Valor Econômico
Ministro corre o risco de devolver discurso a
extremistas que rumavam para ficar sem assunto
Duas perguntas sobre a decisão do ministro
Gilmar Mendes que restringe ao PGR a proposição de impeachment no Supremo
Tribunal Federal e eleva o quórum de maioria simples para dois terços
atravessaram o dia sem respostas: Por que agora? Por que em liminar?
A ação foi impetrada pelo Solidariedade, partido presidido pelo deputado Paulinho da Força (SP). Um dos parlamentares com mais franco acesso ao decano do STF, Paulinho poderia ter apresentado esta ação ao longo de todo seu mandato, mas escolheu o 19 de setembro para fazê-lo. Onze dias depois, a ação era enviada para despacho do procurador-geral da República, que se manifestou há exatamente um mês. Incluído na pauta de julgamento na última terça-feira, ganhou liminar no dia seguinte.
Não se trata de discordar dos pressupostos de
uma decisão de celeridade ímpar: a ameaça aos ministros no âmbito da crescente
restrição às prerrogativas do Judiciário pelo populismo de direita no mundo.
Tampouco se desconhece que o céu é o limite para a resistência legislativa a
processos que tramitam na Corte, como o das emendas parlamentares. A dúvida que
invade quem quer se debruce sobre o tema é por que mudar, agora, preceito
constitucional vigente há 37 anos.
A proximidade das eleições de 2026, quando
uma maioria favorável ao impeachment de ministros pode vir a se formar, é a
justificativa apresentada por colegas que não custarão a referendar sua
decisão. O calendário eleitoral está estabelecido desde sempre. As chances de
uma bancada pró-impeachment estão dadas desde 2022, quando o PL se tornou a
maior sigla do Senado. E nem são tão concretas assim.
Entre aqueles que vão postular com
favoritismo as 54 cadeiras em disputa, há muitos governadores que não aderem a
aventuras do gênero. O principal porta-bandeira do impeachment de ministros do
STF, o ex-presidente Jair Bolsonaro, começou a cumprir sua pena sem mobilizar
manifestantes em número suficiente para lotar um ônibus.
Na verdade, a liminar do ministro é despachada
num dos momentos em que a direita esteve mais acuada nos últimos tempos. Há,
pelo menos, cinco indícios deste cerco, para além da prisão do ex-presidente.
Na véspera, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), havia dado o maior
cavalo de pau da temporada ao compartilhar mensagem do presidente americano
sobre o telefonema do colega brasileiro: “Recebemos com otimismo a notícia da
conversa entre o presidente Donald Trump e Lula. Um diálogo franco entre os
dois países pode abrir caminhos importantes”.
O segundo indício, vindo desta conversa, foi
produzido pela capacidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de virar a
pauta da segurança na relação bilateral - do terrorismo para a lavagem de
dinheiro do crime organizado em paraísos fiscais americanos. O terceiro é o das
dificuldades enfrentadas por aquele que é proclamado como o maior herdeiro do
bolsonarismo, Tarcísio de Freitas.
O governador assiste à estrela de seu
eventual time econômico, o ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto,
ser ofuscado pela liquidação do banco Master, e o condutor de sua política de
segurança até aqui, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP), se envolver
em inexplicável manobra para proteger as finanças e os processos judiciais do
crime organizado no relatório ao PL Antifacção. É bem verdade que a
ex-primeira-dama, ao dobrar o PL e os enteados no imbróglio do palanque do
Ceará, com domínio ímpar do discurso da antipolítica, mostrou saídas para seu
campo. A evidência de que o fosso entre Tarcísio e Michelle Bolsonaro pode vir
a se aprofundar, porém, está longe de ser boa notícia para a oposição.
O quarto indício de que a direita já viveu
dias mais gloriosos vem da publicação, horas antes de a liminar de Gilmar
Mendes ser conhecida, do parecer do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), sobre o
PL Antifacção. A nota técnica de Rodrigo Azevedo, do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, sobre o parecer deixa claro o quanto o relator se norteou
pelo mesmo consenso que pautou a elaboração do projeto pelo Executivo: o
enfrentamento ao crime organizado exige articulação federativa, fortalecimento
da inteligência financeira e mecanismos de descapitalização sem romper com o
marco jurídico vigente. E o quinto, finalmente, é a liminar coincidir com a
prisão de peça chave na base bolsonarista no Rio acusado de obstruir processo
contra a infiltração do crime organizado na política.
O ministro atiçou a indignação do presidente
do Senado, um dos senadores mais próximos da Corte, que ameaça com a inclusão
na pauta de projetos que restringem as prerrogativas dos ministros. Davi
Alcolumbre (União-AP) também pode vir a descontar o azedume na aprovação do
ministro da Advocacia-Geral da União para o STF, num momento em que havia dado
fôlego para Jorge Messias com o adiamento da sabatina.
A capacidade de conviver com a incerteza eleitoral é um dos preditores mais claros de democracia. É bem verdade que o custo de um resultado desfavorável é uma ameaça ao Judiciário, mas tudo está a demonstrar que a direita e seu puxadinho extremista não terão uma avenida desimpedida para eleger uma bancada vocacionada a caçar ministros do STF. A aguardar que o revés viesse pela política, o ministro optou pelo protagonismo do Judiciário. Corre o risco de vir a devolver discurso a extremistas que rumavam para ficar sem assunto.

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