Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
São Paulo perdeu militarmente a Revolução
de 1932, mas ganhou os rumos transformadores e modernizadores que sua situação
econômica e social continha
Na Revolução Constitucionalista de 9 de
julho de 1932, combatida pelo Exército, São Paulo acabou derrotado
militarmente. Mas os fatos a ela paralelos mostraram que São Paulo perdeu a
revolução, mas ganhou os rumos transformadores, modernizadores e industrialistas
que sua situação econômica e social continha, a indústria desbloqueada como
fundamento de um novo Brasil. Aquilo que Roberto Simonsen preconizava: o passo
definitivo da história brasileira que a libertasse da sucessão de ciclos: o da
cana-de-açúcar, o do ouro, o do café, para ser o da economia abrangente e
superadora de ciclos, o da indústria.
É uma pena que os industriais brasileiros
tenham uma consciência superficial do seu protagonismo e de sua
responsabilidade históricos e da importância criativa da diferenciação social
própria da sociedade de classes, que nasce da industrialização.
Aqui, começara ela a emergir politicamente
na greve geral de 1917. Ganhara sua expressão cultural na Semana de Arte
Moderna, de 1922, porque o modernismo teve precedência na fábrica. Começara a
ganhar sua expressão política na Revolução de Outubro de 1930, cuja essência
bloqueada foi revelada na Revolução Constitucionalista de 1932.
Fernando Henrique Cardoso, num ensaio
sociológico de 1977, chamou a atenção para a anomalia de que, diversamente do
que ocorrera em outros países latino-americanos, a sociedade brasileira não fez
uma revolução política em 1822. Foi o próprio Estado, na pessoa do príncipe
regente, que fez a Independência e se tornou criador de uma sociedade civil
que, podemos dizer, do Estado depende.
Não é estranho que, desde a República, os militares, sobretudo do Exército, presumam-se senhores de um mandato messiânico, como neste atual período governamental, para enquadrar a sociedade na ideologia de quartel própria do que o sociólogo canadense Erving Goffman define como instituições totais. O que é expressão do crônico vazio de protagonismo civil do Estado brasileiro, o da precariedade da sociedade civil.
Nessa perspectiva histórica, nossa
Constituição de 1988 é a mais completa manifestação do lento processo de
definição do Brasil social e politicamente moderno e, finalmente, da
precedência da sociedade civil em relação ao Estado, que é dela necessária
mediação.
É assim que a Revolução de 1932 só se
cumprirá em 1988, que pôs as coisas democraticamente no devido lugar. Mesmo
contra o que os revolucionários achavam ter sido a revolução que fizeram. A
Constituição tornou-se instrumento de soberania da sociedade civil.
O governo provisório de Getúlio (1930-1934)
em seus quadros tinha paulistas como José Maria Whitaker, banqueiro e
comerciante de café. Foi seu ministro da Fazenda. A decisão de queimar os
estoques acumulados de café, por falta de mercados em decorrência da crise
econômica internacional, de 1929, revolucionou a economia brasileira.
Foi ela uma política econômica keynesiana
antes de John Maynard Keynes, cuja “Teoria geral do emprego, do juro e da
moeda” foi publicada em 1936. O relatório em que Whitaker explica a decisão e
os propósitos da queima do café é de 1933.
O objetivo era, com a queima dos estoques,
assegurar a colheita pendente, pagá-la, injetar dinheiro por meio da manutenção
dos salários e manter o fluxo de renda e a economia em funcionamento. Com isso,
animou a indústria já instalada, que não era o propósito, que operava com
capacidade ociosa, como relatórios americanos dos 1920 mostraram. Graças ao
capital social representado pelo talento empresarial acumulado em silêncio
desde o fim da escravatura.
A Revolução de 1932 ocorreu nesse momento em
que a economia brasileira passava por sua própria e inesperada revolução em
decorrência de uma decisão de política econômica de um banqueiro ligado ao
agronegócio.
Os industriais, como Roberto Simonsen, que
se separaram da Associação Comercial, em 1928, e criaram o Centro das
Indústrias, que apoiaram a Revolução Constitucionalista e nela se envolveram,
perceberam que a crise e o fim da República Velha abrira o caminho para a
modernização tanto da economia, quanto da sociedade, quanto da política.
Getúlio também se deu conta de que o
desafio da Revolução de Outubro era o de reconhecer as possibilidades
modernizadoras e socialmente transformadoras abertas pelas causas inesperadas
da economia em crise.
Imediatamente após a derrota da revolução
paulista, Getúlio aproximou-se dos paulistas, Roberto Simonsen tornou-se seu
interlocutor e se tornou um pensador do nacional-desenvolvimentismo. Ao animar
o desenvolvimento industrial, com a política de Whitaker, Getúlio deu sentido à
Revolução de 1930, o que fez da derrota paulista em 1932 uma vitória.
*José de Souza Martins foi professor titular de sociologia na Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Sociologia do desconhecimento Ensaios sobre a incerteza do instante" (Editora Unesp, 2021)
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