Valor Econômico
Pesquisa revela o que o brasileiro pensa
sobre o lobby
Existem diversas hipóteses para explicar a
instabilidade política e o baixo crescimento econômico, fenômenos crônicos de
nossa história, uma delas é nossa incrível capacidade de não extrair lições a
cada crise que abala o país. Enquanto dissipamos nossa energia cívica em
disputas ideológicas e eleitorais perdemos oportunidades de aperfeiçoar nossas
instituições, até que um outro escândalo nos engolfa novamente.
Na última sexta-feira (10/09), o ministro
da Justiça, Anderson Torres, reuniu-se em São Paulo com a diretoria da
Federação Nacional dos Bancos, a Febraban. A justificativa oficial dada pela
instituição foi que o objetivo era “iniciar tratativas para criação da
Estratégia Nacional de Combate ao Crime Cibernético”. Difícil acreditar.
Anunciado poucas horas antes, o encontro se deu no dia seguinte às manobras de Michel Temer para acalmar o presidente (e o mercado) - e é bom lembrar que a Febraban havia rachado a respeito dos atos de Sete de Setembro insuflados por Bolsonaro. Contudo, provavelmente nunca saberemos o que exatamente foi tratado entre o ministro e os banqueiros, pois a reunião foi realizada a portas fechadas, sem a presença da imprensa.
No Senado, a CPI retoma seus trabalhos nesta
semana tentando esclarecer as negociações nebulosas entre lobistas da Precisa
Medicamentos e autoridades do Ministério da Saúde a respeito do contrato
bilionário de compra da vacina Covaxin.
Ambos os casos ilustram como, em conversas
travadas entre quatro paredes e longe do escrutínio da imprensa e da sociedade
em geral, é difícil distinguir legítima defesa de interesses e tráfico de
influência no Brasil. Na penumbra dos vínculos que se formam entre
representantes do setor privado e agentes públicos, tudo parece toma-lá-dá-cá
ou corrupção.
Nesse sentido, é bastante oportuna a
divulgação de uma investigação inédita buscando entender como a população
percebe o lobby no Brasil. Atendendo a uma solicitação do senador Antonio
Anastasia (PSD-MG), o Instituto DataSenado - um setor específico do Senado
Federal que realiza pesquisas de opinião pública, enquetes e análises para
subsidiar o trabalho parlamentar - foi a campo no período de 28/04 a 4/05/2021
para entrevistar, por telefone, 3.000 pessoas com 16 anos ou mais, segundo o
perfil demográfico do país.
Contando com a colaboração dos
pesquisadores Manoel Santos (UFMG) e João Victor Guedes-Neto (University of
Pittsburgh), dois dos maiores especialistas brasileiros no assunto, a pesquisa
acaba de sair e traz resultados instigantes (a íntegra pode ser obtida
aqui: bit.ly/3tBwqo7).
Segundo a apuração, os grupos mais
influentes na política brasileira hoje em dia na visão dos entrevistados são o
agronegócio (76% consideram que o setor influencia muito a aprovação de leis no
Congresso) e os bancos (68%), ambos bem à frente dos sindicatos de
trabalhadores (43%) e dos brasileiros em geral (36%).
Ao contrário do que indica o senso comum, a
maioria dos entrevistados considera o lobby ou a tentativa de influenciar o
Legislativo como algo positivo - dependendo de como a pergunta foi feita, um
grupo de apenas 20% a 25% vê a prática como lesiva. Mas tudo depende da
intenção: se a pressão é feita para abrir novos mercados, 88% consideram
aceitável, enquanto apenas 9% reprovam a prática. Se o que está em jogo,
contudo, é a obtenção de financiamentos e subsídios, a aprovação cai para 54%,
enquanto 40% dos entrevistados condenam a conduta.
Isso não significa, entretanto, que a
atividade não deva ser regulamentada: em torno de 70% dos respondentes é a
favor de que os contatos de autoridades públicas com representantes de grupos
de interesses, empresas, ONGs ou sindicatos devam ser registrados e tornados
públicos para que a sociedade tenha conhecimento do que se passa nos gabinetes,
escritórios e restaurantes de Brasília, São Paulo ou qualquer lugar em que se
reúnam agentes públicos e privados.
No mundo todo existe uma profusão de
modelos para se disciplinar o lobby, as relações institucionais ou a
representação de interesses - o nome da prática é o que menos importa. Como
demonstra a análise comparada feita por Santos e Cunha (2015), dos modelos mais
rígidos, como o norte-americano, até regulações mais simples e
desburocratizadas como as implementadas no Chile e na União Europeia, há um
largo caminho para se ampliar a transparência da atividade no Brasil
Atualmente tramita na Câmara e no Senado
pelo menos uma dezena de projetos de lei com o objetivo de regulamentar o
lobby, todas buscando jogar luz sobre as relações público-privadas por meio de
propostas como obrigatoriedade de se publicar agendas, atas e transcrições de
encontros, registro de profissionais e das empresas que representam, quarentena
mínima para autoridades públicas mudarem de lado do balcão, entre outros
tópicos.
Entre as inúmeras histórias que ilustram os
loopings recorrentes da política brasileira, uma das minhas favoritas é lembrar
que, no auge do escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, o principal lobista
que representava os interesses de Emílio Odebrecht em Brasília chamava-se
Cláudio Melo. Mais de duas décadas depois, com a Lava Jato, ficamos sabendo que
num famoso encontro para decidir financiamento de campanhas em 2014 o então
vice-presidente da República, Michel Temer, recebeu no Palácio do Jaburu dois
representantes da construtora baiana: Marcelo Odebrecht e seu lobista em
Brasília, de nome Cláudio Melo Filho. No Brasil, a influência econômica na
política passa de pai para filho em todos os níveis.
A principal mensagem da pesquisa do
Instituto DataSenado é que o brasileiro preza a transparência e quer saber se
(ou melhor, como) o dinheiro e a política corroem nossa democracia, seja por
meio da corrupção na compra de vacinas, do financiamento das fake news ou das
articulações a favor de golpes. Regular o lobby seria um legado importante
desta crise institucional em que vivemos - até para minimizar o risco de ela
vir a se repetir daqui a alguns anos.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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