O Estado de S. Paulo
Não dá para sair por aí com a alegação de
que essa “PEC Kamikaze” é coisa exclusiva do presidente Bolsonaro, destinada a
comprar votos dos eleitores. A oposição em peso votou a seu favor.
Essa PEC é a banalização atirada ao
paroxismo. Banalizou a Constituição, que pode ser remendada a qualquer momento,
sem levar em conta suas cláusulas pétreas; banalizou a Lei Eleitoral, na medida
em que aprovou farta distribuição de benesses às vésperas das eleições;
banalizou o teto de gastos, na medida em que autorizou mais despesas, sob a
tese de que a inflação aumentou a arrecadação; e banalizou a Lei de
Responsabilidade Fiscal, por ter despejado mais benefícios sociais da ordem de
R$ 41,2 bilhões. E tem o orçamento secreto, as emendas de relator, outros
vazamentos e eventuais pedaladas de natureza e finalidade ainda desconhecidas.
Tudo isso graças a cambalachos jurídicos e procedimentos casuísticos aprovados
em votação recorde pelo Congresso Nacional.
Para justificar a abundante distribuição,
bastou a alegação de que se trata de uma emergência que, no entanto, tem prazo
de validade, a vencer no dia 31 de dezembro, como se o calendário fosse o
critério para definir o que é ou o que não é urgente. Também foi argumentado
que é preciso atacar a pobreza, mas também só até dia 31 de dezembro. Depois
disso se verá.
Ou, talvez, não haja mais pobres a atender.
A insegurança maior é a de que os políticos podem aprovar qualquer coisa, atropelar a Constituição e as demais leis, bastando apenas que se mobilizem nessa direção.
Não dá para saber até que ponto essa farta
distribuição de favores cumprirá seu objetivo original de amolecer corações e
mentes em favor da candidatura do presidente Bolsonaro a um segundo mandato. Em
dois meses, as pesquisas poderão dar uma ideia desse efeito.
Agora, o impacto sobre a economia. Parece
inevitável que essa redistribuição terá algum efeito macroeconômico. Com o que
receberem, os 20 milhões de beneficiários do Auxílio Brasil que o governo
espera atender tratarão primeiramente de pagar dívidas e, depois, de gastar o
dinheiro extra em mais compras, de feira e supermercado ou de alguma roupa. Por
aí, pode-se esperar certa reação do varejo e da atividade econômica. Mas não dá
ainda para engolir a aposta do ministro da Economia, de que o PIB deste ano
crescerá pelo menos 2%. O mercado não arrisca mais do que 1,59%, como se poder
aferir pelo Boletim Focus, do Banco Central.
Não está claro o preço em mais inflação que
daí advirá. Essas artificialidades complicam a tarefa do Banco Central de
combater a inflação. O que esperar da trajetória dos preços, se em janeiro
voltarão os impostos agora retirados da venda dos combustíveis? E o que esperar
do governo que vier a tomar posse em janeiro e que será desafiado a manter
indefinidamente subsídios e favores que começam a ser distribuídos a partir de
agosto? Como calibrar os juros diante de tanta incerteza?
Um comentário:
No Brasil a pobreza tem prazo de validade,só tem pobre até dezembro.
Tá.
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