- O Estado de S.Paulo
Vivemos em guetos. Moradias de um lado, empregos do outro. Pobres de um lado, ricos do outro
Caçadores de androides ziguezagueiam entre arranha-céus, em seus carros voadores. Telões trepidantes iluminam gente amontoada entre barracas de espaguete. Anos atrás, quando pensávamos no futuro das cidades, uma imagem recorrente era a bagunça urbana do filme Blade Runner, de Ridley Scott – tirando, claro, a parte dos androides (os carros voadores continuam sendo um sonho...).
Não fosse o coronavírus, estaríamos todos, a esta altura de junho, falando sobre as eleições municipais. E discutindo o futuro de nossas cidades. Mas será que pandemia e metrópoles não podem ser parte da mesma conversa?
Um programa de debates na TV francesa defendeu que as cidades poderão sair até melhores da era do coronavírus. Mais gente trabalhando de casa. Menos trânsito. A prefeitura de Paris aproveitou a quarentena para aumentar o número de ciclovias. A realidade aqui no hemisfério sul, no entanto, está mais para Blade Runner mesmo.
Metrópoles – como explica o economista Edward Glaeser, professor de Harvard, em seu clássico O Triunfo da Cidade – são, antes de tudo, pontos de encontro. De pessoas, culturas, negócios. Mas as metrópoles brasileiras, ao contrário das europeias, ainda não fizeram a lição de casa do encontro – ou adensamento, na linguagem dos urbanistas. Adensar significa que residências, escritórios e serviços devem conviver nos mesmos espaços — como em Paris. Em vez disso, vivemos em guetos. Moradias de um lado, empregos do outro. Pobres de um lado, ricos do outro. A fazer a ponte entre tais universos, sistemas de transporte abarrotados e falidos.
A pandemia tornou essa realidade mais dramática e desafiadora. O trabalho remoto, por aqui, ainda será por muito tempo um luxo do circuito Leblon-Higienópolis-Corredor da Vitória-Lago Sul-etc. Numa reunião entre secretários de planejamento de várias capitais, constatou-se que passaremos ainda muitos meses, talvez mais de ano, no entra e sai de quarentenas e lockouts. Lidaremos, no período, com nossas mazelas recorrentes, elevadas ao cubo pelo coronavírus – bairros-dormitório abarrotados, saneamento deficiente, ônibus cheios. E os novos prefeitos terão que lidar com isso.
A reunião dos secretários serviu para pautar um ciclo de webinários a ser promovido pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper. A ideia é iniciar um debate sério sobre as cidades brasileiras no pós-pandemia, com a participação do Lincoln Institute, de Cambridge, um importante centro de estudos de questões urbanas. Trata-se de um encontro oportuno entre política – secretários – e conhecimento – academia.
Política, conhecimento – e nós, os cidadãos. Os links dos webinários (em julho) serão postados aqui. A ideia é começar uma conversa. Você tem sites, podcasts, papers, bases de dados sobre cidades para sugerir? Mande para o e-mail acima. No âmbito da coluna digital, eles irão alimentar lives, debates – e outros textos como este.
Bangcoc, capital da Tailândia, gosta tanto de ser comparada a um cenário de Ridley Scott que batizou um de seus corredores urbanos de “Blade Runner Alley”. As velhas barracas de comida convivem com um metrô aéreo – o “skytrain” – que serpenteia entre os arranha-céus de uma cidade cada vez mais densa e interconectada.
Bangcoc se tornou recentemente um dos principais destinos turísticos do planeta, superando Paris. Se eles conseguiram melhorar, por que não nós?
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