quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Trump mira eleições de meio de mandato, por Richard Sherwin

Valor Econômico

Há preparativos em curso para atrapalhar um pleito intermediário livre e justo

Daqui a pouco mais de um ano, os americanos votarão para determinar qual partido político controlará as duas casas do Congresso. O Partido Republicano do presidente Donald Trump hoje controla ambas, mas suas maiorias são estreitas (53-47 no Senado e 219-213 na Câmara dos Deputados). Não há precedentes modernos de um partido presidencial evitar perdas nas eleições de meio de mandato na Câmara, a menos que a aprovação popular do presidente esteja bem acima de 50%. No caso de Trump, uma média não ponderada das pesquisas recentes mostra sua aprovação em 45,3%, com 51,9% (um saldo líquido de -6,6) dos eleitores o desaprovando.

Em circunstâncias normais, o presidente procuraria melhorar a posição eleitoral de seu partido. Trump, porém, está reforçando algumas de suas políticas mais impopulares. Por exemplo, suas últimas declarações sugerem que ele está comprometido em enviar mais tropas da Guarda Nacional para cidades controladas pelo Partido Democrata, embora 58% dos americanos se oponham a tais deslocamentos. Embora a Lei Posse Comitatus de 1878 proíba o uso de tropas federais para policiamento doméstico, a Lei de Insurreição de 1807 prevê uma exceção para levantes violentos contra o Estado, e Trump já está ameaçando invocá-la.

É por isso que Trump e seus assessores estão usando termos como “terrorista” e “insurreição” para descrever qualquer pessoa que se oponha à sua agenda. Trump afirmou recentemente, de forma falsa, que Portland (Oregon) foi tomada por “terroristas domésticos” de esquerda (acrescentando, de forma absurda, que a cidade “nem mesmo tem mais lojas”). De modo semelhante, Stephen Miller, vice-chefe de Gabinete da Casa Branca que parece estar cada vez mais no comando, chamou os juízes federais que decidiram contra o governo Trump de “terroristas” e “insurrectos”. Ele também disse que os democratas não são um partido político, mas uma “organização extremista doméstica”.

Esses rótulos são importantes, pois Trump já descreveu como acha que extremistas devem ser tratados. Se “lunáticos radicais de esquerda” causarem problemas no dia das eleições, disse ele à Fox News, o problema “deve ser facilmente resolvido, se necessário, pela Guarda Nacional ou, se realmente necessário, pelas Forças Armadas”.

Essa alusão ao dia das eleições não é por acaso. Além disso, a imprecisão em torno da identidade exata do inimigo serve aos propósitos de Trump. Basta, como ele disse recentemente a uma plateia de 800 líderes militares, dizer que os EUA enfrentam uma “invasão interna... Não diferente de um inimigo estrangeiro”.

Não há inimigo interno, assim como não há cidades sofrendo com crimes fora de controle ou ameaças de insurreição ou terrorismo. Essas são as ações de um líder autoritário que já tentou roubar uma eleição e que não teria escrúpulos em roubar a próxima. Trump não se importa com eleições justas. Ele se importa só com o poder e não hesitará em buscar uma ocupação militar das cidades americanas para mantê-lo.

Esta não é a primeira vez que milícias estaduais são usadas para fins políticos nos EUA. Quando muitos Estados do Sul se opuseram à integração racial nas escolas nas décadas de 1950 e 1960, governadores convocaram a Guarda Nacional para impedir que estudantes negros se matriculassem em escolas públicas exclusivamente brancas (em Little Rock, Arkansas, em 1957, e na Universidade do Mississippi, em 1962).

Mais tarde, os membros da Guarda Nacional também foram usados para impedir protestos pelos direitos civis - o mais notório deles foi a violenta interrupção de uma manifestação pacífica em Selma (Alabama), em março de 1965.

Trump pratica ações de um líder autoritário que já tentou roubar uma eleição e que não teria escrúpulos em roubar a próxima. Trump não se importa com eleições justas. Ele se importa só com o poder e não hesitará em buscar uma ocupação militar das cidades americanas para mantê-lo

Os presidentes Dwight D. Eisenhower (republicano), John F. Kennedy (democrata) e Lyndon B. Johnson (democrata) acabaram federalizando a Guarda Nacional para combater a resistência dos Estados à integração racial e à igualdade de direitos eleitorais. Mas, numa reviravolta irônica, Trump agora está ocupando cidades predominantemente democratas como Chicago com tropas da Guarda Nacional de Estados sulistas simpatizantes, como o Texas, parecendo reviver e inverter as profundas divisões regionais que culminaram na Guerra Civil e na era pós-guerra de Jim Crow da supremacia branca sulista.

Numa leitura superficial, chamar tropas da Guarda Nacional de Estados pró-Trump parece ter como objetivo servir à implementação cada vez mais agressiva de políticas anti-imigrantes baseadas em questões raciais pelo governo. Mas também está preparando o terreno para uma tomada de poder. A lealdade dessas forças a Trump pode muito bem aumentar a probabilidade de que elas recebam e sigam ordens para examinar eleitores “não qualificados” (principalmente não-brancos) no dia da eleição. Trump só precisa enviar tropas da Guarda Nacional fortemente armadas para bairros supostamente “hostis”, cheios de “extremistas” e “terroristas”, para intimidar e dissuadir eleitores.

Alimentar o regionalismo pode muito bem levar a uma versão americana do massacre da Praça da Paz Celestial de 1989, quando forças armadas chinesas mobilizaram tropas de províncias distantes para reprimir protestos pacíficos de estudantes em Pequim. Se esse cenário parece improvável, lembre-se do tiroteio de 1970 na Universidade Estadual de Kent, onde tropas da Guarda Nacional de Ohio abriram fogo contra estudantes, matando quatro.

Nesse contexto, o aumento da taxa de rejeição de Trump traz pouco consolo. O fato de ele estar reforçando políticas impopulares sugere que preparativos deliberados estão em andamento para atrapalhar uma eleição intermediária livre e justa. Por que se dar ao trabalho de tentar ganhar votos quando existem maneiras alternativas de manter o poder? O exército de aliados bilionários da mídia de Trump - Larry Ellison (Paramount Global Media e, em breve, TikTok), Elon Musk (X), Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (“The Washington Post”) e Rupert Murdoch (Fox News) - parece disposto a ajudá-lo a criar o pretexto de que precisa para uma repressão militar.

No fim, bodes expiatórios para as eleições suspensas serão encontrados e processados pelo Departamento de Justiça de Trump. Amigos serão recompensados, inimigos serão punidos e Trump terá cumprido sua promessa de campanha mais infame. “Em quatro anos”, disse ele aos apoiadores em julho de 2024, “vocês não precisarão votar novamente. Vamos ter tudo tão arrumado que vocês não precisarão votar”. Isso pode acabar sendo verdade a todos os americanos. Não teremos que votar, porque não poderemos. (Tradução de Fabrício Calado Moreira)

*Richard K. Sherwin é professor emérito de direito da Faculdade de Direito de Nova York, e coeditor (com Danielle Celermajer) de A Cultural History of Law in the Modern Age (Bloomsbury, 2021). Copyright: Project Syndicate, 2025.

 

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