrar que a direita e seu puxadinho extremista não terão uma avenida desimpedida para eleger uma bancada vocacionada a caçar ministros do STF. A aguardar que o revés viesse pela política, o ministro optou pelo protagonismo do Judiciário. Corre o risco de vir a devolver discurso a extremistas que rumavam para ficar sem assunto.

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