- Valor Econômico
• Impacto sobre o PIB de subsídios e desonerações é nulo
O governo da ex-presidente Dilma Rousseff realizou uma forte política fiscal anticíclica no período de 2011 a 2014, mas ela não foi suficiente para sustentar o crescimento econômico. Ao contrário, a economia brasileira continuou em sua tendência de desaceleração, que terminou na pior recessão da história do país. Qual foi a razão para a baixa resposta aos grandes estímulos fiscais concedidos durante tantos anos?
Recente estudo dos economistas Rodrigo Orair, Sergio Gobetti e Fernando de Faria Siqueira obteve evidências que reforçam a ideia de que o insucesso da estratégia de Dilma e Guido Mantega, então ex-ministro da Fazenda, foi a mudança no mix da política fiscal do período, pois o governo reduziu os investimentos e aumentou os gastos com subsídios, desonerações tributárias e outras itens, que não têm quase nenhum impacto sobre o PIB.
O estudo, intitulado "Política Fiscal e Ciclo Econômico: Uma Análise Baseada em Multiplicadores do Gasto Público", ficou em segundo lugar no 21º Prêmio do Tesouro Nacional de monografias deste ano. O objetivo do estudo é estimar qual é a resposta da economia brasileira a impulsos fiscais (contracionistas ou expansionistas) pelo lado do gasto público. Os autores queriam saber se, no Brasil, os multiplicadores fiscais também variam consideravelmente e são mais elevados durante a recessão econômica, como em países mais avançados.
O gasto público cresce a um ritmo elevado, acima do PIB, há pelo menos duas décadas e isso ocorre em todos os governos. A taxa real de expansão da despesa pouco variou entre 1997 e 2015, situando-se quase sempre acima de 4%. Apenas nos anos de ajuste (1999, 2003 e 2015) essas taxas foram negativas.
Para realizar as suas análises e cálculos econométricos, os autores fizeram um minucioso trabalho de coleta de dados dos Estados e municípios, que envolveu a depuração de estatísticas, a checagem de informações e outros ajustes. Isto foi necessário porque, no Brasil, os governos estaduais e as prefeituras são responsáveis por 3/4 das despesas públicas primárias.
Os gastos primários foram discriminados nas seguintes categorias: remuneração de empregados (salários de servidores e não servidores, pagamento de bolsas de estudos e pesquisa), uso de bens e serviços (custeio), ativos fixos (investimentos), benefícios sociais, subsídios e outras despesas.
Os dados relativos ao período analisado (2002 a 2015) indicaram que as receitas apresentaram duas tendências: cresceram até 2008 e, depois, caíram para o mesmo patamar de 2002. As despesas, por seu lado, cresceram quatro pontos percentuais do PIB no período, dos quais 2/3 por influência de benefícios previdenciários e assistenciais.
Além disso, houve a expansão de um ponto percentual do PIB com subsídios e aumento de 1,25% na despesa com remunerações de empregados (incluindo o pagamento de bolsas). Os aumentos foram compensados, em parte, pela retração de 0,45 ponto percentual do PIB dos investimentos e 0,33 ponto percentual do PIB no gasto com inativos do setor público.
No período de 13 anos, o estudo mostra que a expansão fiscal foi caracterizada por transferências de recursos a pessoas e empresas e não por aquisição de bens de capital (investimentos), serviços e consumo. O investimento público vem caindo em todas as esferas de governo nos últimos anos, depois do ápice registrado em 2010.
Os autores expurgaram das estatísticas todas as "pedaladas fiscais" e incorporaram as despesas com os subsídios implícitos dos empréstimos do Tesouro ao BNDES. A partir dos dados de todas as esferas de governo, eles utilizaram modelos econométricos. Nas análises, eles procuraram identificar o impacto no PIB do aumento de cada componente da despesa (ou seja, remuneração de empregados, benefícios sociais, ativos fixos, subsídios etc).
Os resultados obtidos, segundo os autores, "corroboram as evidências de que os multiplicadores fiscais diferem significativamente de acordo com os regimes recessivo ou expansivo (da economia)". E o impacto sobre o PIB dos diversos componentes da despesa são qualitativamente distintos.
As respostas do produto a choques das despesas com benefícios sociais, aquisição de ativos fixos (investimentos) e pessoal apresentaram, nos cálculos econométricos, dinâmicas muito similares. Com uma recessão suficientemente forte no país, os resultados dos testes mostraram que o impacto no produto é superior à unidade e mostra persistência.
A evidência, por outro lado, foi que o multiplicador fiscal dos subsídios e desonerações é insignificante ou pouco persistente, qualquer que seja a situação econômica. Para os autores, o resultado "reforça a ideia de que a mudança no mix da política fiscal entre 2008-2010 e 2011-2014, caracterizada pela redução dos investimentos e expansão dos subsídios, tenha sido uma má escolha e ajude a explicar a baixa resposta da economia aos estímulos concedidos pelo governo".
Ao mostrar que o impacto dos estímulos fiscais não são inexpressivos e podem se tornar muito significativos durante as recessões, embora isso não se aplique igualmente para todo e qualquer tipo de gasto, os resultados do estudo questionam a teoria da contração fiscal expansionista, que sustenta ser possível impulsionar a economia por meio de uma consolidação fiscal, pois isso melhoraria a confiança dos investidores, ou seja, as expectativas. Os autores advertem que não se pode deixar de considerar prováveis efeitos negativos sobre a atividade econômica, principalmente em uma recessão.
O estudo diz que não se pode desconsiderar a possibilidade de que as estimativas econométricas para o período recessivo no Brasil estejam influenciadas de alguma forma pela crise política que o país vive, "o que tende a afetar a interação entre ciclo econômico e política fiscal, talvez fortalecendo os canais não keynesianos de sua transmissão". Por isso, os autores dizem que os resultados obtidos devem ser interpretados com cautela e merecem ser revisitados a partir de estimativas para períodos mais longos.
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