Valor Econômico
Pela primeira vez pedetista tende a perder
no Ceará
Em sua quarta tentativa de chegar à
Presidência da República, o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT) flerta com
uma derrota inédita: perder em seu próprio Estado. Há algumas semanas, o PDT de
Ciro encomendou, a um alto custo, uma pesquisa quantitativa de um instituto de
prestígio para aferir as eleições no Ceará, o Quaest. Registrou a pesquisa no
TRE, para divulgá-la. O levantamento mediu a sucessão no âmbito estadual e
municipal.
O resultado mostrou um cenário perturbador
para o pedetista, que será o primeiro a oficializar a candidatura à
Presidência, em convenção nacional na quarta-feira: Ciro ficou com cinco vezes
menos intenção de voto do que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
sete pontos percentuais atrás de Bolsonaro. Teve precisamente 11%. Na
espontânea, 3%. Isso no Ceará.
O contraste com o passado é brutal. Em 2018, Ciro teve 41% dos votos cearenses, Fernando Haddad (PT), 33% e o presidente Jair Bolsonaro, 21%. Há 20 anos, Ciro teve 44% e Lula conseguiu 39%. Em 1998, Ciro bateu o petista e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: obteve 34%, ante 33% para Lula e 30% para o tucano. Em 40 anos de vida pública, Ciro tornou-se virtualmente imbatível no Ceará, seja concorrendo diretamente, seja apoiando outras pessoas.
A eleição deste ano tende a quebrar o
paradigma, em nível nacional, e coloca o cirismo sobre forte ameaça no plano
local. Pela primeira vez o grupo de Ciro sofre uma contestação dentro do
próprio partido em seu reduto e a raiz do problema está na encarniçada oposição
que o pedetista faz a Lula no plano nacional. PT e PDT são aliados no Estado.
Ao deixar o cargo de governador para
disputar o Senado, o petista Camilo Santana foi sucedido pela vice Izolda Cela,
uma cristã nova no pedetismo, já que foi do PT por muitos anos. À revelia do
cirismo, Izolda decidiu disputar a reeleição. Tem o endosso do PT, de 28 dos 38
deputados estaduais situacionistas e de uma imensa base de prefeitos. Ciro
ainda não escolheu seu candidato.
O favorito de Ciro é o ex-prefeito de
Fortaleza Roberto Claudio, com maior percentual nas pesquisas, mas há outros
correndo por fora. Ninguém considera real a hipótese de Izolda prevalecer sobre
Ciro na convenção estadual do PDT, mas a inédita divisão coloca em risco a
aliança local. O PT ameaça pular fora e outros aliados estaduais discutem
alternativas. Torcendo pelo aprofundamento da briga, o líder nas pesquisas de
intenção de voto para governador, Capitão Wagner (União Brasil), pode ser o
principal beneficiário.
“A melhor coisa para o capitão é a mais
provável de acontecer: Roberto Cláudio tornar-se candidato”, comentou o
ex-governador Lúcio Alcântara, do conselho político da campanha de Wagner. “Até
quando o PT continuará na aliança deles, com o Ciro chamando o Lula de ladrão
todos os dias?”, indagou.
Capitão Wagner deverá acompanhar Bolsonaro
na viagem do presidente ao Ceará neste sábado, mas, por ser do União Brasil,
convenientemente terá como seu candidato público a presidente Luciano Bivar,
traço em todas as pesquisas. Ele não tem concorrente à sua direita, o que o
deixa confortável para não exercer seu bolsonarismo de forma entusiasmada. Isso
abre as portas para um voto “Lula-Wagner” no interior do Estado. Alcântara
aposta nisso. Também essa é a aposta do deputado Danilo Forte, igualmente do
União Brasil.
“O fim do ciclo de Ciro no Ceará é visível
e a classe política sentiu isso. Vai ter muito voto de Wagner para governador,
Camilo para senador. Na presidência a polarização entre Lula e Bolsonaro vai se
impor. Poderemos ter uma debandada dos aliados deles”, disse o parlamentar.
Uma maneira de exorcizar este risco no
plano local é a escolha de um nome alternativo para disputar o governo pelo
PDT, entre os quais o senador Cid Gomes, irmão de Ciro e governador do Ceará
por oito anos, de longe é o nome com maior densidade eleitoral. É possível que
Cid salve a aliança da esquerda cearense. “Não vai ter rompimento nenhum. A
aliança vai ser preservada, com o PDT na chapa para governador e o PT para
senador. Decisão será anunciada no dia 18, às 17 horas”, diz otimista, o
deputado Mauro Benevides Filho, que corre por fora. Cid está mudo, como sempre
costuma ficar em período de articulações.
Preservar o feudo local, contudo, não
resolve a questão nacional. A volta de Lula ao cenário presidencial torna a
vitória de Ciro no Ceará uma possibilidade muito remota. Já em 2018 havia uma
indicação disso. Em agosto daquele ano, quando a inelegibilidade de Lula para a
Presidência naquele pleito ainda não fora declarada, o petista tinha conseguido
56% das intenções de voto no Ceará, ante 15% para Ciro. O resultado foi obtido
em uma pesquisa do Ibope, que apontou ainda que o percentual do pedetista subia
para 39% no cenário sem Lula. Foi praticamente o que se registrou no resultado
final daquelas eleições, o que indica que no Ceará não houve transferência de
votos de Lula para Haddad na mesma intensidade do que no resto do Brasil e,
mais importante, que lá Ciro e Lula correm na mesma faixa do eleitorado.
Uma explicação possível para essa
fragilidade de Ciro no Ceará é fadiga de material. O poder passa de um
governador a outro no Ceará desde 1986 sem que tenha havido uma alternância
real. São as mesmas pessoas operando na máquina do Estado há mais de 30 anos.
Ciro apresenta-se como uma alternativa real para o Brasil no plano nacional,
mas ele personifica o mais do mesmo no seu reduto.
Outra explicação é que enfrentar Lula hoje
não é o mesmo que no passado e é diferente de confrontar Haddad. Houve uma
mudança de patamar. O petista consegue no Ceará percentuais semelhantes aos que
obtém em outros Estados nordestinos porque fidelizou um eleitorado com
programas sociais, de um modo que Bolsonaro agora está tentando romper, ainda
sem sucesso. Se Ciro busca em São Paulo ou Rio de Janeiro um eleitor exausto da
polarização que literalmente começa a sangrar o país, este tipo de eleitor é
muito incomum no Nordeste.
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