Folha de S. Paulo
Discussões sobre o que configura uma pena
justa sempre têm algo de metafísico
Efeitos dissuasórios de sanções penais
deveriam ser inegociáveis, sob risco de inviabilizar vida em sociedade
Meu lado sádico se deleitaria em ver o
ex-presidente passando uma longa temporada na Papuda, mas não creio que ele
valha o sacrifício de minha coerência.
Sempre abracei o minimalismo penal e não vou mudar de posição agora só porque não tenho apreço pelo condenado. A discussão de penas tem algo de metafísico. O que é uma pena justa? Exceto pela lei de talião, o famoso "olho por olho" que consta da Bíblia, correspondências retributivas não são óbvias. Quantos anos de cadeia "pagam" um assassinato?
E a "lex talionis" não funciona bem
no mundo moderno. Até o mais veemente punitivista concordaria que seria exagero
executar o motorista que sem querer matou um pedestre. E qual seria a punição
do tipo "dente por dente" para lavagem de dinheiro ou falsificação de
obra de arte?
Na melhor tradição iluminista, que busca conciliar a pacificação social com
princípios humanistas, como a redução do sofrimento desnecessário, penso que as
penas devem ser as menores possíveis que ainda produzam o efeito dissuasório
sem o qual a vida em sociedade seria impossível.
Os 27 anos de Jair
Bolsonaro são muito mais efetivos para inibir futuros golpistas
do que uma pena de, digamos, 20 anos? A dissuasão é
um fenômeno social. Serão consideradas penas pesadas as que nos acostumarmos a
ver como tal. Se emergir o consenso social de que dez anos são uma eternidade,
frações desse tempo já produzirão efeitos dissuasórios significativos.
Há, porém, um "caveat". As penas aplicadas, de qualquer tamanho,
precisam ser as fixadas antes do cometimento do crime. Se se alivia a sanção só
porque o réu é poderoso ou popular, joga-se fora a própria ideia de justiça.
Devemos, então, rechaçar qualquer tipo de alívio para Bolsonaro? Não penso que
a medida seja necessária, mas, se o Legislativo quiser promover uma redução
geral de penas que valha para todos no futuro e ela incidentalmente beneficiar
Bolsonaro sem configurar um perdão, não a classificaria como suicídio
institucional.
Não vou desistir do minimalismo por
Bolsonaro.
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