Folha de S. Paulo
Prevalecerão os melancólicos, cuja inibição
se sobrepõe à excitação?
Uma simples interpretação sobre o
comportamento dos instintos básicos do ser humano no campo da política induz à
conclusão: a reeleição de Jair
Bolsonaro à Presidência da República dependerá do sucesso do eleitor
em sua luta pela sobrevivência.
Implica, portanto, considerar os dois
fatores básicos responsáveis pela conservação do indivíduo; o impulso
combativo, que leva a pessoa a batalhar pela vida, enfrentando ameaças e
buscando os meios mais adequados para resistir às intempéries, e o impulso
nutritivo.
Este último responde pelas necessidades fisiológicas de alimentação, sem a qual o ser humano é condenado à inanição. Pois bem, postas as duas alavancas de sobrevivência, puxemos as duas frentes que balizam a situação do governo Bolsonaro: a pandemia, que exibe um rastro da má gestão, com quase 600 mil pessoas mortas no país e mais de 20 milhões de contaminados pelo coronavírus; e a economia, cuja fraqueza envolve o eleitor na seguinte equação: “bo+ba+co+ca” —ou seja, “bolso cheio”, “barriga satisfeita”, “coração agradecido” e “cabeça” propensa a votar em quem proporcionou a equação. A recíproca, barriga roncando de fome, levará ao desastre político do protagonista.
Essa é a cruz e a caldeirinha que pairam
sobre os protagonistas da política, conforme atestam as experiências realizadas
pela ciência desde os tempos do fisiologista russo Ivan
Pavlov (1849-1936). Ao analisar as reações do comportamento, Pavlov se
valeu do exemplo da ameba para explicar os reflexos do ser humano. A ameba foge
do perigo, absorve alimentos, multiplica-se e forma quistos, dentro dos quais
se propaga em um enxame de pequenas amebas.
As pessoas, como as amebas, procuram evitar
o perigo e preservar sua espécie. É o escudo do instinto combativo. Mas o indivíduo,
para se conservar, precisa garantir a sobrevivência do corpo, valendo-se do
instinto alimentar.
A maior ameaça à vida dos brasileiros tem
sido a pandemia de Covid-19, cuja variante
delta ainda é uma interrogação ante a iminência de voltar a contaminar
em massa a população. Por mais que o governo tente se desvencilhar dos laços de
má gestão impressa na condução da crise, e mesmo com a vacinação em massa
prevista para fins deste ano, ficará com essa marca na imagem. E certamente o
eleitor irá às urnas em outubro de 2022 na companhia desse diabinho que
fustigou sua vida e a de membros de sua família.
O outro conselheiro e influenciador de
decisões será o que chamamos de “bo+ba+co+ca”. As análises das últimas semanas
mostram que as estacas da economia estão frouxas; que o crescimento caminha a
passos de tartaruga; que o nosso maior comprador de commodities, a China, entra
em ritmo de desaceleração; e que o PIB
mundial emite sinais de crescimento aquém das projeções. O governo
brasileiro fará das tripas coração para adensar o Auxílio
Brasil com um volume capaz de atrair o rebanho faminto por capim.
Ora, mas a queda
de Bolsonaro nas pesquisas de avaliação do governo mostram que, mesmo
com R$ 300, o presidente não conseguiu segurar a barra. Fique essa hipótese em
aberto, porquanto o “senhor das circunstâncias” —e só ele— conseguirá saber a
quantas andará o humor do homem das ruas lá pelo segundo semestre do próximo
ano. Nessa frente do populismo, tudo será possível. Bolsas, auxílio
emergencial, adjutórios integram os meios de cooptação das massas.
Por último, uma palavrinha sobre o nosso
temperamento. Na divisão hipocrática dos temperamentos (Hipócrates, médico da
Grécia antiga, 460-377 A.C.), há os coléricos, em que a excitação prevalece
sobre a faculdade de inibição; os equilibrados, que podem ter reações rápidas e
uma excitação igual à inibição —e, neste caso, são considerados sanguíneos, com
reações ágeis, enquanto os indivíduos com reações lentas são considerados
fleumáticos, serenos, impassíveis—; e, por último, os tipos fracos, os
melancólicos, que exibem a preponderância da inibição sobre a excitação.
Formam, segundo o microbiologista e ativista russo Serge
Tchakhotine (1883-1973), o grande número de indivíduos que constituem
as multidões e as massas, mais facilmente influenciáveis ou violáveis.
Perguntinha de pé de página: que
temperamento prevalecerá na hora de o eleitor colocar o dedo na urna
eletrônica? De nossa parte, achamos que os melancólicos terão diminuído até lá.
*Jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político
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